Na minha adolescência, na cidade da Corunha, era usual as pessoas se despedirem com um abur ou aburinho!
A proximidade de abur com agur –em eusquera, adeus- levou a classificar esta juvenil gíria corunhesa de basquismo no galego. A origem da influência estaria na emigraçom galaica que, na segunda metade do século XX, se estabeleceu no País Basco, como bem documenta o meu amigo Davide Cabaleiro no recomendável filme Sítio Distinto.
Anos depois, sendo professor de português na Estremadura, dei com um livrinho sobre dialetos de Trás-os-Montes e Alto Douro onde explicava que abur era umha interjeiçom habitual nessas terras para indicar umha despedida sem saudades. Afinal, o que para a filologia galega era um termo privativo da Galiza acabou virando, mais umha vez, léxico galego-português, e colocando sérias dúvidas sobre a etimologia da palavra.
Além deste enigmático regionalismo, existem em galego-português numerosos cumprimentos, alguns deles menos conhecidos.
Na Galiza e no norte de Portugal, convivem as formas padrom bom dia, boa tarde e boa noite com as populares bons dias, boas tardes e boas noites, como se ouve no filme português Cinco dias e cinco noites, baseado no romance do histórico militante comunista português, Álvaro Cunhal, ambientado na margem sul do rio Minho.
Em Portugal e, sobretodo no Brasil, onde é bem mais comum do que a forma olá, temos oi, que mesmo dá nome a umha das principais operadoras de telefonia do país latinoamericano. Ambas podem ir seguidas da locuçom, tudo bem?, popular saudaçom que serviu de título para o primeiro romance do escritor galego Manuel Rivas.
Já para as despedidas, tem muita produtividade o italianismo ciao, normalmente grafado no Brasil tchau, e que também pode ser pronunciado em Portugal como umha fricativa palato-alveolar surda, chau. Para despedias curtas, há nas diferentes variedades de galego-português até logo, até mais e até já, coloquialmente reduzidas a um simples até. No interior do Brasil, próprio do português oral, é o dialetalismo inté. Adeus, a diferença do que acontece em galego e lusitano, tem um sentido mais rotundo ou definitivo no português brasileiro e é usado quando nom se vai voltar a ver alguém nunca mais.
Umha outra diferença entre as variedades europeia e americana é a expressom usada para atender o telefone: (es)tou no português europeu e alô no americano.
Aliás, chama a atençom a riqueza do português brasileiro para criar saudaçons e despedidas. Talvez, a mais conhecida seja beleza, que pode ir introduzido por um e aí, beleza?
Outros cumprimentos informais, comuns nas falas cariocas, som tranqüilo? retorquido com um tranqüilidade, tranqüilão ou com o relaxante na paz!; e a alegre apelaçom fala aí! que está relacionada com a despedida falou! Também típico do carioquês é a despedida valeu.
Em Minas Gerais, é freqüente a saudaçom bom demais? que é respondida em eco com um exclamativo bom demais! Lembrando que esse bom é pronunciado bão em mineirês.
O profundo sentimento religioso existente na sociedade brasileira ve-se refletido na corriqueira despedida vá/vai com Deus! ou simplesmente com Deus!
Por último, umha curiosidade que tem a ver com a pragmática do idioma, se na Galiza costumamos despedir-nos quando encontramos alguém de passagem na rua –até loguinho!- polo contrário, no Brasil é sempre umha saudaçom –oi, tudo bem?.
O lingüista galês David Crystal afirma no seu livro A morte das línguas que para compreender o sentido da identidade de umha comunidade é preciso observar a sua língua. No caso brasileiro, já os cumprimentos som um bom espelho da identidade deste criativo e alegre povo, abofé!
* Publicado no Blogue da AEG, 24 Maio 2018