Um olhar diferente e inesperado sobre a Natureza

Einstein e Lorentz fotografados por Ehrenfest na porta da casa de Lorentz em Leiden em 1921

Partilhar

Por Manuel Andrade Valinho

15 de abril de 2008

Pequenas nuvens no horizonte da Física

No final do século XIX, diante dos grandes sucessos da mecânica, da termodinâmica e do eletromagnetismo, alguns cientistas chegaram a enxergar o fim da Física — e não era nem a primeira nem seria a última vez1 que isto acontecia.

Deste modo o físico irlandês William Thomson, mais conhecido como lorde Kelvin (1824-1907), chegou a afirmar em 1900 numa conferência na Royal Society de Londres que «agora não há nada novo por ser descoberto em Física. Tudo o que resta são medidas cada vez mais precisas». O próprio título da palestra, ‘Nuvens do século XIX sobre a teoria dinâmica do calor e da luz’, fazia referência ao que Thomson considerava eram apenas dois pequenos problemas que anuviavam o horizonte da Física: o do éter e o da radiação do corpo negro.

Ninguém sabia naquela altura que apenas uns poucos anos mais tarde cada um deles seria a origem de duas das revoluções mais importantes da história da ciência, a teoria da relatividade e a teoria quântica, respectivamente. A primeira delas mudaria radicalmente a mesma perceção do espaço e do tempo, enquanto a segunda viria a descobrir alguns dos enigmáticos — e ainda não bem compreendidos — paradoxos que se escondem atrás disso que chamamos realidade.

O problema do éter

Em 1865 o escocês James Clerk Maxwell (1831-1879) tinha postulado, baseando-se nas propriedades dos campos eletromagnéticos, que a luz em si era também uma onda eletromagnética. Naquela época era amplamente aceite a existência de um meio hipotético, denominado éter luminífero, em que se propagariam todas as ondas eletromagnéticas de modo análogo a como as ondas sonoras se propagam no ar.

A consequência mais importante da existência do éter consiste em que a mesma definiria um estado de repouso absoluto, materializando destarte o espaço absoluto pretenso pelo inglês Isaac Newton (1643-1727). Porém, as tentativas para detetar este éter estacionário sempre fracassaram, incluídas as dos famosos experimentos dos estadunidenses Albert Michelson2 (1852-1931) em 1881 e Albert Michelson e Edward Morley (1838-1923) a partir de 1887. Desenhados para medir a mudança na velocidade da luz devida ao movimento da Terra através do éter, sempre produziram um resultado nulo.

Explicações alternativas para justificar este resultado contrário à hipótese da existência do éter foram procuradas por vários físicos. Assim, independentemente, o irlandês George FitzGerald (1851-1901) em 1889 e o neerlandês Hendrik Lorentz (1853-1928) em 1892 propuseram que o comprimento de um corpo era encurtado na direção do movimento.

Em 1898 o também irlandês Joseph Larmor (1857-1942) escreveu as transformações3 — conhecidas mais tarde como transformações de Lorentz — que relacionam dois observadores inerciais4. A partir delas deduziu a já referida contração de FitzGerald-Lorentz e o fenómeno da dilatação do tempo, segundo o qual um relógio em movimento em relação a outro vai mais devagar observado desde o referencial deste último.

A culminação de todos estes esforços constituem-na dois trabalhos de Lorentz de 1899 e 1904 os quais, embora não fornecessem ainda uma explicação física satisfatória, serviriam de alicerce para a ulterior fundamentação matemática da relatividade.

 

Einstein e Lorentz fotografados por Ehrenfest na porta da casa de Lorentz em Leiden em 1921

Einstein e Lorentz fotografados por Ehrenfest na porta da casa de Lorentz em Leiden

(1921)


Estórias de uma descoberta surpreendente

Portanto, nos primeiros anos do século XX o paradigma físico de um referencial absoluto estava em crise. Algumas das propostas sugeridas para salvar a situação eram, no mínimo, interessantes, mas não ofereciam uma saída plena ao problema. Lorentz, um dos vultos da física naquela altura, tinha-se aproximado muito à resolução do problema, mas o passo definitivo na procura de uma explicação simples e elegante não seria dado por ele.

E eis uma das polémicas que surgem de vez em quando na história da ciência. Geralmente tem-se atribuído ao alemão5 Albert Einstein (1879-1955) a consecução em solitário da teoria da relatividade restrita6 argumentando que as tentativas dos seus colegas, nomeadamente do francês Henri Poincaré (1854-1912), careciam de uma interpretação física adequada.

No entanto, a partir da publicação em 1953 da reedição do segundo volume do livro ‘A History of the theories of aether and electricity – The modern theories 1900-1926’ pelo matemático inglês Edmund Whittaker (1873-1956), onde coloca a Lorentz e Poincaré como os autênticos descobridores da relatividade, vários têm sido os cientistas e historiadores da ciência a analisar e questionar — em muitos casos, sem dúvida, instigados por motivações espúrias — a relevância do trabalho de Einstein nas teorias da relatividade restrita e geral, assunto que ainda hoje continua aberto7.

Poincaré foi um dos cientistas mais destacados de toda a história, com contributos fundamentais em muitos ramos da física, das matemáticas e da filosofia. A respeito da relatividade, já num artigo publicado em 1898 tinha chegado a questionar o conceito fulcral de simultaneidade e em 1904 mesmo a formular o princípio da relatividade para todos os fenómenos naturais. Mas seria em 5 de junho de 1905 quando envia à revista francesa Les Comptes Rendus de l’Académie des Sciences o fundamental artigo8 intitulado ‘Sobre a dinâmica do eletrão’ onde se assentavam as bases da relatividade. Umas poucas semanas depois, em 30 de junho9, também chegaria à revista alemã Annalen der Physik o primeiro e mais célebre artigo de Einstein sobre a relatividade intitulado ‘Sobre a eletrodinâmica dos corpos em movimento’.

Além de algumas diferenças interpretativas entre ambas as aproximações, do ponto de vista matemático o trabalho de Poincaré sobre o tema pode considerar-se mais profundo e avançado que o de Einstein. De facto, as suas investigações abriram o caminho que em 1908 permitiu ao lituano Hermann Minkowski10 (1864-1909) aperceber-se de que a teoria da relatividade podia compreender-se melhor num espaço de quatro dimensões — conhecido como espaço-tempo de Minkowski — e no qual o espaço e o tempo não se consideram mais como entidades separadas.

Também a celebérrima fórmula que representa a equivalência entre massa e energia E = mc2, geralmente atribuída a Einstein, foi primeiramente obtida por Poincaré em 1900. Por isso resulta surpreendente que os dois artigos fundamentais11 de Poincaré de 1905 sobre a relatividade tivessem sido completamente banidos das referências bibliográficas na maioria dos trabalhos posteriores, tanto científicos — nem Einstein nem Minkowski o citaram nos seus artigos — como historiográficos — por exemplo, resulta incrível que não aparecessem numa coletânea12 de trabalhos sobre a teoria da relatividade publicada na Alemanha em 1913.

Em resumo, com justiça deve reconhecer-se que a teoria da relatividade é fundamentalmente o produto do trabalho coletivo — mas não necessariamente cooperativo — de Lorentz, Poincaré, Einstein e Minkowski, com menção especial para os resultados de Poincaré (e Einstein) de 1905.

 

Poincaré em 1909


Os postulados da teoria

A teoria da relatividade na formulação vulgarizada a partir do artigo de Einstein de 1905 é constituída por estes dois postulados:

  1. As leis da Física têm de ser as mesmas para todos os observadores inerciais (princípio da relatividade).

  2. A velocidade13 da luz no vácuo c é sempre a mesma para todos os observadores inerciais independentemente da velocidade relativa entre a fonte e o observador (princípio da invariância da velocidade da luz).

Porém, há de salientar-se que este segundo postulado, que para Einstein constitui um requisito cinemático prévio, na formulação de Poincaré não é por si um princípio físico. De facto, conforme a Poincaré e Minkowski, para os que a essência da teoria da relatividade reside na geometria pseudoeuclidiana14 do espaço-tempo, a invariância da velocidade da luz seria apenas uma consequência do princípio da relatividade ou, mais exatamente, da própria estrutura geométrica do espaço-tempo15.

Alguns efeitos peculiares e contraintuitivos

Um termo que amiúde aparece nos cálculos que envolve a teoria da relatividade é o conhecido como fator gama ou fator de Lorentz:

 



Quando a velocidade de um objeto v é muito menor do que a velocidade da luz c (exactamente 299 792 458 m/s), o fator é aproximadamente 1, o qual indica que estamos numa situação newtoniana ou não relativista. Mas quando v é próxima de c o fator é maior do que 1 (de facto torna-se infinito quando v = c); diz-se então que a situação é relativista. Seguidamente comentam-se alguns fenómenos muito característicos que acontecem a velocidades relativistas.

Dois efeitos muito bem estudados são a contração do comprimento (S = S’/) e a dilatação do tempo (T = T’). Por exemplo, um objeto com um comprimento de 10 cm (na direção do movimento) deslocando-se a um 80% da velocidade da luz em relação a um observador em repouso apresenta para este um comprimento de apenas 6 cm. Aliás, se este objeto é um relógio, o observador em repouso verá que um intervalo de 5 s medido no seu relógio traduz-se num intervalo de 3 s no relógio em movimento. Este último efeito é o que explica que os muões, partículas de curta vida que são criadas quando os raios cósmicos colidem com a atmosfera, possam chegar à superfície da Terra antes de se desintegrarem.

Este efeito de dilatação temporal pode parecer paradoxal dado que tal dilatação temporal é observada, de modo simétrico, por cada observador inercial em relação ao outro. Em 1911 o físico francês Paul Langevin (1872-1946) propus considerar o seguinte experimento mental (o chamado paradoxo dos gémeos): imaginem os dois gémeos, Joana e Mário, e que Joana parte numa viagem espacial mantendo uma velocidade próxima da velocidade da luz enquanto o seu irmão fica na Terra. Há de ter-se em conta que conforme à teoria da relatividade cada observador tem a sua própria medida do tempo. Se os dois sistemas fossem inerciais o irmão terrestre observaria que o tempo na aeronave decorre mais devagar, mas Joana também observaria o mesmo efeito para o tempo na Terra.

O certo é que Joana não é uma observadora inercial já que para se afastar da Terra e alcançar uma determinada velocidade e logo voltar ela deve sofrer certas acelerações. Assim, devido ao seu estado de movimento o tempo decorre realmente mais devagar na aeronave que na Terra, de modo que quando ela regressa observa que efectivamente Mário, que ficou na Terra, tem envelhecido mais do que ela.

Uma das consequências mais notáveis do carácter finito da velocidade da luz é que o conceito de simultaneidade é desterrado de modo radical, uma vez que dois eventos que para um observador acontecem simultaneamente, para um outro observador em movimento em relação ao primeiro acontecem em diferentes instantes de tempo. A razão pela que este e outros efeitos relativistas não são percebidos quotidianamente pelas pessoas é porque a velocidade da luz é extraordinariamente grande comparada com as velocidades às que costumamos movimentar-nos. Com efeito c é uma velocidade limite no Universo. Para mais, quanto maior é a velocidade de um corpo (com uma determinada massa) mais difícil resulta acelerá-lo — sendo impossível atingir a velocidade da luz. De facto, apenas as partículas sem massa viajam à velocidade da luz.

Mais um resultado da teoria, muito importante quanto às suas aplicações, é o da equivalência massa-energia (E = mc2). Ela foi a que permitiu explicar a origem das enormes quantidades de energia que, alumiando assim o céu da noite, as estrelas liberam nos fornos de fusão nuclear que se hospedam nos seus corações.

 

Minkowski em 1909

Minkowski em 1909


O próximo 21 de setembro cumprir-se-ão 100 anos da célebre palestra de Minkowski na Universidade de Colónia, intitulada ‘Espaço e Tempo’, que iniciou dizendo: «As visões do espaço e do tempo que eu desejo expor-lhes brotaram do solo da física experimental, e aí está a sua força. São radicais. De agora em diante o espaço em si mesmo, e o tempo em si mesmo, estão designados a dissolver-se em meras sombras, e somente numa espécie de união dos dois subsistirá uma realidade independente». Este evento pode considerar-se a culminação da primeira grande revolução científica do século XX, a qual levou à uma mudança radical de paradigma físico e a uma nova ontologia, a do espaço-tempo.

Como remate deixo a recomendação, para quem não o conheça, de um livrinho de contos inspirados no tema: ‘Os Sonhos de Einstein’ de Alan Lightman (Edições ASA, Porto, 1994. No original “Einstein’s Dreams”, Warner Books, Nova Iorque, 1994). De certeza, não desiludirá.

 

Notas

1 Nestes últimos anos alguns partidários da teoria das supercordas, no contexto das Teorias de Tudo, têm falado em termos semelhantes.

2 Nado em Prússia (atual Polónia).

3 Contudo, há de atribuir-se ao alemão Woldemar Woigt (1850-1919) a primeira formulação destas transformações em 1887.

4 Não acelerados, isto é, que se estão a deslocar com velocidade constante um em relação ao outro.

5 Durante a sua vida possuiu, aliás, as nacionalidades suíça e estadunidense, além de figurar como apátrida por cerca de cinco anos entre 1896 e 1901.

6 Habitualmente dá-se o nome de teoria da relatividade restrita àquela descrita nos trabalhos de Poincaré e Einstein de 1905 e o de teoria da relatividade geral à que resulta dos trabalhos de Einstein (e David Hilbert) de 1915. Como esta última se pode considerar aliás uma teoria da gravitação, neste artigo utilizar-se-á simplesmente a expressão teoria da relatividade para nos referir à primeira delas.

7 Existem estudos críticos rigorosos tanto a favor — T. Damour (2005) e J. M. Sánchez Ron (2004, 2007) — como em contra — C. Marchal (2005), A. A. Logunov (2005) e D. Wuensch (2005) — do exclusivo reconhecimento a Einstein; mas também há alguns incoerentes e quase paranoides, como por exemplo os de C. J. Bjerknes (2002, 2003).

8 A este seguiria outro mais detalhado enviado em 23 de julho de 1905 à revista italiana Rendiconti del Circolo Matematico di Palermo.

9 O ano 1905 denomina-se o annus mirabilis de Einstein em referência a que nesse ano publicou, além do da relatividade, outros três artigos fundamentais. Num deles, em conexão com o da relatividade, aparecia a equivalência entre massa e energia por meio da fórmula E=mc2; nos outros dois explicavam-se o efeito fotoelétrico (pelo que recebeu o nobel de física em 1921) e o movimento browniano (demonstrando assim a existência física dos átomos).

10 Minkowski foi professor de Einstein na ETH (Escola Politécnica de Zurique). Conta-se que anos depois de ler o artigo de Einstein sobre a relatividade teria dito: «para mim isso foi uma grande surpresa, porque na época dos seus estudos Einstein era um preguiçoso. Ele não demonstrava qualquer interesse pelas matemáticas».

11 Os principais contributos de Poincaré à teoria da relatividade são analisados em profundidade pelo físico russo Anatoly Logunov no seu livro ‘Henri Poincaré and Relativity Theory’ (2005) acessível em http://arxiv.org/abs/physics/0408077.

12 Edição em português: ‘O Princípio da Relatividade’ H. A. Lorentz, A. Einstein, H. Minkowski e outros (Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1972).

13 A origem do símbolo padrão c para a velocidade da luz estabelece-se, apocrifamente, no étimo latino celeritas.

14 Assim como as distâncias num espaço euclidiano (espaço plano ordinário) são sempre positivas, num espaço-tempo de métrica pseudoeuclidiana os intervalos (os análogos das distâncias) podem ser positivos, nulos ou negativos.

15 Tendo em conta isto é possível fornecer uma formulação axiomática da relatividade por meio de dois postulados que fazem referência à dita estrutura geométrica do espaço-tempo quadridimensional (R. d’Inverno 1992), sem ter de acudir aos dois princípios enunciados por Einstein.

Máis de Manuel Andrade Valinho