Estrelas cadentes no céu de verão

Partilhar

Uma perseida sobre o fundo da Via Láctea (Wikipédia)

Por Manuel Andrade Valinho

Esta segunda entrega de Instantâneos para imaginar a realidade trata sobre uma das chuvas de meteoros mais esperadas do ano, as Perseidas. Neste texto comentam-se as suas origens, definem-se os parâmetros mais importantes que descrevem a sua evolução e fornecem-se informações úteis para escolher a melhor hora de observação desde a Galiza em 2008.

Falando nas origens

Na altura do ano em que, após o abafo dos dias mais calorentos, estarmos ao relento da noite costuma ser um presente é quando se pode observar no céu boreal o espetáculo das Perseidas. A que talvez seja a chuva de meteoros mais popular de todo o ano estende-se do 17 de julho ao 24 de agosto. É designada assim por ser um ponto situado na constelação de Perseu, denominado radiante, donde por um efeito de perspectiva parecem irradiar todos os meteoros — uma simulação da chuva na qual se observa este efeito é disponibilizada em http://www.shadowandsubstance.com/. Quanto ao seu aspecto, os meteoros mais brilhantes desta chuva costumam ser coloridos e com um traço persistente. Mesmo de tempos a tempos é possível ver alguma bólide1.

Os meteoroides são pequenos objetos rochosos, aproximadamente do tamanho de um grão de milho, que a Terra se encontra no seu caminho ao redor do Sol. Sabe-se que em determinadas épocas do ano o nosso planeta atravessa alguma região que igualmente de vez em quando é frequentada por algum cometa2. Quando as partículas do rasto de poeira deixado atrás pelo cometa colidem com a atmosfera a velocidades relativamente altas o atrito faz que a temperatura aumente até ficarem incandescentes, produzindo cada uma delas o fenómeno luminoso denominado meteoro. Se o meteoroide é o suficientemente grande mesmo é possível que algum fragmento atravesse a atmosfera sem se desintegrar até atingir intacto a superfície terrestre, dando assim origem a um meteorito.

No caso das Perseidas sabe-se que os diferentes enxames de meteoroides que as produzem estão associados ao cometa 109P/Swift-Tuttle (ver Figura 1). Estas partículas colidem com a atmosfera terrestre a uma velocidade de 59 km/s. O astrónomo estadunidense Lewis A. Swift (1820-1913) descobriu este cometa em 16 de julho de 1862, mas pensou que era um dos que já estava catalogado e não anunciou a sua descoberta. Três dias mais tarde, independentemente, o também astrónomo estadunidense Horace P. Tuttle (1839-1923) observou o mesmo objeto e anunciou a descoberta de um novo cometa. Foi então quando Swift tomou conhecimento de que o que ele tinha observado uns dias antes era o mesmo objeto. Deste modo, a denominação do cometa compartilhou os nomes de ambos os descobridores.

 

Figura 1. Imagem do cometa 109P/Swift-Tuttle obtida em 24 de novembro de 1992 por G. Rhemann

 

 
 
Quando será o máximo?

Antes de tudo é preciso notar que todos os instantes de tempo que aparecem neste texto estão referidos à hora legal na Galiza nesta época do ano (UTC+2h). Quando necessário, os cálculos realizam-se a partir de umas coordenadas médias, sem perda de generalidade para quaisquer outros locais do país — as variações em qualquer caso serão de uns poucos minutos.

Resulta muito difícil determinar a quantidade exata de meteoros que é possível observar desde um determinado local durante o máximo. Decerto, esta depende de muitos fatores e não todos são bem conhecidos. É habitual estimar para cada chuva de meteoros a denominada como Taxa Horária Zenital (ZHR, da expressão inglesa Zenithal Hourly Rate), que é o número de meteoros que uma pessoa observaria durante uma hora, sob condições ideais de céu limpo e escuro, se o radiante da chuva estiver no zénite. Porém, na prática, a taxa observada é quase sempre inferior e diminui à medida que o radiante se aproxima do horizonte.

Um dos fatores que mais influi é a proximidade da Terra a algum enxame ou corrente de meteoroides particular das que o cometa, nas sucessivas passagens pelo periélio3 cada 133.28 anos, tem ido deixando atrás. Na Figura 2 a linha representa a trajetória que seguirá a Terra entre o 10 e o 14 de agosto de 20084 e cada grupo de pontos pretos representa uma corrente de meteoroides particular. Vê-se claramente que a maior concentração se produz cerca de 12 de agosto. De facto, a IMO (International Meteor Organization) estima que o máximo da chuva acontecerá provavelmente entre as 13:30 e as 16:00 horas do dia 12 com um valor de 100 para a ZHR. Porém, não descarta a ocorrência de um segundo máximo sobre as 18:40 horas e mesmo de um terceiro, mais improvável, às 23:30 horas.

Contudo, segundo o especialista russo em meteoroides Mikhail Maslov, na época do máximo de 2008 a corrente de meteoroides teria sido levemente puxada para a Terra devido à influência gravitacional de Júpiter, o que faria aumentar a ZHR até 110-120. Além disso, calcula que a Terra passará perto dos enxames deixados pelo cometa nas passagens pelo periastro dos anos 1479 e 1348, o que produziria máximos na chuva o dia 12 de agosto às 7:29 e às 9:19 horas, respectivamente.

 

Figura 2. Correntes de meteoroides do Swift-Tuttle na vizinhança da Terra entre o 10 e o 14 de agosto de 2008

 

 
 
Uma previsão de chuva para a Galiza

Atendendo aos dados anteriores podemos afirmar que na Galiza as horas mais propícias para a observação das Perseidas serão as do final da noite do 11 ao 12 e as da primeira metade da noite do 12 ao 13 de agosto. Para fazermos um cálculo mais por miúdo da quantidade de meteoros que poderíamos observar desde um local determinado precisaremos conhecer:

  • a ZHR (fornecida pela IMO),

  • a altura, h, do radiante no horizonte (depende do local e da hora de observação),

  • o índice de população, r, que é um parâmetro que define o brilho padrão dos meteoros (fornecido pela IMO), e

  • a magnitude limite do local, m, que determina o brilho da estrela mais fraca que somos capazes de observar (depende do local de observação e varia fortemente com a poluição luminosa).

Em resumo, o nosso cálculo dependerá de dois parâmetros conhecidos (ZHR e r) e de outros dois que dependem do local e da hora de observação (h e m). Tendo em consideração os seus valores, a seguir fornecem-se alguns resultados aproximados para o número de meteoros por hora que se poderão observar desde qualquer local da Galiza nas duas noites de máxima atividade.

Assim, na noite do 11 ao 12 de agosto por volta das 5 da madrugada — teoricamente o raiar da aurora acontecerá às 5:45 — o radiante terá uma altura no horizonte de 45º em direção NE. Se o local tiver um céu limpo e escuro poderíamos observar entre 20 e 35 meteoros por hora dependendo da predição utilizada; mas não passaríamos de 3 ou 5 meteoros no mesmo intervalo se o céu apresentar a poluição luminosa característica de uma vila de tamanho médio.

Na seguinte noite, a do 12 ao 13 de agosto, por volta das 23:30 horas — instante em que existe a hipótese de que se produza um terceiro máximo e também horas às que nesta data acontece o início da noite fechada — o radiante estará situado em direção N a uns 15º de altura sobre o horizonte, o qual diminui a quantidade de meteoros visíveis desde a nossa posição em relação à noite anterior. Quanto ao local de observação, se este apresentar um céu limpo e escuro, poderíamos observar cerca de 15 meteoros por hora; mas, pelo contrário, se o céu mostrar algo de poluição luminosa apenas poderíamos ver uns 2 meteoros durante o mesmo intervalo. Ainda, se este terceiro máximo não se chegar a produzir, a quantidade de meteoros por hora baixaria a 6 e a 1 meteoros por hora, respectivamente. Neste último caso seria preferível esperar algumas horas até que o radiante estiver mais alto sobre o horizonte.

Chegou a hora! Mas… e se chove?

Um dos fatores importantes quando se programa qualquer observação astronómica é comprovarmos a fase da Lua e a sua altura no horizonte. A fim de ter um céu o mais escuro possível a situação ótima é aquela em que a Lua é nova ou, de outro modo, está para baixo do horizonte. Neste caso, na primeira noite, embora iluminada num 78%, ela encontrar-se-á a 11º para baixo do horizonte em direção SW. Porém, na segunda noite, ela será plenamente visível, com um 84% da sua superfície iluminada em direção S e a 18º de altura sobre o horizonte. Nenhuma das duas situações é ótima mas, ainda bem, o radiante situa-se no lado oposto do céu.

Além do mais, é muito importante estar à par das previsões meteorológicas para não fazer um deslocamento em balde ou, pior ainda, passar maus momentos por causa do frio ou do vento — que por estas bandas também não se descartam. As previsões meteorológicas para o dia 12 de agosto no interior da Galiza (fonte: MeteoGalicia, disponível em http://meteogalicia.es/, acesso em 9 de agosto) indicam que a probabilidade de céu limpo de nuvens é 10%, de céu nublado 50% (na costa 40%) e de chuva 40% (na costa 50%). Assim, embora as previsões quanto à intensidade da chuva de meteoros são bastante boas, é muito provável que as circunstâncias meteorológicas impeçam a sua observação, sobretudo durante a primeira noite.

Se, pelo contrário, ao menos uma de ambas as noites ficar limpa de nuvens não seria preciso muito mais: apenas um local escuro fora das cidades, instalar-se voltados para a zona do radiante (ver Figura 3) e muita paciência. Para mais, se alguém quiser colaborar no estudo científico das correntes de meteoroides poderia, após acompanhar uma série de indicações sobre a metodologia a seguir, enviar as suas observações para a IMO (http://imo.net/). Isso contribuiria a conhecer melhor a estrutura destas correntes e a predizer com maior fiabilidade os máximos das próximas chuvas de Perseidas.

 

Figura 3. Localização do radiante das Perseidas

 

 
 
Notas

1 Estas são meteoros de tamanho maior que o normal que atingem altitudes muito mais baixas. Nalgumas ocasiões inclusive se chegam a produzir fenómenos sonoros associados.

2 Os cometas são objetos do Sistema Solar que também gravitam ao redor do Sol. O seu tamanho é muitíssimo menor que o de um planeta e as suas órbitas são geralmente muito mais excêntricas — a diferença entre o ponto da sua órbita mais perto do Sol (periélio) e o mais afastado (afélio) é muito grande.

3 A última passagem do Swift-Tuttle pelo periélio aconteceu no final de 1992 e a próxima será em 2126.

4 As cruzes indicam a posição da Terra à meia-noite em tempo universal, isto é, às 2:00 hora legal na Galiza.

 

Máis de Manuel Andrade Valinho