O evento de Tunguska (e III)

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Por Manuel Andrade Valinho

21 de dezembro de 2008 – Descarregar PDF

Hipóteses alternativas

A teoria do impacto de um corpo cósmico apresenta, tal e como comentamos na entrega anterior, alguns pontos fracos. Isto contribuiu a que ao longo do tempo fossem propostas diferentes hipóteses alternativas: interessantes umas poucas, altamente especulativas as mais. O mesmo Vasilyev afirmou: “Não deveríamos excluir a possibilidade de que o fenómeno de Tunguska seja um fenómeno qualitativamente novo para a ciência, que deveria ser analisado desde posições não tradicionais”.

A seguir passaremos a expor as principais teorias alternativas – algumas delas certamente invulgares – que, com maior ou menor sucesso, procuram a compreensão deste evento.

– Antimatéria no Sistema Solar?

Em 1941 o astrónomo estado-unidense Lincoln La Paz sugeriu1 que o evento de Tunguska tinha sido produzido pela desintegração de um meteoroide de antimatéria2. Isto explicaria o enorme grau de devastação, a ausência de uma cratera de impacto e a ausência de restos atribuíveis a um meteorito de matéria convencional. Porém, esta teoria3 apresenta dois graves inconvenientes: primeiro, não há evidência observacional da existência de meteoroides de antimatéria no Sistema Solar; segundo, é difícil explicar como esta rocha de antimatéria pôde explodir justo no final da sua trajetória e não desintegrar-se ao entrar na atmosfera.

– Nos limites da física teórica

Em 1973 os físicos teóricos estado-unidenses Albert Jackson e Michael Ryan propuseram4 como explicação do evento de Tunguska a passagem de um microburaco negro5 através da Terra. Este teria a massa de um asteroide médio, mas um raio6 de apenas 1 Å. Primeiro atravessaria a atmosfera a grande velocidade, em apenas um segundo, criando um tubo superaquecido de plasma azulado – o qual é compatível com as observações das diferentes testemunhas. Após 12 minutos a sua saída no Atlântico, ao noroeste dos Açores, teria que ter causado perturbações similares às da sua entrada em Tunguska; porém, nada anómalo foi observado.

– Outra hipótese arriscada

Ainda em 1977 o perito em computação inglês Anthony Lawton postulou a desintegração de uma gigantesca bola de luz, aproximadamente de 1 km de diâmetro, para explicar o evento de Tunguska. Segundo Lawton esta bola de luz seria composta por partículas de pó firmemente ligadas por um campo elétrico. A existência de bolas de luz – também denominadas relâmpagos globulares – de tamanho centimétrico é um assunto controverso para o qual se têm sugerido diversas teorias que explicariam o fenómeno como uma manifestação do campo eletromagnético. Embora não se conhecem bem quais seriam os mecanismos de formação, a aparição de uma bola de luz gigante como a postulada por Lawton seria, em qualquer caso, um fenómeno altamente improvável.

– Cuidado com o Sol!

Uma nova teoria veria a luz em 1984 da mão dos cientistas russos Victor Zhuravlev e Alexey Dmitriev. Conforme à sua hipótese heliofísica7 o evento de Tunguska explicar-se-ia pela colisão de um plasmoide – uma certa quantidade de plasma envolvida por um intenso campo magnético – ejetado pelo Sol. Mais outra hipótese difícil de verificar.

– Uma hipótese… improvável?

Uma das teorias mais interessantes é a do geólogo russo Andrei Ol’khovatov, quem em 1991 propus a chamada interpretação tectónica do evento de Tunguska. De acordo com esta, o acontecido em Tunguska teria sido produzido por um raro fenómeno conhecido como meteoro geofísico ou geometeoro. Um geometeoro seria um evento luminoso de origem terrestre do qual se desconhece o mecanismo físico que o produz. No entanto, o investigador ruso Andrei Ol’khovatov (nado em 1960) propõe que a sua origem estaria num forte acoplamento entre processos atmosféricos e tectónicos8.

– Persistindo na origem terrestre…

Em 2001 o físico teórico alemão Wolfgang Kundt (nado em 1931) propus a denominada interpretação kimberlítica segundo a qual o evento de Tunguska teria sido causado pela ejeção vulcânica de 10 milhões de toneladas de gás natural – parte do qual entrou em ignição. Segundo Kundt poderíamos estar perante a formação hoje em dia de um kimberlito, um tipo de rocha vulcânica na qual se encontram os diamantes9. Ele sustém a sua hipótese no facto, entre outros, de que o epicentro esteja situado sobre o vulcão Kulikovskii, mas também neste caso nenhum resto tem sido ainda achado.

No terreno da pseudociência

Seguidamente conheceremos ainda algumas outras propostas no terreno da ficção científica que, a partir de meados do século XX, foram adotadas como hipóteses plausíveis desde posições pseudocientíficas.

– Turismo extraterrestre

O escritor russo de ficção científica Alexander Kazantsev publicou em 1946 um breve relato10 segundo a qual o evento de Tunguska teria sido produzida pelo acidente de uma nave espacial alienígena. Os seus tripulantes teriam guiado a sua nave para o lago Baikal – a 800 km do epicentro constitui o maior repositório de água doce na superfície da Terra – com a intenção de recolher água para o seu motor nuclear, mas um terrível acidente teria volatilizado a sua nave. Curiosamente esta estória acabaria difundindo-se, esquecendo as suas origens, como uma descrição real do evento de Tunguska para maior glória da mitologia ufológica.

– Conversando com alienígenas

Na mesma linha, em 1964, os também escritores russos de ficção científica Genrikh Altov e Valentina Zhuravleva sugeriram num artigo11 que o evento de Tunguska era consequência do impacto de um raio laser enviado por seres extraterrestres desde um planeta gigante em órbita ao redor da estrela 61 Cygni, a uns 11 anos-luz de distância. Estes seres teriam detectado e interpretado as ondas de rádio produzidas pelo vulcão Krakatoa em 1883 como uma mensagem de saudação de uma longínqua civilização e o raio laser seria a sua “amável” resposta.

– Uma explicação ainda mais complicada!

Por último, uma outra engraçada teoria sobre a origem alienígena do evento de Tunguska foi oferecida pelos Irmãos Strugatsky12 na sua obra satírica “A segunda-feira começa em sábado” (1964). Nela a explosão é causada por uma nave espacial alienígena de um universo diferente que se desloca para trás no tempo em relação a nós. Por conseguinte, é inútil procurar os restos da nave agora, depois do evento, porque estes restos têm estado nesse local apenas antes de 1908.

Apêndice

Uma história de ficção: o Evento de Compostela

É óbvio que o acontecido na Sibéria Central pôde ter acontecido em qualquer outro local do planeta com consequências para a população muito mais graves; ao fim e ao cabo, a densidade demográfica da região de Tunguska é de apenas 0.01 habitantes por quilómetro quadrado. Assim, por exemplo, se a entrada do corpo na atmosfera tivesse lugar apenas 4 horas e 47 minutos mais tarde a explosão teria acontecido nas proximidades de São Pertersburgo, que na altura era a capital do Império Russo e acolhia já a quase 2 milhões de pessoas. As consequências da catástrofe, mesmo as implicações no decorrer da ulterior história da Europa, são difíceis de avaliar.

Para reconhecermos mais facilmente a grandeza do evento de Tunguska imaginemos que o epicentro da explosão se situasse sobre a Praça do Obradoiro em Compostela. Tendo em conta os resultados obtidos na determinação da trajetória do corpo cósmico causante da explosão e da extensão da zona afetada e sobrepondo-os graficamente sobre uma mapa da Galiza obtemos a imagem mostrada na Figura 1. Aí aparecem assinaladas as principais vilas e cidades da Galiza ao lado da trajetória do corpo cósmico, da posição da vila de Vanavara (ao SW do Carvalhinho) e de duas curvas que representam a zona arrasada em que as árvores foram jogadas ao chão (linha exterior contínua) e a zona em que as árvores foram abrasadas (linha interior descontínua).

 

Figura 1: “Sobreposição da trajetória do corpo cósmico e da área afetada sobre o mapa da Galiza.

A linha contínua delimita a zona arrasada em que as árvores foram jogadas ao chão, enquanto a linha descontínua delimita a zona em que as árvores foram completamente abrasadas.”


 

A explosão teria sido observada e ouvida em toda a península Ibérica e mesmo no ocidente do estado francês. O que os moradores de Vanavara contaram sobre o impacto da onda de choque (ruído, calor abrasador, etc.) seria o que sentiriam milhões de pessoas em praticamente toda a Galiza, incluindo todas as grandes cidades.

Na Figura 2 pode ver-se uma ampliação da área mais danificada. No interior da zona em que as árvores foram derrubadas situar-se-iam vilas importantes como Arçua, Silheda, Caldas de Reis13, Ordes ou Padrão; e na zona de completo abrasamento das árvores estariam, além de Compostela, vilas como Milhadoiro e Estrada. Só é preciso usar algo a imaginação.

 

Figura 2: “Ampliação da Figura 1.

A linha contínua delimita a zona arrasada em que as árvores foram jogadas ao chão, enquanto a linha descontínua delimita a zona em que as árvores foram completamente abrasadas.”


 

E no futuro…

Nestes últimos anos a consciencialização sobre a possibilidade de um impacto de um meteoroide de tamanho suficiente para destruir uma cidade ou uma pequena região da Terra tem ido em aumento, e são muitos os programas de vigilância que já estão em marcha. Graças a um deles, o Catalina Sky Survey, o passado 6 de outubro foi possível predizer, pela primeira vez em toda a história, o local e instante do impacto de um pequeno asteroide contra a Terra. O asteroide 2008 TC3 foi descoberto umas poucas horas antes de provocar uma explosão de 1 kT de TNT sobre uma deserta zona de Sudão. Eventos como este acontecem várias vezes num ano, mas esta é a primeira vez que se consegue predizer com anterioridade.

Um caso que há pouco tempo despertou grande interesse foi o de Apophis, um asteroide de 350 metros de tamanho que foi descoberto em 2004. Naquela altura determinou-se que na sua aproximação de 13 de abril de 2029 havia uma probabilidade de impacto contra a Terra de 1 entre 37. Atualmente o impacto nessa data está praticamente descartado, mas sim existe uma pequena probabilidade de impacto na passagem de 13 de abril de 2036 (1 entre 45 000). A aproximação de 2029 será tão fechada que dos seus detalhes dependerá a probabilidade de impacto em 2036. A energia libertada nesse caso seria de 500 MT, muito maior que a do evento de Tunguska.

Notas:

1 La Paz publicaria dois artigos no magazine Popular Astronomy em 1941 sobre a existência de meteoritos contraterrenos (contraterreno, uma denominação hoje obsoleta, era o termo utilizado na altura para referir-se à antimatéria).

2 A antimatéria, cuja existência foi predita em 1928 pelo insigne físico inglês Paul Dirac (1902-1984), seria observada por primeira vez em 1932 ao descobrir antieletrões na radiação cósmica. As partículas de antimatéria são similares às de matéria, mas com carga elétrica oposta. A colisão de matéria e antimatéria produz a sua aniquilação e a libertação de quantidades enormes de energia.

3 Os cientistas Willard Libby (1908-1980), criador da técnica de datação por carbono 14, Clyde Cowan (1919-1974), codescobridor do neutrino, e C. R. Atluri publicariam uma detalhada teoria sobre a hipótese da antimatéria no artigo “Possible Anti-Matter Content of the Tunguska Meteor of 1908” publicado na revista Nature em 1965.

4 A sua proposta saiu no artigo “Was the Tungus Event due to a Black Hole?” publicado na revista Nature em 1973.

5 A existência desta classe de objetos tinha sido postulada dois anos antes pelo físico teórico inglês Stephen Hawking (nado em 1942).

6 O angström (Å) é uma unidade de comprimento igual a 10-10 metros.

7 Publicada no artigo “Heliophysical hypothesis of the nature of the Tunguska phenomenon” aparecido na revista local Meteoritic investigations in Siberia em 1984.

8 Um geometeoro foi também a hipótese proposta por Docobo et al. (publicada em Meteoritics and Planetaty Science, 1998) para explicarem o acontecido no conhecido como evento de Cando (Outes, Galiza) em 18 de janeiro de 1994. Um objeto muito luminoso foi observado desde Compostela às 8:15 (hora local) e mais tarde descobriu-se uma cratera em Cando de 29×13 m e 1.5 m de fundo, além de algumas árvores de mais de 20 m de altura arremessadas ao chão. Uma erupção de gás teria criado a cratera para, depois de o gás libertado interatuar com a eletricidade da atmosfera, dar lugar à bola de fogo cuja propagação se observou.

9 Sabe-se que em 1910 o comerciante russo Suzdalev viajou à região e que animou aos seus habitantes a ficarem em silêncio sobre o acontecido. No seu trabalho Kundt pergunta-se: tinha descoberto diamantes?

10 “A explosão” foi publicada em 1946 no magazine russo Vokrug Sveta.

11 Este artigo saiu publicado no magazine Zvezda em 1964.

12 Os irmãos Arcady (1925-1991) e Boris (1933) Strugatsky foram, escrevendo como parceiros a maior parte das suas obras, os escritores de ficção científica de mais sucesso da URSS.

13 Estritamente Silheda e Caldas de Reis não se situariam no interior da zona onde as árvores foram derrubadas, mas no texto citam-se igualmente ao considerar que existe alguma incerteza na determinação exata desta zona. Mesmo há estudos mais recentes que aumentam ligeiramente a sua extensão (ver Figura 5 da parte II).

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