Ser original

Partilhar

300px-sonate_op101intro
Sonata para piano núm. 28 de Beethoven

A engrenagem social em que vivemos não deixa de surpreender. Nestes momentos existem todo tipo de argumentos para analisar a situação atual e curiosamente já não temos as necessidades que tínhamos há um mês. Até há muito pouco tempo a atualidade mandava nos meios de comunicação. Hoje a atualidade segue mandando mas está focalizada num tema monográfico que todo o mundo compreende. Maiormente os doentes e familiares doutros que já finaram. E finaram sós. Porém já não há imigrantes que fogem dos seus países da miséria, não há pateras, nem refugiados da guerra de Síria. Tampouco há contaminação atmosférica na escombreira de Zaldíbar, nem são notícia as mulheres que sofrem a barbárie machista. Agora são heróis os médicos e o pessoal sanitário, os corpos e forças de segurança de estado, e até o exército. Como se antes não fossem heróis. Também os mestres e professores são muito apreciados (não direi a razão), e já não se diz que têm muito tempo livre, como se antes fossem parasitas sociais de todos.

A hipocrisia desta sociedade manifesta-se nos modelos económicos que a sustentam. Quando os bancos quebraram e todos foram para o seu resgate, pois doutro jeito a superestrutura corria um risco imenso, depois nenhum deles devolveu o dinheiro.

A hipocrisia desta sociedade manifesta-se nos modelos económicos que a sustentam. Quando os bancos quebraram e todos foram para o seu resgate, pois doutro jeito a superestrutura corria um risco imenso, depois nenhum deles devolveu o dinheiro. Foi a fundo perdido. A dia de hoje são os próprios bancos os que flexibilizam, polo menos em Espanha, os créditos para que haja liquidez no mercado. Vão perder como perdemos nós?,  pois não. Não tenham pena. Salvar-se-ão de poder ser supostamente intervindos polo governo de esquerdas. E assim estamos condicionados nas circunstâncias que nos assediam. Por isso alguns crêem que para ser originais, só faz falta dizer uma barbaridade, saltar um controlo policial, meter um boato polas redes sociais ou ir caçar “pokémones”. A originalidade de tratar temas importantes que não são noticia, não vende, ou não tem importância para a imensa maioria das pessoas.

E nunca poderemos refletir valores sem conhecer e potenciar em nós as artes, que nos elevam a uma dimensão transcendente e a um entorno tão desconhecido como insólito.

Quando um amigo me pedia que escrevesse um artigo, escutava ao mesmo tempo uma voz solapada polo telefone, que suplicava que não fosse sobre o bicho que nos traz a cabeça tola. Por isso busquei na rede dous intérpretes duma sonata de piano de Beethoven titulada “Patética”. Um deles é mais conhecido que o outro, e mentres escutava os dous, pensava quanto perdemos ao seguir os famosos e desprezarmos os humildes. Segui na procura dos melhores pianistas do mundo e mesmo dos violinistas, e resultou que faltavam os que tinham que estar. E quase sempre acontece o mesmo com tudo. Lemos ou valoramos o que está na moda e esquecemos o que enriquece. Penso, que saber encher a mente é doado porém o mais difícil é reconhecer que é o que nos pode fazer medrar como seres humanos. E nunca poderemos refletir valores sem conhecer e potenciar em nós as artes, que nos elevam a uma dimensão transcendente e a um entorno tão desconhecido como insólito. Mas também existem outras vias. Podemos ser originais sempre que ponhamos em valor as gerações que nos precederam, escrevendo a sua história e aprendendo do seu esforço por levantar o nosso país. A isso chamamos-lhe património imaterial e com tudo, quantas histórias vivem no deserto do esquecimento! Descobrir a tantos e tantos jovens que têm ilusão por seguir construindo, apesar de que o futuro que nos espera não seja o melhor, é um potencial que não podemos esquecer. E deste modo, cada um no seu posto, deixando o supérfluo e atendendo o original, seguir adiante para ser esse grande país que nos dizem que somos, e no que ainda não acreditamos.

 

Máis de José Luís Fernández Carnicero