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Rebeca Bande: “Estou orgulhosa de ser neofalante porque hoje as minhas crianças falam galego”

A ourensá Rebeca Bande (39 anos) prendeu no galego – ou o galego prendeu nela – há quase 15 anos, quando se propus colher o caminho do neofalantismo junto com Núria, a sua colega de casa. Dentro dela sempre aninhara uma sensibilidade especial para a língua e a cultura galegas, mas durante toda a sua infância, adolescência e etapa universitária, socializou quase integramente em castelhano. Quando decidiu dar o salto ao galego, Rebeca descobriu a grande capacidade magnética desta língua: ao falá-lo ela, muita outra gente do seu entorno mudava também para o galego nas conversas que mantinham. Conta que o processo foi longo, mas satisfatório. A sua história evidencia de que forma o neofalantismo pode mudar a tendência da língua na Galiza: a sua avó e a sua mãe sempre lhe falaram em espanhol, mas agora as suas crianças voltam a ter o galego como língua materna. Assim é que ela o conta.

Qual era a tua relação com o galego antes de te decidires a falá-lo?

Eu sou da geração de crianças educadas no espanhol mais absolutista, de mães e pais que sofreram a repressão do galego no franquismo e de avós que falavam galego entre si, mas que se dirigiam a nós em espanhol. Havia um ambiente galego na minha família e na minha contorna, mas eu socializei sempre em castelhano. Na escola o único contacto que tinha com ele era a matéria de língua galega, e na universidade nem isso, não recebi nem uma só aula em galego. Contudo, ainda dentro desta casuística, sempre fui uma pessoa bastante sensível para a cultura.

Em que momento começas a dar os teus primeiros passos em galego? Que te levou a mudar de língua?

Em Vigo partilhava casa com uma rapariga do Ferrol, Núria, que era educadora numa escola infantil e falava castelhano. Um dia surgiu-lhe a oportunidade de voltar ao Ferrol porque iam abrir uma das escolas Galinha Azul, mas claro, tinha que falar galego, e isso preocupava-a. A mim isto levou-me a fazer uma reflexão sobre a língua, sobre o futuro dela… E disse: “Núria, este é o momento. Não te preocupes, que tu vais conseguir essa vaga. A partir de hoje vamos falar em galego”. E foi assim que começámos. Praticávamos juntas até as entrevistas de trabalho! Começámos entre nós e depois fizemo-lo extensível aos nossos parceiros. Assim, em minigrupo. Era um pouco estranho porque como em qualquer transformação passas por diferentes fases.

Claro, entendo que não é algo que aconteça da noite para a manhã, certo?

Não sei se haverá alguém que se deite um dia sendo falante de castelhano e acorde sendo galegofalante, mas creio que não é o habitual. Sempre há um processo de transformação, e é duro. Após 25 anos relacionando-nos em todos os âmbitos em espanhol, de repente mudar de língua é difícil. Mas eu estarei eternamente grata a Núria. Hoje as nossas crianças são também galegofalantes e por isso estou bem orgulhosa desse momento.

Suponho que há espaços mais simples e outros mais complicados. Tu por onde começaste a mudar o castelhano pelo galego?

O mais fácil é começar com as pessoas desconhecidas, que não sabem da tua língua anterior. Eu entrava numa loja e falava galego sem problema, mas nos eidos tradicionalmente castelhanos – amigas, família, trabalho… – não me saia no começo. Fazia-se-me muito estranho estar a falar em galego com a minha mãe, por exemplo; então nestes âmbitos fui devagarzinho. Comecei com a família. Um dia disse: “venha, em galego”. Foi uma questão de fluir, e não houve ninguém a questionar-me, ainda que de certeza que entre elas pensaram se estava louca [risos]. Onde tive conflito foi com as minhas amizades do liceu, de toda a vida. Numa chamada, assim na brincadeira, uma delas disse-me que não lhe falasse em galego. E senti-me muito mal. Desde aí já avisei: “comunico-te que a partir de hoje me vais ouvir a falar galego todos os dias da minha vida” [risos]. Naquele dia reparei em que já o falava de forma natural, até sem pensá-lo.

E no eido laboral como o viviste?

O posto de trabalho – eu sou empregada de banco – foi o último sítio em que introduzi o galego. Tardei um pouco mais: aqui dei o passo há três anos. É um setor complicado… Mas também de repente disse: “até aqui”. E reparei em que cada vez que desligo o telefone e digo “bom dia”, muita gente do outro lado responde-me em galego, cousa que antes não acontecia. E quando a gente se senta no meu escritório, algumas pessoas também se animam a falá-lo. Mas também tenho alguma experiência desagradável. De facto, levo acumuladas mais rejeições neste último ano do que nos dois ou três anos anteriores, desde que falo galego no trabalho, cousa que me mete algo de medo e que me leva a pensar… entenderia que fosse ao contrário, significaria que estamos a avançar.

Que tipo de rejeições sofreste?

Eu entendo-os como ataques à língua. Tais como “mira, perdona, háblame castellano”. Outra pessoa por correio eletrónico disse-me “mira, perdona, por curiosidad, ¿y tú por qué me escribes en gallego si yo en ningún momento te escribí en gallego ni he solicitado que me atiendas en ese idioma?”. Isto foi no verão passado! Eu respondi-lhe que era galegofalante e que salvo que a pessoa que me está a ler ou ouvir não me entenda, eu não vou mudar de língua. Estando em Vigo é complicado. Para mim, é território comanche com a língua!

Dizias antes que no trabalho desde que falas galego, ouves mais galego. No teu entorno mais achegado também acontece?

No grupo de amigas de toda a vida, casualmente, quando estou eu presente falam galego! Eu sempre valorizo este agente galeguizador que temos e de que não somos conscientes. Mas temo-lo. E alegra-me porque muitas vezes somos nós as primeiras que nos pomos barreiras.

As tuas crianças já foram educadas em galego desde o começo. É difícil que se mantenham na língua?

Sim, vão para o castelhano. A escola está a agir como agente castelhanizador e temos que fazer muito, muito reforço da língua em casa. Dizer-lhes: “não mudeis, todas as crianças vos entendem”. Mas às vezes é certo que têm que repetir as cousas até três vezes e, claro, acabam por mudar ao castelhano para evitarem estes momentos de desconforto. Eu, como adulta, aprendo muito destas cousas, e se tiver que repetir noventa vezes, repito, sou radical nisto porque vejo que nos querem vender o conto da imposição do galego e que existe é uma grande imposição do castelhano que come o galego.

Que é o mais gratificante para ti de teres mudado de língua e que te deu a nível pessoal?

É uma pergunta bonita. O que mais me gratifica é poder falar, visibilizar e transmitir a minha língua às minhas crianças, que, tal como eu lhes digo, são heróis do galego. O galego precisa das crianças muito, de crianças a o falarem e a o sentirem.

Como crês que se pode impulsar o neofalantismo entre as crianças?

É uma pergunta que fazemos em muitos círculos. A situação é complexa. Creio que a administração pública tem que o fazer tudo, quando não está a fazer nada. Da Junta, Deputações e governos locais a língua não tem o apoio que devia ter. Um apoio de verdade, não quatro subvenções de que ninguém sabe nada. Há um problema de conscientização e há que saber chegar às famílias, porque muitas acreditam na imposição do galego. Ser galegofalante, nos dias de hoje, é nadar contracorrente. Como consciencializar? Tem que lhes chegar a língua por todo o lado. Não basta com lerem quatro livros em galego nas escolas.

Um grupo de famílias que temos crianças 100% galegofalantas acabámos de fazer grupos de voluntariado. A ideia é combinarmos um dia ao mês para as crianças de diferentes idades brincarem e socializarem em galego, e assim se calhar outras começam a se animar. São micro-ações, como os faladoiros de Vigo onde nos reunimos pessoas interessadas pela língua, ou como no movimento “Porque me peta”. Ainda que ao final somos as de sempre! É difícil chegarmos às pessoas castelhanofalantes. Também creio que há fenómenos em redes sociais em galego muito importantes.

Xa para rematar, Rebeca, que consello darías ás persoas que igual non se acaban de atrever a falar galego?

E para terminar, Rebeca, que conselho darias às pessoas que talvez não se atrevem a falar em galego?

Eu dir-lhes-ia que o único galego mal falado é o que não se fala. E que o único jeito de perderem medo é trabucando-se muito. Temos que estar orgulhosas de termos uma língua própria! A minha experiência é bem positiva.

[Esta entrevista foi publicada originariamente em neofalantes.gal]

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