Português, galego, galego-português? Reintegracionismo? Lusofonia? Galeguia? O que é o Acordo Ortográfico? Que portas se nos abrem? É uma postura de valentia posicionar-se abertamente como reintegracionista? De todos estes temas falou a rádio comunitária Cuac num debate(*) organizado por Maria Castelo em que participárom António Gil Hernández, Celso Álvarez Cáccamo, Arturo de Nieves e Pedro Casteleiro. A seguir, a organizadora explica para o público do PGL os porquês deste programa.
Comecei a minha colaboração com o programa da Cuac Está a Passar falando em chave de língua, e era de justiça rematar a temporada falando também em chave de língua. O caso é que não sobram os meios, nem os altifalantes, para abrir certos debates.
Desenhei um programa cujo titulo já era determinante. De um rascunho inicial de Galego, todas as portas por abrir, ficou o definitivo Português, o galego mais heavy. O sentido que se podia extrair do segundo era justo o que pretendia dar. Não era uma questão filológica, mas apenas fazer ver que quando no reintegracionismo falamos em português, sempre estamos a falar de galego.
Confesso que no meu natural otimismo pretendi que se fizesse a luz em apenas 50 minutos, pretendi dilatar o tempo à minha vontade e condensar dois centos anos de história numa hora mal contada. E pretendi, por último, pôr este imenso despropósito, que é a questão da língua na Galiza, contra as cordas. Desconheço de qual dos objetivos é que fiquei mais longe.
Mas fica um inconfesso que cobri sobejamente: o de levar as palavras reintegracionismo, Galeguia, Lusofonia, Acordo, questão ortográfica, aonde habitualmente não chegam.
Numa rádio tão plural como é a rádio comunitária da Cuac, este é um assunto pouco (sendo elegantes) debatido, imaginemos daquela quantas vezes é que podemos assistir a um debate tal em qualquer outro meio de comunicação.
Não há melhor explicação para qualquer interrogante, nem melhor testemunho, do que as vozes vivas daqueles que estavam já na briga quando a Galiza participara nas reuniões do Rio de 1986 e nas posteriores de Lisboa, que teriam como resultado o Acordo Ortográfico de 1990. Nada melhor do que as experiências daqueles que, com tudo na contra, começaram a publicar no português da Galiza, abrindo-nos os caminhos que agora outras transitamos. Nada melhor do que falar abertamente, perdermos nós o medo para normalizarmos o que sempre teve de ser normal. Nada melhor do que usar todos os espaços disponíveis para dizer com clareza que o reintegracionismo, ou seja, o uso da grafia do português padrão para escrever a nossa língua, é uma opção tão legítima e legal como qualquer outra, para além de ser, em não poucos casos, uma questão ou posição pessoal que algumas assumimos como assumimos qualquer outro compromisso ético e político. Como escreve Teresa Moure no seu livro de ensaios Politicamente Incorreta, na parte correspondente ao reintegracionismo:
Talvez muitas pessoas que escrevem na Galiza só veem já possível para a normalização e a revitalização do galego um compromisso efetivo com a tradição ortográfica portuguesa, enquanto decidem prosseguir o caminho cuidando do que nos faz fortes. Essa é uma valentia. O compromisso adota-se a um nível ético e político e produz —naõ esqueçamos— uma exclusão voluntária.
Exclusão, pode ser que sim, de cara adentro, de cara a uma sociedade ainda imatura neste sentido, mas também é certo que abre mil portas, portas que com qualquer outra opção teríamos permanentemente fechadas.
Explicava no debate Celso A. Cáccamo que temos de estar por riba do confronto, da imposição. Nunca foi esse o objetivo, mas fazer ver ao resto que há uma parte dos utentes do galego que não se conformam apenas com uma língua menorizada pela força, uma língua normativizada por e para um fim que nada tem a ver nem o benefício dela própria, nem dos seus falantes; um fim, que, em definitiva, ultrapassa todas as fronteiras da lógica e da linguística para se situar em questão de política, de Poder, e, em definitiva, em questão de Estado, porque, como dizia Bordieu, a ortografia sempre é questão de Estado.
Parece-me justo finalizar esta recompilação de impressões com uma frase roubada, justo porque a quem a roubei é um dos artífices de que um meio de comunicação como a rádio Cuac esteja nas ondas e leve por lá a voz de quem menos poder ter para se fazer ouvir. Quando defendia a existência da Rádio Cuac —nos mundos esquisitos, o bom sempre tem de ser defendido; o mau, sustenta-se por si próprio— Tomás Legido, Tommy, disse: «não queremos o espaço todo, queremos apenas caber. Com respeito para nós, e, jaora, respeitando o resto».
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