Portugal e a Galiza são constituídos por um mesmo povo, são eles um só povo?(I)

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  1. mapa-gallaeciaA primeira questão que devemos colocar, é se é possível, ou se algum dia teria sido possível, a existência de Portugal sem a existência da Galiza1. Corria o século XIX, que entrava no seu último quartel, e num jornal do Porto, “O Primeiro de Janeiro”, era entrevistado o grande historiador Alexandre Herculano. O jornalista demorava-se em pormenores do que estava nas origens de Portugal, e o historiador respondeu-lhe: “Portugal é a criação do génio galego”.
  1. Portugal não nasceu no ano 868 em que o nobre crunhês Vímara Peres, constituiu no lugar de Portuscale/Portugale o condado de Portugale, nem no ano 1143.

Nasceu quando da queda do império romano no ventre do reino dos suevos, que criaram as condições para que a província da Gallaecia (com forte personalidade diferencial) evoluísse, juntamente com parte da Lusitânia, de modo claramente separado do resto peninsular. É neste reino que se produzem e funcionam os mecanismos que farão que a nossa língua portuguesa nasça do latim e seja estabelecida no noroeste peninsular no velho solar da Gallaecia, no seu esqueleto fundamental no período que vai dos séculos VI ao IX.

  1. Aí já temos os primórdios da nossa atual língua e o nosso funcionamento como povo2 diferenciado na península e no mundo europeu. É suficiente olharmos todas as crónicas muçulmanas peninsulares ou documentos referentes à península, das longínquas terras europeias do Mar do Norte, e lá estão os portugueses, trajados de galegos.
  1. Que Portugal reino ainda não existia e portanto não se chamava assim, senão que se chamava Galiza, tanto tem, pois chamando-se Galiza era já verdadeiro Portugal. Porventura quando, portugueses, ou galegos, ou galego-portugueses (como se gostar), estendiam o reino para o sul, não estavam a fazer Portugal? O portuguesíssimo mosteiro de Lorvão fundou-se no ano 914, e assim figura nas atas fundacionais “in finibus Galleciae”.
  1. Que é Portugal, o nome da cidade mais galeguíssima da Galiza. Porto, é a velha Portuscale romana, e mais tarde Portucale (Portugale), a qual foi reduzido o nome para que pudesse usufruir dele o reino, o estado inteiro.
  1. E quem eram os galegos6, a tribo celta achada por Decimo Junio Bruto morando ali onde o Douro se mistura com o oceano, “em Portus Cale”. Esses calecos de Cale no Douro deram o nome a todo o noroeste peninsular.. CALECIA- GALAECIA- GALIZA.
  1. O mundo deu tantas voltas, que há quem pense que a Galiza é uma região espanhola que vem caindo por cima de Portugal e na qual as pessoas falam um linguajar deturpado e feio como um castelhano com muitas palavras portuguesas.
  1. A Galiza é na realidade grande parte de Portugal, de Santarém para cima, é aí que chegava o velho reino da Galiza como bem sabia Rodrigues Lapa. Haverá por acaso algo mais galego do que Braga, capital da Galiza romana, do reino suevo, da Igreja da Galiza até 1492.

 

A Galiza é na realidade grande parte de Portugal, de Santarém para cima, é aí que chegava o velho reino da Galiza como bem sabia Rodrigues Lapa. Haverá por acaso algo mais galego do que Braga, capital da Galiza romana, do reino suevo, da Igreja da Galiza até 1492.

Após a batalha do Pedroso (1071), o rei Garcia,  elimina o condado portucalense, e restaura em Braga todos os direitois dos que dispunha Lugo, por delegação da “verum caput” Braga. Braga foi durante 15 séculos a cabeça, como capital da Galiza romana; do galiciense regnum, conhecido popularmente como reino suevo; da Igreja da Galiza, que nascido o reino de Portugal, Braga soube conservar essa condição até que em 1492, quando após a longa guerra terrorista de submetimento da Galiza por Castela (guerra de Doma e Castração7)  a monarquia castelhana corta todos os vínculos religiosos com  Braga e submete a igreja da Galiza, a norte do Minho, ao mandato de Valhadolide.

Por ter sido Braga  cabeça da Galiza, é por isso mesmo que é ainda a cidade primaz de Portugal.

  1. Portugal é a criação dos homens do Norte, eles deram a língua (a sua alma colectiva essencial, a pátria verdadeira que dizia Pessoa), eles puseram os topónimos e designaram a(s) terra(s), por isso temos os mesmos nomes do Cantábrico ao Tejo. Por isso depois da Galiza, vem a Beira (a velha Beira da Galiza), depois a Estremadura (a extrema do reino da Galiza), e ao sul do Tejo estava o Além-Tejo. Com certeza que, se os alentejanos tivessem posto os nomes, para eles os ‘alentejanos’ seriam os da Beira.
  1. Rompeu-se a Galiza no século XII e continuaram em Portugal reino a serem galegos embora o reino se chame Portugal. (Ao norte do Minho, acabaram caindo na órbita de Castela, ao sul levou-se os estandartes e a língua pelo caminho de todos os mares). Continuou-se a chamar a língua do reino, de galego, e não vai ser até fins do século XIV, que começa a ser chamada polo nome do reino, como aliás era o costume por todo lado.
  1. Quando os linguistas alemães e Carolina de Michäelis difundem a nossa literatura medieval, chamam à língua ‘galego-português’, isso não o faziam porque a língua não fosse português cem per cento, que o era; mas perante o facto de todos além e aquém Minho chamarem a sua língua ‘galego’. Na corte portuguesa de Lisboa à língua que se falava ainda não se dera o nome do reino, simplesmente chamava-se-lhe galego. E os doutos criaram o ‘galego-português’ como expressão, ao parecer-lhes mais simples que explicarem à população que a língua portuguesa antes se chamava galega.
  2. É isso da unidade é tão firme, que Portugal é o único estado da Europa, que tem uma região que não tem nome, chama-se simplesmente pola definição geográfica, Norte, mas esse não ter nome é pela questão esquisita de esse norte ser o cerne histórico da Galiza, e para a ideologia do poder de Lisboa o assunto é problemático.

 

1-Com o termo Galiza, estou-me a referir, -não a Galiza histórica, que ocupava a faixa ocidental peninsular e ia desde a Mar Catábrica ao Tejo, da qual o cerne era Braga e que foi quem constituiu Portugal-; senão à parte da Galiza a Norte do Minho, que acabou sob o domínio castelhano, porém foi quem acabou por usufruir o nome.
O Norte de Portugal não tem nome, chama-se mesmo com uma simples definição geográfica, será por ser ele o cerne da Galiza, a Galiza mesmo, tal como é Portugal todo do Tejo para cima? 

2-Na Galia há até organizações que acreditam e agem sob essa palavra de ordem como a  COMISSÃO PARA A REUNIFICAÇÃO NACIONAL DA GALIZA E PORTUGAL: 2006 (galizaunidaportugal.blogspot.com) 

3-A primeira parte aproveita um trabalho dum heterónimo meu, José Chão de Lamas

4-In António Sérgio, Breve Interpretação da História de Portugal, Clássicos Sá da Costa

5-Domingos Marques et allii: Em Braga foi Portugal gerado, Edição patrocinada pela Câmara de Braga 2010.

6-Segundo o celtista Higino Martins, autor enttre outras da Gramática comparada do céltico antigo da Galiza, galego é uma palavra celta que pode ser traduzida por -da terra-. Expresáo bem nossa, de onde é o tal, ou o qual: Da Terra.

7-É o nome dado pelo cronista aragonês Zurita, à guerra de razias que se desenvolve contra a Galiza entre 1476 e 1490.  No primeiro de março de 1476, tem lugar em Toro, a batalha mais decisiva para o futuro da Península Ibérica e para a nossa história. Para o reino do norte quase mortal (ou mortal de todo se não despertamos e descobrimos com quem nos jogamos tudo), para o reino do sul, lá esteve a semente da sua ocupação por quem levava a coroa de Castela em 1580. Nessa batalha se desfez muita cousa, Ernesto Vasquez Souza diria: A desfeita do projeto ocidental, e virada da coroa de Castela para Aragão. (Os catalano-aragoneses pensavam que fizeram bom negócio… )

E após essa batalha a Galiza sofre dura guerra de castigo que se prolonga por bem anos. O país é destruído bem a fundo. Sabiades que Ourense, repetidamente atacada, só foi submetida após um cerco de 11 meses, e que Ponferrada custou  também muitos meses para os castelhanos vencerem?. Na Galiza reino ocupado, os cargos são reservados aos estrangeiros do reino dominador. Ao Reino da Galiza é  retirado o voto e participação nas cortes da monarquia de Castela, e num processo de humilhação ao nosso povo, verdadeiramente inacreditável, os seus votos e representação nas Cortes são entregues à cidade de Samora. 

O submetimento terrorista da Galiza a norte de Minho, não foi por eles se manifestarem a prol da rainha legítima Joana, alcunhada de Beltraneja (está enterrrada em Lisboa e recentes análises de ADN demonstraram que era filha legítima do rei, e como tal herdeira). Isso fizeram também não poucos castelhanos, mas por outro fator, em 1475 dom Afonso V de Portugal é proclamado, com grande contento rei da Galiza, e unifica na sua coroa todo o povo.  Isso de defender o rei de Portugal foi o que Castela não perdoava. E agiu com o divide e impera, porém destruindo tudo e todos.

A documentação toda no reino da Galiza era em galego, e se alguém fazia um testamento ou uma venda, era em galego, e os tabeliões tudo faziam em galego. Mas agora declaram que só vão valer as escrituras dos escrivãos da escola de Toledo.

Dizem alguns néscios ao serviço do “amo”, que a nossa língua não se proibiu. Mas quem sabia ler e escrever?. Os religiosos, os aristocratas, os burgueses. E onde iam aprender agora e com quem, e onde andavam etc.? Não sumiu a nossa língua por vontade dos galegos e galegas se não por imposição. A Galiza tornou-se ágrafa, e as novas realidades lhe chegam na língua do poder, o castelhano. E a pouco e pouco vão apagando a nossa história dos carros e carros de documentos que existiam na nossa língua na Galiza, de que falava o padre Sarmento no séc. XVIII, e como se fossem um sonho; ainda que a nossa língua, é a língua falada e vivida polo cento por cento dos galegos e galegas.

Em meados do século XIX renasce para a literatura uma língua socialmente estigmatizada, funcionalmente minorizada, banida das instituições oficiais e hostilizada pelo Estado. Popular e realmente falada, a língua galega começará a ser posta ao serviço dum movimento cultural e político que irá perfilando uma vocação que (com cautela, porém) poderíamos chamar nacional.