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Pilar Ponte: “Para ganhar falantes cumpre atuar com um discurso alegre e libertador”

Pilar Ponte é professora de Língua e Literatura no IES Félix Muriel de Rianjo e impulsionadora do projeto de dinamização linguística ’21 dias com o galego, e mais’, que já soma mais de 3.500 participantes de diferentes liceus. Através dele, Ponte procura expandir o galego fora das salas de aula e promover a reflexão pessoal sobre os usos e realidades linguísticas; a mesma reflexão que nasceu dentro dela quando estava no lugar que agora ocupa o seu alunado. Educada em castelhano durante toda a sua infância, Pilar Ponte, face a todas as pressões, empreendeu o caminho do neofalantismo na adolescência. “Foi uma reivindicação da casa própria”, explica. Conversamos com ela sobre a sua experiência, projetos e conselhos para quem andar a pensar em dar o passo para o galego.

Comecemos pola tua experiência pessoal como neofalante. Em que momento mudaste de língua para o galego e por que razões?

Nasci numa família do meio rural que se mudou para a Corunha nos anos 60. Meus pais e meus avós falavam galego, mas para se dirigirem aos nenos trocavam para o castelhano. O galego estava sequestrado polos adultos! Vivia numa casa em que o auto-ódio estava bem instalado, era uma mais-valia falar castelhano. Aos 17 anos fige a primeira tentativa de mudar, mas a pressão do grupo no liceu e na casa era tal que não houvo maneira. Há uma muito longa distância entre o que aconteceu comigo e a situação de qualquer pessoa neofalante de hoje. A sociedade atual é mais empática e aberta à liberdade linguística, ainda que a facilidade ou dificuldade para fazer a mudança linguística depende do ambiente em que as pessoas se movem. No meu caso, quando mudei de liceu para fazer COU dixe: ‘esta é a minha oportunidade!’. Eu nessa altura já estava muito determinada. Era a única que falava galego, mas sentia orgulho disso, e desde aquela até hoje!

A sociedade atual é mais empática e aberta à liberdade linguística, ainda que a facilidade ou dificuldade para fazer a mudança linguística depende do ambiente em que as pessoas se movem.

E onde nascia essa motivação tão forte?

Eu acho que a escola me galeguizou. Descobri que havia uma cultura e uma língua que não conhecia, que era parte da minha herança e da que fora privada sem consentimento. Comecei a perguntar-me por que não me tinha sido transmitida. Para mim foi uma reivindicação da casa própria. Agora eu tenho que dar as ferramentas ao meu alunado para que também o possam fazer, para que sejam livres, porque a liberdade linguística não consiste em escolher a língua em que alguém aprende, consiste em ter iguais competências nas duas línguas. Caso contrário, a escolha será sempre condicionada.

Como se desenvolveu esse processo pessoal de transformação? Foi algo que aconteceu da noite para o dia ou levou-te algum tempo a introduzir o galego nos diferentes espaços?

Eu dixe: ‘a partir de hoje sou galego-falante’. De um dia para o outro. Não recomendo a ninguém! É horrível! [risadas] Isso provocou que eu me enfrentasse de súpeto a todos os contextos, a todas as pessoas, falando em galego. Eu penso que o ideal é ir introduzindo o galego em âmbitos de uso de menor a maior dificuldade. E nunca começar no próprio lar, porque quanto mais estreita e consolidada for a relação entre as pessoas, mais assentada será também a língua na que se desenvolve essa relação e mais difícil então será a mudança. Para mim o mais complicado foi falar galego com minha mãe e minha avó. Aconteceu por um longo tempo que, na mesma conversa, entre elas falavam galego e eu a elas galego, mas elas a mim castelhano. Demorou algum tempo para isso mudar. Melhor, acho, é começar polas pessoas que não conhecemos, nas lojas, com novas amigas e amigos, porque essas pessoas não têm nada a desaprender connosco. Por isso é tão importante a criação de contextos de fala. Quando alguém começa a falar necessita ambientes amigos, lugares onde poder iniciar-se sem se sentir julgado, onde afazer-se simplesmente a interatuar em galego de forma tranquila, sem se preocupar com a reação dos outros. Assim, aos poucos, deixam de ver-se a si próprios como estranhos e podem dar outros passos.

Eu penso que o ideal é ir introduzindo o galego em âmbitos de uso de menor a maior dificuldade. E nunca começar no próprio lar, porque quanto mais estreita e consolidada for a relação entre as pessoas, mais assentada será também a língua na que se desenvolve essa relação e mais difícil então será a mudança.

O projeto que coordenas, ’21 Dias com o Galego e +’, procura justamente criar esses ambientes amigos, nomeadamente na escola.

Efetivamente. A legislação diz que qualquer cidadão, quando acabar os estudos, tem que ser proficiente nas duas línguas, mas a realidade colide com isto. Há alunado que nunca fala em galego e eu tinha a certeza de que o fundamental era criar um contexto confortável de uso. No ’21 dias’ não é mensurável quão consciente se torna o alunado, mas serve para que muitos exibam o galego fora da casa, saiam do armário linguístico. Não se trata apenas de o alunado castelhano-falante falar galego, mas também de dar valor ao alunado galego-falante. Temos um problema de criação de neofalantes e, neste sentido, é igualmente importante o empoderamento do alunado galego-falante, aquele que fala galego na casa e troca para o castelhano quando se junta com as amigas no liceu. Porque a língua não é apenas conhecimento linguístico, é também uma questão emocional, de sentimento, de pele, e de provar a si mesmo que é possível. É importante as pessoas perguntarem-se que línguas conhecem, que línguas os rodeiam, se podem falar na língua que querem… Quando reflito com o alunado sobre isto bato de frente com os preconceitos.

Temos um problema de criação de neofalantes e, neste sentido, é igualmente importante o empoderamento do alunado galego-falante, aquele que fala galego na casa e troca para o castelhano quando se junta com as amigas no liceu.

Lembro-me duma rapaza que após um tempo confessou que quando a telefonava sua mãe e estava com as amigas afastava-se para não a escuitarem falar galego. E isto aconteceu haverá seis anos!

São os preconceitos de sempre? Há algum que coalhe mais no alunado de hoje?

Os de sempre. O que mais se salienta é a questão da utilidade. Devemos ter presente que estamos a falar duma sociedade que vive de costas voltadas para o mundo da lusofonia. Há muito desconhecimento e infelizmente continua a haver bastante relutância à abertura para as conexões com o português.

Devemos ter presente que estamos a falar duma sociedade que vive de costas voltadas para o mundo da lusofonia. Há muito desconhecimento e infelizmente continua a haver bastante relutância à abertura para as conexões com o português.

Referes que a língua é uma questão emocional. Imagino que ocorrem experiências muito emotivas no ’21 dias’, não é?

Todos os anos há situações muito emotivas, e as famílias sempre dão muitíssimo apoio. Decidem cear em galego, falar um fim de semana em galego… O ano passado um rapaz do bacharelato ficou profundamente emocionado quando contava como a sua avó lhe dissera quão orgulhosa estava por vê-lo falando em galego por primeira vez. Cousas lindas como esta, nos ’21 dias’, a moreias! É um programa que dá muitas alegrias. Lembro-me duma rapaza que após um tempo confessou que quando a telefonava sua mãe e estava com as amigas afastava-se para não a escuitarem falar galego. E isto aconteceu haverá seis anos! Não é um problema sociolinguístico, mas de falta de prática.

Parece que a importância de criar contextos confortáveis para falar galego foi algo que aprendeste ao longo do teu próprio processo de mudança linguística. Tiraste alguma outra aprendizagem?

Que é mui difícil viver a cultura galega sem viver em galego. A minha experiência demonstrou que falando galego não se vivenciam as mesmas cousas que falando castelhano. É como quando configuras um motor de pesquisa em galego e em castelhano: fazes a mesma consulta e fornecem resultados diferentes. Falar galego leva a conhecer mais da cultura galega, a ler mais literatura, escuitar mais música, ver mais filmes… Falar galego abre as portas para conhecer a cultura inteira. Umas portas que, doutra maneira, não abrem sozinhas, mas requerem muita vontade. Viver à margem da língua obriga a mostrar um interesse maior, esforçar-se mais.

Dizias também que tínhamos um problema de criação de neofalantes. Muitas vezes, quando nos referimos ao galego, falamos em termos de luita para que não morra. Achas que são mais efetivos estes discursos que apelam à responsabilidade polo futuro da língua ou aqueles mais leves que promovem a língua a partir duma posição mais lúdica?

Muitos discursos podem ser utilizados, e quero dizer desde já que respeito todas as opções. A minha opinião é que temos de atuar com um discurso positivo, alegre e libertador. Ninguém quer aderir a uma causa perdida, a uma equipa perdedora. Eu acho que uma focagem em clave perdedora não ganha falantes. Devemos olhar para o futuro, apontar cara um empoderamento dos galego-falantes e também iniciar um caminho de recuperação de falantes através do neofalantismo, como a saída natural a ter uma cultura própria e continuar a gozar dela.

Comentas muitas vezes a importância da amabilidade linguística com as pessoas neofalantes. Há conflito com as paleofalantes? Como podemos ajudar alguém que está a iniciar esta mudança do castelhano para o galego?

Eu penso que não há conflito. Às vezes tendemos a pensar que o que acontece nas redes reflete o que acontece na sociedade, mas as redes sociais são uma representação minúscula da vida real. É certo que existem pessoas que se julgam revisores ou tradutores simultâneos. São poucos, mas há quem veja exércitos: em redes fazem muito barulho. Eu creio que por muito que alguém saiba de língua, na vida não deve atuar como um corretor. A amabilidade linguística pressupõe que se alguém não che pede que o corrijas tu não tens direito a fazê-lo; uma correção não solicitada pode fazer com que a pessoa corrigida interrompa a comunicação nessa língua. Para aprender uma língua é preciso errar.

Que conselhos práticos darias a uma pessoa que não se atreve a dar o primeiro passo para o galego? Como fazê-lo mais exequível?

Antes de dar o primeiro passo aconselharia a máxima exposição possível ao galego. Se tiver galego ao seu redor, ótimo, e se não o tiver, que veja a televisão, ouça a rádio, música… que ouça gente a falar. Depois, aconselharia-o a procurar ambientes amáveis. Nunca, nunca, nunca começar com a namorada ou namorado, ou polas pessoas mais íntimas. Em resumo: exposição máxima, contextos amáveis e começar com os menos conhecidos.

[ Esta entrevista foi feita por Uxía Iglesias para neofalantes.gal ]

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