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Paulo Mancebo: “O ensino de português nas escolas no marco da Lei Paz Andrade é o nosso melhor aliado”

Paulo Mancebo é um paleofalante de Malpica de Bergantinhos. A sua avó não fiava discursos em castelhano. Morou na Alemanha onde chegou a ouvir 10 línguas num dia. Foi professor de português em Verim onde apenas um centro oferece essa formação apesar de ser uma eurocidade com Chaves. O seu primeiro contacto com o português foi um grafíti. Julga que as regras ortográficas utilizadas pelo nosso governo não são as mais honestas com a nossa história.

Paulo é um risonho paleofalante. Fala-nos da tua biografia linguística na infância e na adolescência.
Nasci em Malpica de Bergantinhos, uma pequena vila onde a única língua veicular de toda a população continua a ser o galego. Tenho um bom amigo que veio da Corunha. Na vila ele é conhecido como “O castelhano”. Não é preciso dizer o porquê!

A minha família sempre falou galego na sua vida quotidiana, exceto a minha avó paterna que era das montanhas de Leão e o meu trisavô, que, segundo a lenda, era de Marrocos. Estudei em Malpica, Carvalho e Ponte-cesso, e o galego sempre foi a língua veicular. Em Santiago, e ainda mais na faculdade de Filologia, mais do mesmo. Portanto, a minha infância e adolescência foram ambas exclusivamente em galego.

O galego que falam meus pais e falavam meus avós não estava ainda muito contaminado, eles nem tinham muitas habilidades com o castelhano. A minha avó de Malpica tentava falar castelhano e apenas conseguia acertar em quatro ou cinco palavras, o resto era tudo galego. Outro caso semelhante é o da minha sogra, nativa de Cabana de Bergantinhos, ela ainda usa o infinitivo pessoal e não sabe o que é. Como é óbvio ela nunca refletiu sobre a sua existência.

Paulo morou em vários lugares e tivo contacto com diferentes línguas. Como lembras essa polifonia?
Foi fascinante. Na Alemanha jogava a contar quantas línguas diferentes ouvia por dia. Algum dia, consegui ouvir mais de dez. Só nas minhas aulas de alemão havia 14 nacionalidades numa turma de 20 alunos/as.

Aqui também temos coisas muito interessantes. Por motivos de trabalho morei em Verim. Não havia tanta variedade linguística como na Alemanha, mas nas praças da vila é muito fácil ouvir falar português à galega, à portuguesa ou até à brasileira, além de espanhol e árabe magrebino. Três línguas em poucos metros quadrados não é assim tão mau!

Começaste este ano a trabalhar como professor de galego e de português no ensino secundário. Está a ser como pensavas?
A minha anterior experiência foi na Alemanha como leitor de galego na universidade. Ao começar no ensino secundário na Galiza passei de adultos alemães a adolescentes galegos. Diferentes pensamentos, diferentes idades… Para mim é bem mais complexo com os adolescentes. As necessidades de cada aluno são como a noite e o dia. O grau de proximidade com as realidades das famílias é máximo e é impossível não fazer o melhor de cada um para que tudo corra bem.
Só posso ter boas palavras para o meu trabalho. Aprendo todos os dias coisas novas. No entanto, aproveito para exprimir a minha opinião num caso específico, respeito ao ensino do português como língua estrangeira.

Fiquei surpreendido por o português não ser muito estudado em Verim, apesar de ser uma vila fronteiriça. Há cinco escolas secundárias, das quais duas são privadas e três são públicas. O português só é estudado na escola pública onde eu trabalhei, o liceu Xesús Taboada Chivite, somente como segunda língua e apenas nos dois anos do bacharelato.

É insuficiente. As crianças querem aprender português. Eles mesmos o dizem.

Fiquei surpreendido por o português não ser muito estudado em Verim, apesar de ser uma vila fronteiriça. Há cinco escolas secundárias, das quais duas são privadas e três são públicas. O português só é estudado na escola pública onde eu trabalhei, o liceu Xesús Taboada Chivite, somente como segunda língua e apenas nos dois anos do bacharelato. É insuficiente. As crianças querem aprender português.

Aproveitei para ir perguntando se estavam interessadas no português. A grande maioria dizia que sim. As suas razões são variadas. Alguns querem aprender a língua dos seus avós (muitos têm procedência portuguesa), outros querem namoriscar com os rapazes e raparigas do outro lado do rio, outros simplesmente preferem aprender português ao francês pois é mais singelo para eles.

Acho que a fronteira não está a ser aproveitada. Onde está a Eurocidade?

Estudas português na EOI de Compostela, C2. Em que medida é importante a formação em português para as pessoas galego-falantes ganharem consciência?
É extremamente importante. Será que nos conhecemos a nós próprios se não conhecemos bem a versão mais natural, quer dizer não castelhanizada, da nossa língua?

Além disso, considero que falar bem uma língua é saber como utilizá-la em todos os contextos possíveis. Também no contexto internacional.

Embora sejas paleofalante, não é assim tão comum, ainda, ser paleoreintegracionista. Como foi esse processo de descoberta e de mudança?
Conheci o reintegracionismo por um grafíti que vi na minha vila quando criança. Nem sequer andava no liceu.

No grau de Língua e Literatura Galegas não exprimi a minha opinião diante do corpo docente. Tinha medo que alguns membros do pessoal docente não compreendessem o meu pensamento. Continuei com o grau de Galegas, mas comecei no ano seguinte com o de Línguas Modernas (Português). Aí senti-me em casa e todos os meus medos passaram.

Sou muito curioso e lembro-me muito bem que investiguei o que pude sobre o assunto naquela Internet primitiva a que eu tinha acesso na biblioteca municipal.

Frequentei aulas no liceu com esse brum-brum pelo meu cérebro e cheguei à universidade. Ali, tive aulas de português com o José Luís Rodríguez. Com o passar dos dias a minha posição linguística foi ficando clara.

Por outro lado, o processo de mudança não foi assim tão fácil. Lembro-me que muitos colegas de turma questionaram a minha mudança. E, obviamente, no grau de Língua e Literatura Galegas não exprimi a minha opinião diante do corpo docente. Tinha medo que alguns membros do pessoal docente não compreendessem o meu pensamento.

Continuei com o grau de Galegas, mas comecei no ano seguinte com o de Línguas Modernas (Português). Aí senti-me em casa e todos os meus medos passaram.

Para a estratégia reintegracionista ganhar em presença social, que vias julgas que devem ser prioritárias?
Continuar a trabalhar nas crianças é para mim a via mais importante. O ensino de português nas escolas no marco da Lei Paz Andrade é a nosso melhor aliado. Graças ao esforço de todas as pessoas que conseguiram levar a cabo esta lei o processo da incorporação do português no ensino é esperançoso, mas está a decorrer lentamente. Por exemplo, este ano houve 6 vagas para o concurso de Português Língua Estrangeira no ensino secundário. É um número muito bonito, ainda assim é necessário muito mais professorado, e não só no secundário, também no primário.

Como podemos chegar ao estudantado se a oferta não corresponde à realidade da procura? De facto, parece que em 2023 não haverá nenhuma vaga de português no concurso de Secundário…

Porque decidiste tornar-te sócio da Agal e o que esperas do trabalho da associação?

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Numa altura em que o mundo avança rápido e as liberdades de pensamento finalmente florescem, mais do que nunca é o momento da Agal. Devia a mim próprio pertencer a esta associação que leva trabalhando arduamente todos estes anos, pois os meus objetivos coincidem com os seus: a plena normalização do Galego-Português da Galiza e a sua reintegração no âmbito linguístico galego-luso-brasileiro.

Tinha pensado em tornar-me sócio muitas vezes, mas não tinha dado o salto. Agora é o momento certo para contribuir com a minha língua.

Em 2021 somamos 40 anos de oficialidade do galego. Como valorarias esse processo? Que foi o melhor e que foi o pior?
Após 40 anos, não podemos negar que foram dados passos muito importantes. Temos regras ortográficas, gramáticas, literatura culta, rádio, televisão… muitos progressos têm sido feitos.
O pior é que as regras ortográficas utilizadas pelo nosso governo, que são também as que temos de ensinar nas nossas escolas, não são as mais honestas com a nossa história.

Como gostavas que fosse a “fotografia linguística” da Galiza em 2050?
Gostaria que o galego fosse mais falado e que os nossos filhos pudessem estudar português ao mesmo nível que estudam espanhol ou inglês. Gostaria também que fosse dada muito mais importância a Portugal, não só linguisticamente, mas também economicamente.

Por outro lado, sonho com uma Galiza em que todos saibam falar galego em todas as suas formas, geminada com Portugal e livre do rançoso centralismo espanhol, mas, em realidade, contentar-me-ia com uma Galiza lusófila.

Conhecendo Paulo Mancebo

Um sítio web: deepl.com

Um invento: o livro

Uma música: Cuando voy por la calle, Trío América

Um livro: História concisa de Portugal, José Hermano Saraiva

Um facto histórico: 218 a.C, chegada das legiões romanas à Península Ibérica no marco da Segunda Guerra Púnica

Um prato na mesa: a tortilha do meu sogro, versão vegana

Um desporto: o futebol

Um filme: Alice, Marco Martins

Uma maravilha: a minha esposa

Além de galego/a: iberista

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