Passou o dia, passou a romaria

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lapenaccalero2020Passou o dia, passou a romaria. Termina, sem ser, o Ano Carvalho Calero, e começa outro com o anuncio da RAG de não prolongar a homenagem e ir dedicar o 2021 a outra figura das nossas letras por determinar.
A decisão da RAG é lógica e tem de ser assim: já houve anos bem piores; todos os que decorrem entre 1963 e 1988 praticamente, com pouco ou nenhum eco social e até com não pouca hostilidade do Regime na primeira década. Ninguém nunca pensou em celebrar de novo Rosalia, Castelao, Pondal, Curros, Pintos, Añón, Valadares, Vilar Ponte, ponhamos por caso. Chova, neve, ou seja aquilo uma Ditadura, ou como o caso um andaço, a homenagem nasceu como resistência e homenagem e já é per se um ato institucional que não deve ser alterado.
Dito isto, cada dia mais me admira a grande farsa das letras, plasmada em inúmeras publicações, iniciativas e palestras, as mais delas de circunstancias e sem nenhum conteúdo. Interessa-me porque a imagem é interessante: é como meter num único filme aí embutido toda a série de farsas e esperpentos, as figuras dominantes e ritos que definem e explicam dia a dia o mundo académico, político, institucional e cultural.

Este ano foi excecional. Nunca tanto e por tanta parte, nas redes e a nível popular, se falara de uma figura nos últimos anos; também nunca tanta presença ativa tivera o reintegracionismo e as reintegracionistas e nunca menos fizeram a RAG, as editoras e as grandes instituições académicas da Galiza por celebrá-la.

Agora. Se isto é hoje evidente: uma das cousas mais interessantes e pouco comentadas que destaca a volta, bastante triunfal e presença crescente, de Carvalho Calero é a derrota de Constantino Garcia, com o que ambos implicam e simbolizam a respeito da construção e orientação do galego a partir de 1980.

Uma das cousas mais interessantes e pouco comentadas que destaca a volta, bastante triunfal e presença crescente, de Carvalho Calero é a derrota de Constantino Garcia, com o que ambos implicam e simbolizam a respeito da construção e orientação do galego a partir de 1980.

Fica cada vez mais claro, com o senhor Chronos colocando cousas no seu lugar, que Carvalho era Carvalho. Foi alguém. Com obra e legado. Um vulto, um chanço basal, no desenho da cultura e da identidade galega, um persoeiro à altura dos antigos, dos modernos, dos contemporâneos e um elo com os que virão.
Vai-se, justo por isso, fazendo necessária uma história do isolacionismo, na que o outro na altura protagonista e vencedor, hoje apagado quase das memórias, é central. Mas não um estudo da sua obra académica ou legado intelectual, que é inexistente, quanto do seu momento, da sua aparição e ascenso. De como um parvo útil foi tão útil ao espanholismo.
Fica por estudar e entender é como um ninguém vindo de fora, sem obra e sem outro legado que o saber se movimentar no mundo dos departamentos universitários, foi quem se colocar aí. Mas não interessa ele, não a sua perícia ou peripécia. O conto seria o mesmo com ele ou qualquer outro que tendo a titulação oportuna soubesse fechar os olhos e aceitar a destruição. Mas isso é o interessante, porque sendo ninguém, era um pião, mas um pião não faz diferença sem o resto das peças do jogo.
Daquela, e se Carvalho não é uma anomalia? apenas que a sua queda é mais espetacular como a de uma torre ou um bispo. Porque sem outros “constantinos”, sem outras figuras, na Faculdade de História, nas de Direito e Economia, nas plataformas culturais, académicas e institucionais o jogo não podia ter corrido tanto.
Daquela, u-las outras figuras no tabuleiro? Seria interessante ver quantas e quais foram as outras peças de xadrez nas diversas áreas da Historiografia, do Direito, da Economia, da política, do Associacionismo social e cultural, no mundo editorial.
Em História, nomeadamente, em todas e cada uma das suas secções é evidente, que se colocou e promoveu Constantinos vários, até termos uma história absurda, ridícula, isolacionista, fechada. No canto de uma aberta, profunda, simbólica, heroica, de amplas narrativas, fôlegos de futuro e conexões atlânticas. Uma história total e própria, não dependente da Espanha moderna e contemporânea, não imitativo do de Catalunha, País Basco ou Irlanda.

Em História, nomeadamente, em todas e cada uma das suas secções é evidente, que se colocou e promoveu Constantinos vários, até termos uma história absurda, ridícula, isolacionista, fechada. No canto de uma aberta, profunda, simbólica, heroica, de amplas narrativas, fôlegos de futuro e conexões atlânticas. Uma história total e própria, não dependente da Espanha moderna e contemporânea, não imitativo do de Catalunha, País Basco ou Irlanda.

Porque há um isolacionismo historiográfico contemporâneo e paralelo e relacionado com o linguístico. Não apenas se deteta uma constante fugida de Portugal, em todas e cada uma das épocas e conclusões, mesmo forçando os dados e os feitos antes expostos.  Senão uma historiografia isolacionista que coloca uma Galiza tetraprovincial no contexto único e possível do Estado Espanhol e que lhe nega amplitude: Portugal, o Celtismo, o Atlantismo, as relações com Inglaterra, América, a emigração. Nega em conjunto a soberania e as possibilidades de ser mais do que é.
Isto merece um estudo a sério. Porque também, em todos os campos académicos, na universidade espanhola, da Transição até hoje há sombras e por isso renge tanto a historiografia atual, seja a académica quanto a nacionalista. Por isso a pouco que se leia continuamos a preferir velhos autores de antes ou livros descatalogados e nas margens da Academia. Quantos Constantinos Garcia, quantos parvos úteis (de legado intranscedente mas demolidor) para Espanha, não houve em todas e cada uma das disciplinas da Universidade de Santiago?
E isto tudo, foi programado? houve cabeças reitoras nas alturas do império pequeno e testa-ferros locais? ou simplesmente a ideia de Espanha junto com a perversidade do sistema universitário espanhol fez o trabalho?

Máis de Ernesto V. Souza