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Luís Fontenla: “Dou toda a importância é à introdução do português. Português até na sopa” 

img_20200106_112424Em 2021 figerom-se 40 anos desde que o galego passou a ser considerada língua oficial na Galiza, passando a ter um status legal que lhe permitiria sair dos espaços informais e íntimos aos que fora relegada pola ditadura franquista. Para analisarmos este período, estivemos a realizar ao longo de todo 2021 umha série de entrevistas a diferentes agentes. Agora, já em 2022 queremos continuar reflexionando sobre isto, mas focando num ámbito em particular, de importáncia estratégica: o ensino.
Hoje entrevistamos a Luís Fontenla, professor de português no ensino secundário.
Que avaliaçom fás dos resultados do ensino do galego após 40 anos como matéria troncal?
E da presença do galego como língua veicular no ensino público?
Responderei às duas perguntas em conjunto. Por um lado, o estatuto de língua oficial, também como matéria no ensino, permitiu deslocar atitudes contrárias à expressão pública da nossa língua e ao seu uso legal nos centros. Por outro lado, todas sabemos que o modelo de língua foi adaptado aos interesses do poder tardofranquista e que este perdurou muito além de 1980. Nesse contexto, os defensores de uma língua unida ao português foram perseguidos ou relegados ao ostracismo.
Daí o facto de, no geral do ensino, ter sido promovido aquilo que alguns consideramos um galego incompleto e subsidiário em base a critérios pedagógicos perversos (favorecer a aprendizagem do castelhano através do galego) e sociológicos discutíveis (criar um modelo de língua folclórica e compreensível, aceitável, traduzível, do ponto de vista dos falantes de castelhano). Na defesa deste modelo alguns justificaram que, desse modo, com um modelo galego “amável”, a sua introdução social em ambientes contrários seria menos conflituosa.
Nestes quarenta anos normalizou-se socialmente uma versão propositadamente minoritária da nossa língua, apostando por afastá-la dos falares portugueses e dos estudos científicos anteriores ao decreto de oficialidade. Uma língua destinada apenas para ser usada em quatro províncias coincidentes com a autonomia, pensada para bolsas de falantes resistentes ou objetores de consciência e com um destino certo: continuar a aproximar-se de maneira “natural” ao castelhano. Sendo esse o modelo que o governo e certas elites promoveram maciçamente (ocultando ou perseguindo quem defendia outros percursos e destinos) são outros quem devem responder sobre os seus êxitos e realizar a avaliação do seu modelo. Um modelo que excluiu durante décadas um importante número de ativistas e teóricos da língua. Sem corar, diria, exclusão de muitas das melhores pessoas e mais qualificadas intelectualmente, primando em tudo a obediência servil ao modelo antes do que a qualidade ou capacidade.
Como defensor da unidade da língua, só posso verificar que partilhar conteúdos, escrever, falar e ensinar em português ou promover a sua aprendizagem é hoje menos conflituoso do que há 30 anos. O esforço de muitas pessoas foi imprescindível para chegarmos aqui.

Como defensor da unidade da língua, só posso verificar que partilhar conteúdos, escrever, falar e ensinar em português ou promover a sua aprendizagem é hoje menos conflituoso do que há 30 anos. O esforço de muitas pessoas foi imprescindível para chegarmos aqui.

Assim, desde 2014 surgiu um novo consenso unânime que demorou estes quarenta anos a oficializar outras visões da língua. Atreveria-me a resumir o novo cenário consensual assim: A sociedade galega decidiu finalmente aproveitar a vantagem dos seus vínculos com a língua portuguesa.
Nesse sentido, o ano zero a celebrar do carácter legal na Galiza dum modelo de língua adequado e digno, se não forem, em termos históricos, as balizas de 1214, 1297 ou de 1936 no caso concreto galego (art.4º), pode muito bem ser, no momento atual, a lei 1/2014.
Com respeito à matéria concreta da língua oficial, que era o foco das perguntas, considero que o amor à língua, o conhecimento da nossa literatura e a importância presente e passada da nossa cultura têm sido promovidos com certo êxito. Esses são os grandes acertos da matéria. Para acabar de responder a estas perguntas, acho que os docentes de galego têm sido os grandes heróis e vítimas de a administração ter focado tudo no rigoroso cumprimento do aspecto normativo no ensino, obrigando a manter e defender à força uma língua híbrida com o castelhano e “independente” do português.

Achas que a presença do galego como língua veicular guarda relaçom com a sua presença como língua ambiental nos centros educativos?
img_20191010_181210Na minha opinião não tem nada a ver. O tratamento das línguas nos centros educativos no seu conjunto, mais do que com a língua ambiental, tem tido a ver com dinâmicas específicas dos próprios centros e a continuidade ou superação de preconceitos ou com a promoção que as direções dos centros e os docentes mais comprometidos constroem (ou não) para ultrapassar esses preconceitos. Arrastamos ainda muita docência que carrega preconceitos cultivados no franquismo. Todos temos observado docentes fechados a quaisquer mudanças linguísticas, centros onde acontece uma conexão com a “língua local” num ou noutro sentido, e outros em que os docentes “cumprem” rigorosamente com as normas com respeito à língua veicular da sua matéria. Acho também que muitos docentes ainda padecem de certos vieses subjetivos que os impedem de levar a sério a nossa língua como veículo de conhecimento. Também nisto o modelo de língua criado em ´80 não tem ajudado. Creio que nesses casos a aprendizagem de português poderia facilitar uma outra visão da própria língua. Em geral, poucos centros de secundário urbanos possuem uma percentagem elevada de docentes competentes em português ou com um uso oral constante e de qualidade na nossa língua. Acredito que se mais docentes de matérias não linguísticas apostassem não apenas por estudar português mas por assumir no seu centro o desafio de constituir secções bilingues em português isto ajudaria muito a quebrar velhos paradigmas.

Pensas que deveria mudar alguma cousa no ensino da matéria de Lingua Galega e Literatura?
Como docente de português não sou eu quem deveria falar acerca da matéria de Língua e Literatura Galega. Poderia falar sim sobre o modelo de língua oficial que o governo promove para o ensino, modelo que ao meu entender é hoje anacrónico e deveria priorizar uma aproximação urgente e decidida ao português comum. Por três possíveis vias não excludentes: Incluindo avanços normativos nesse sentido, aprovando uma proposta de ratificação do novo acordo ortográfico ou talvez legalizando de algum modo como língua oficial o português, nomeado explicitamente com todas as letras. Estou certo de que num processo político desse teor para legalizar como própria uma proposta lusófona de língua o governo poderia contar com o apoio de entidades já existentes como a Academia Galega da Língua Portuguesa.

Qual deve ser o papel do português no ensino? Ampliar a sua presença como segunda Língua Estrangeira? Ser lecionada dentro das aulas da matéria troncal de galego? Ambas?
Entendo que a pergunta se refere ao secundário onde sou docentes de português mas onde durante um ano fui também docente de galego. A aprendizagem de português na matéria de galego será sempre um assunto secundário principalmente porque é necessário entregar aos alunos capacitação numa grande quantidade de outros elementos curriculares para a sua correta preparação para um percurso académico de sucesso. Percurso que acaba muitas das vezes nas ABAU.
É um lugar comum dizer que as horas de galego atuais nem sempre são suficientes para preparar alunos previamente monolingues para um uso de qualidade e uma competência elevada à saída dos centros.
Nesse sentido o português veio para ajudar com mais 70 horas anuais (e mais 420 horas quando se oferece em todo o percurso de secundário) de língua oral e escrita que serve também de reforço ao galego. Em contrapartida, essa língua oficial europeia e global deve ser ensinada com certo rigor académico e para isso precisa de espaço próprio. Ainda, há também uma razão de compromisso com as políticas de estado que a Galiza tem gerado. O estado espanhol entrou para a CPLP pela nossa causa, e hoje em dia há três entidades galegas no seio da CPLP. Neste cenário ninguém entenderia que não existisse a matéria de português, com esse nome, ao mesmo nível do que inglês ou francês. Além disso, e voltando ao plano académico é uma disciplina que tem também exames próprios nas ABAU ao mesmo nível que outras línguas modernas em que o nosso alunado tem-se saído muito bem. Continuemos a fazer as coisas bem.

O português veio para ajudar com mais 70 horas anuais (e mais 420 horas quando se oferece em todo o percurso de secundário) de língua oral e escrita que serve também de reforço ao galego.

Creio em definitiva que a própria pergunta não responde à atual situação que quebrou o paradigma anterior de marginalidade da língua portuguesa no ensino obrigatório mas a um debate assente no puramente nominal (a pugna pelo significado do nome “galego” e a sua matéria escolar). Um debate que já foi superado pela via dos factos com a aprovação da Paz Andrade e o esforço dos docentes nos próprios centros para colocar as matérias de português em mais de 80 escolas.
Para sermos claros, o português deve ser ensinado como matéria específica quer como primeira língua quer como segunda língua ou oferecendo ambas as opções em todos os centros de ensino. Essa é a letra da Lei. Não podemos demorar mais quarenta anos ou até quando “o sarilho do galego escolar se arranjar” (sarilho que por motivos espúrios outros criaram) para oferecermos aos nossos alunos uma aprendizagem real de português, sem filtros.
Aliás, sendo positivos, dentro das próprias aulas de galego sempre foi possível até hoje trabalhar a compreensão de textos orais e escritos em português como “mais um assunto” de muitos outros dessa matéria, o que pode continuar como até o de agora.
Porém na disciplina de língua portuguesa o foco, o assunto único, é só e unicamente aprendermos língua portuguesa.
Nesse sentido, voltando à pergunta sobre qual o papel do português no ensino, a lei Paz Andrade já indica que deve ser incorporado em todos os centros de secundário como matéria específica na mesma categoria do que o  inglês ou o francês. Hoje oferece-se em vários centros não apenas como segunda (optativa) mas também como primeira língua (obrigatória). Eu acrescento que para além do papel que a lei hoje indica, o português pode vir a ser o grande aliado da incorporação de novos espaços e conhecimentos hoje vetados à língua oficial.

A lei Paz Andrade já indica que o português deve ser incorporado em todos os centros de secundário como matéria específica na mesma categoria do que o  inglês ou o francês.

Qual seria o cenário de futuro se incluirmos progressivamente como secções bilingues matérias de matemática, biologia e geologia, história da arte, etc. em português em muitos dos nossos centros? Hoje poderíamos ter centros funcionando com até um máximo de 33% de matérias ministradas em português para além das próprias disciplinas de português e do espaço que em aulas de galego quiserem entregar a conteúdos lusófonos. Essa é uma imagem interessante para construir um futuro onde a escola ganhe falantes competentes e interessados em utilizar a nossa língua.
Para concluir, indicaria que o papel do português em todos os centros deveria  ser planificado e clarificado através dum decreto específico de execução da lei na área do ensino. Tal decreto, que deve começar já a ser considerado de elaboração urgente, deveria ouvir sindicatos, instituições e associações comprometidas com a língua portuguesa e ser negociado politicamente visando manter o espírito consensual da lei. Esse decreto deveria atender ao sistema educativo no seu conjunto, do primário à Universidade, em todos os níveis e modalidades de ensino. Acredito que se conseguirmos que isto seja realidade será um novo êxito da sociedade galega no seu conjunto. Mais um sonho cumprido vermos nascer o quanto antes esse decreto de educação e os outros que se seguirem nas diferentes áreas que a lei abrange.

Pensas que implementar linhas educativas diferenciadas (uma com imersom linguística em galego) poderia ser útil para o galego voltar aos pátios?
A meu ver isso não condiz com a filosofia educativa imperante na escola pública e o quadro legal do ensino galego que prioriza a não segregação dos alunos. Na minha opinião seria um erro. O modelo adequado para o nosso contexto não é o modelo basco (com línguas incompreensíveis com uma distância muito significativa) mas um modelo muito parecido ao catalão, de imersão linguística, o que no nosso contexto pode começar a ser feito, desde já, aproveitando a possibilidade das secções bilingues do decreto 79/2010.
Contudo, se não for realizado através da implementação de secções bilingues, o pressuposto pedagógico de imersão na língua oficial da autonomia é legal e conta com abrigo constitucional desde 2019 (sentença de 11 abril 2019 do TC: validade do sistema de imersão linguística como instrumento que atende a” o direito a adquirir a língua oficial de aqueles que a não possuem”).
Com respeito ao caso galego, a aposta de imersão deve oferecer como língua veicular a língua oficial da qual existe uma carência de acesso a um modelo culto no âmbito familiar e social. Eu acrescentaria: e ali onde for possível, acrescentar o português como língua veicular.
Como comprovamos todos os dias, o modelo culto de castelhano está presente por toda a parte: rádios, televisões, imprensa, novidades editoriais, conteúdos para jovens e crianças, brinquedos, jogos e materiais de aprendizagem de todo o tipo e de qualquer área, até das mais específicas. A escola pública pode e deveria legalmente assumir a obrigação de servir como um espaço de aquisição de competências reais na língua oficial que o alunado não possui e que contrasta com todo esse acesso universal a conteúdos em castelhano. Ainda,  ao abrigo da Paz Andrade deveria promover não apenas o acesso à matéria de português, mas a conteúdos audiovisuais e escritos e materiais pedagógicos em português nas mais diversas áreas.

A escola pública pode e deveria legalmente assumir a obrigação de servir como um espaço de aquisição de competências reais na língua oficial que o alunado não possui e que contrasta com todo esse acesso universal a conteúdos em castelhano. Ainda,  ao abrigo da Paz Andrade deveria promover não apenas o acesso à matéria de português, mas a conteúdos audiovisuais e escritos e materiais pedagógicos em português nas mais diversas áreas.

No nosso contexto, um projeto de imersão deve trazer consigo a ideia do espaço físico da escola como comunidade linguística. Tal e como existem escolas integralmente em francês ou inglês. De portas para dentro todos comunicam numa língua comum de maneira banal.
Por isso a imersão unida ou à par do crescimento de secções bilingues deve ser defendida como oportunidade não apenas para as famílias bilingues que conservaram em casa a língua da Galiza, mas sobretudo colocando o foco nas famílias monolingues em castelhano, pois aí está uma ausência de oportunidades que a escola pública pode corrigir. Essa é a filosofia do Tribunal Constitucional. Justifica legalmente a imersão em oferecermos um método pedagógico que visa assegurar plenas competências aos espanhol falantes na língua oficial da qual carecem à partida. Acho que é uma maneira inteligente de colocar a questão em termos de legalidade espanhola.
Contudo, dizendo sim sem duvidar à imersão (e a tudo que vier nesse sentido) aposto em que, para já, muito poderia ser feito sem necessidade de mudarmos a atual legalidade. Acredito que uma escola que elevasse ao máximo (33%) as percentagens disponíveis de secções bilingues em português nas matérias que hoje são lecionadas em castelhano, que cumprisse também a legalidade no restante 33% ministrado em galego, que além disso tivesse o compromisso de aquisição de compras públicas dos centros (materiais pedagógicos, imprensa, leituras etc.) em português e galego no mínimo ao 50% e que explorasse oferecer em recreios e outros espaços educativos um projeto de imersão linguística abrangente poderia mudar a atual situação de declínio de falantes e falta de competência linguística. Esse seria um bom modelo inovador a experimentar em centros referenciais antes de espalhá-lo ao conjunto do sistema. Creio, em definitiva, que é possível contornar a atual situação e usarmos todos os recursos disponíveis para assegurar o futuro da comunidade galego-falante sem darmos tanta importância a esse 33% obrigatório em castelhano que dificilmente poderemos evitar sem outras maiorias parlamentares.
Em resumo, dou toda a importância é à introdução do português. Português até na sopa.

Acredito que uma escola que elevasse ao máximo (33%) as percentagens disponíveis de secções bilingues em português nas matérias que hoje são lecionadas em castelhano, que cumprisse também a legalidade no restante 33% ministrado em galego, que além disso tivesse o compromisso de aquisição de compras públicas dos centros (materiais pedagógicos, imprensa, leituras etc.) em português e galego no mínimo ao 50% e que explorasse oferecer em recreios e outros espaços educativos um projeto de imersão linguística abrangente poderia mudar a atual situação de declínio de falantes e falta de competência linguística.

Que papel atribuis ao modelo educativo inaugurado polas escolas Semente?
Docentes, sindicatos e partidos políticos devemos apoiar o esforço das Sementes, uma iniciativa não lucrativa nascida no seio das próprias famílias. Apoio totalmente as escolas Semente em tudo que sou capaz. São um espaço levantado com muito esforço coletivo para darem resposta a um problema social, o da incapacidade da escola atual para oferecer com normalidade uma imersão linguística real e com acesso diário a conteúdos em português e galego.
Acredito que no futuro os governos deveriam oferecer de maneira decidida o seu apoio económico, institucional e administrativo a todos os níveis às escolas Semente, incluindo o aproveitamento das suas experiências pedagógicas para a formação dos novos docentes nas escolas públicas.
Na minha opinião são hoje a alternativa urbana que melhor assegura a transmissão geracional da língua, competências reais e acesso sem preconceitos a um modelo culto.
Que mais posso dizer?
Mais Sementes, mais Sementes em todos os lugares.

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