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ÂNGELO CASAL, IMPORTANTE EDITOR GALEGUISTA E MÁRTIR

Galiza é o berço da nossa língua internacional, que mais tarde os portugueses levaram pelo mundo e pelos cinco continentes, configurando o que hoje se conhece como “mundo lusófono”. Dentro da série que estou a dedicar às mais importantes personalidades da Lusofonia, onde a nossa língua internacional tem uma presença destacada, e, por sorte, está presente em mais de doze países, sendo oficial em oito, dedico o presente depoimento, que faz o número 122 da série geral, a um grande galego, bom e generoso, mártir assassinado pelos franquistas, que com acerto dele Castelão disse “que fez mais pela Galiza que todos nós juntos”. Ângelo Casal Gosenge, tinha nascido em 1895 na cidade da Corunha. Foi um editor enormemente importante para as letras galegas, e durante cinco meses (os últimos da República) presidente da Câmara Municipal de Compostela, antes de ser vilmente assassinado pelos fascistas a 19 de agosto de 1936 em Cacheiras, e atirado o seu corpo num canto da estrada. Com este depoimento completo o número dez da série lusófona.

DADOS BIOGRÁFICOS

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Caricatura de Ângelo Casal feita por Camilo Díaz.

O nosso grande amigo, e membro da AGAL, Ernesto Vázquez Souza, publicou no seu dia no DBe da Real Academia da História, uma muito interessante biografia de Casal, que a seguir resenhamos. No ano 2000, precisamente, apresentou a sua tese doutoral na Universidade de Corunha, sob o título de Ánxel Casal (1895-1936). Biografia no seu contexto cultural, político e empresarial.

Ângelo Casal Gosenge, nasceu na Corunha a 17 de dezembro de 1895, e faleceu assassinado pelos franquistas em Cacheiras-Teo em 19 de agosto de 1936, aos 40 anos de idade. Foi editor, impressor e político galego. Quem com o tempo foi o mais importante editor galego, nasceu na Pescadaria corunhesa, filho de trabalhadores, iletrada ela, ele autodidata, procedentes da Galiza rural. Órfão de mãe desde 1901, trabalhou desde criança na estalagem-pensão-alfaiataria de seu pai e em comércios da localidade. Em 1908 emigrou durante uns meses para Bordéus (França); com catorze anos, trabalhou como intérprete no Consulado da França na Corunha; entre 1911 e 1913 emigrou à capital portenha argentina, onde aprendeu o ofício de tipógrafo; em 1915, a Lisboa, de onde voltou para não ser considerado prófugo de um serviço militar de que sempre guardou lembranças negativas.

Membro da classe comercial corunhesa, consciente das desigualdades sociais, do bloqueio político da Restauração e do desprezo para a língua por parte de seus pais, próximo por família e amizades aos círculos federais, acudiu, em maio de 1916, junto a outros jovens, como Federico Zamora, Francisco Abelaira, Alfredo Somoza, Fernando Blanco Salhares, Bento Ferreiro ou Vítor Casas, à chamada de Antão Vilar Ponte para fundar, aos ecos da campanha catalanista no Congresso, a Irmandade dos amigos da fala galega”.

Entre 1917 e 1923 colaborou, através do jornal A Nosa Terra, de que foi impressor desde 1924, nas campanhas de propaganda política do nacionalismo galego. Assinante da Assembleia Nazonalista de 1918 em Lugo, discípulo de Luís Porteiro, João Vicente Biqueira e Luís Penha Novo, manteve-se fidel à linha inicial perante a rutura de Vicente Risco e o setor elitista na Assembleia de Monforte em 1922. Contraiu matrimónio em 1920 com a modista Maria das Dores Miramontes Mato, com a que compartia ideologia, negócios e projetos. Em 1924, agoniado pela crise económica e pela ditadura de Primo de Rivera, mudou os seus planos de emigração para constituir com Leandro Carré Alvarelhos a editora Lar (1924-1932), onde publicou a coleção homónima de grande sucesso de novelas e romances breves, imprimiu A Nosa Terra e, desde 1925, o prestigioso Boletín Nós. Em 1924 fundou as Escolas do Ensino Galego (1924-1931), nas quais foi professor de acordo com os ensinos modernos, galeguistas e laicos de Biqueira. Afastado de Carré em 1927, iniciou a grande aventura da editora Nós (1927-1936) que editou, com a ajuda dos melhores artistas gráficos da Galiza, 85 % da literatura galega de pré-guerra.

Ativista antiditadura, foi fundador da Organização Republicana Galega Autónoma (ORGA), que tomou carta de natureza no prelo de Nós. Em 1930 editou o breve diário republicano O Momento, que teve certo insucesso, o arruinou e o obrigou a reiniciar Nós em Compostela. Em junho de 1931 assinou o manifesto da Esquerda Galeguista. Desencantado da evolução não autonomista da ORGA, promoveu a aparição de um partido nacionalista galego, o Partido Galeguista (PG), que se constituiu em dezembro de 1931.

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O seu obradoiro de Compostela converteu-se no ponto de reunião da juventude republicana, vanguardista e galeguista, o que se plasmou numa cascata de livros, revistas e folhetos. Em 1934, em contra da aparição do semanário fascista Unidad de Montero Diaz, e perante a reação do governo, situou a sua pessoa e obradoiro junto a Luís Seoane, Luís Manteiga, Carlos Maside e Suárez Picalho, impulsando os experimentais semanários de esquerda Claridad (1934) e Ser (1935-1936). A pressão policial e a crise económica provocaram o anúncio de falência em setembro de 1934, que limitou a produção editorial e deixou a Casal quase na ruina.

Depois das eleições de fevereiro de 1936, formou pelo PG parte da gestora que se fez cargo do concelho de Compostela. Eleito presidente da Câmara municipal por maioria absoluta, membro nato da Deputação da Corunha, foi nomeado vice-presidente desta, e, por isto, vice-presidente da Comissão Pró-Estatuto galego, com competência sobre propaganda. Como alcaide teve uma destacada intervenção social, urbanística e cultural, promovendo a constituição da Associação de Escritores da Galiza. Plebiscitado com sucesso em 28 de junho de 1936, Casal formou parte da comissão que fez entrega em 16 de julho do texto do Estatuto às Cortes em Madrid.

Quando se produz o golpe de estado fascista, Casal voltou rapidamente para a Galiza para organizar a resistência. Demitido da alcaidia, junto ao resto dos galeguistas, em 9 de julho, para tratar de forçar as eleições municipais, voltou, a instâncias da gestora, a ocupar o cargo. Em 19 de julho, pronunciou desde a varanda do concelho uma arenga na defesa da República aos cidadãos e mineiros de Lousame que se dirigiam à Corunha para tratar de defender a legalidade. Deposta a gestora, fugiu e tratou de refugiar-se na casa familiar de Pela em Vilantime-Arçua, onde foi detido em 4 de agosto. Quinze dias depois, sem juízo nem possível defesa, foi assassinado junto a outros republicanos em Cacheiras-Teo em 19 de agosto.

FICHA DO DOCUMENTÁRIO

Título: A. Casal, a luz impresa.

Realizador: João Leira. Duração: 57 minutos.

Produtora: Acuarela Comunicação. Ano: 2005.

Coleção: “Memória Viva”.

Argumento: Ângelo Casal foi um homem moderno e fundamente comprometido com a criação intelectual e a divulgação da cultura galega; um labor apoiado sempre pela sua dona e companheira, Maria Miramontes Mato. Com a realização deste filme documentário pretendeu-se construir a primeira biografia audiovisual de Casal, a qual está estreitamente relacionada com a própria história da promoção da nossa língua; do ensino em galego; da criação de editoras e a difusão das ideias galeguistas e republicanas no primeiro terço do século XX.

    

O PRIMEIRO EDITOR MODERNO DA GALIZA

A Associação Galega de Editoras, quando em 18 de agosto de 2016 se cumpriam os oitenta anos do assassinato de Casal, deu a conhecer um interessante depoimento, sob o título de “O primeiro editor moderno da Galiza”, sobre a grande figura de Ângelo Casal, como editor, livreiro, impressor e alcaide galeguista de Compostela, que temos por bem reproduzir a seguir.

Durante 12 anos, entre 1924 e 1936, e em duas cidades, na Corunha primeiro e depois em Compostela, Ângelo Casal publicaria mais de oitenta livros, centos de folhetos e separatas, revistas e diários, numa intensíssima atividade cultural que a Associação Galega de Editoras considera “fundacional” para o livro galego moderno. Do prelo de Casal saiu provavelmente o conjunto mais importante da cultura galega de toda a sua história. Por tudo isto, desde a Associação Galega de Editoras queremos lembrar hoje o seu labor:

“Os povos somente são grandes pela cultura. Mercade Livros Galegos”

Este era um dos lemas publicitários da editorial e gráfica Nós em 1933. Castelão diria de Ângelo Casal: “Fez pela Galiza mais que todos nós”, e Outeiro Pedraio falaria nestes termos dos seus projetos editoriais: “Na rua Real da Corunha, nas Hortas e na rua do Vilar de Compostela, teve Casal o seu jardim ou horto das letras, pombeiro de voares de esperança” (Livro dos Amigos, Buenos Aires, 1952).

Casal criou a primeira editorial moderna da Galiza. Um projeto cultural em chave galeguista e de esquerda desenhado para difundir a literatura e a cultura galegas entre um público o mais amplo e transversal possível. Desenvolveu o seu labor ao longo de 12 anos, entre 1924 e 1936, e em duas cidades, Corunha primeiro e depois em Compostela.

A editorial Lar, em sociedade com Leandro Carré

Junto com Leandro Carré Alvarelhos (Corunha, 1888-1976) criou, em 1924, a Editorial Lar, empresa que pode considerar-se como o primeiro ensaio de uma editorial autenticamente galeguista. Teve como sede o primeiro andar da casa número 36 da Rua Real da Corunha, onde o próprio Casal trasladaria a sua vivenda. A Editorial Lar abria o seu catálogo com uma coleção de novelas curtas, de peto, com desenhos rechamantes, cujo primeiro título foi A minha mulher de Wenceslao Fernández Flórez. Em total Carré e Casal publicariam 35 volumes desta coleção com umas tiragens que mesmo chegaram a superar os 3.000 exemplares. Vendia-se cada novela a 30 cêntimos. Foi o início da literatura de quiosque.

Edições Nós e o seu traslado a Compostela

Três anos depois, em 1927, Casal e Leandro Carré separam-se. Casal inicia um novo projeto editorial, Nós, com a publicação da Historia sintética de Galiza de Ramom Vilar Ponte, quem fora, em 1916, junto com o seu irmão Antom, um dos fundadores das Irmandades da Fala. Esta nova editorial Nós aginha abre o seu novo obradoiro no número 50 da rua Linares Rivas, onde permanecerá estável até o seu traslado, em maio de 1931, a Compostela. Na capital galega Casal instala-se primeiro no rés do chão da casa número 20 da rua das Hortas, local do seu amigo e colaborador, o ilustrador Camilo Diaz Balinho (pai de Isaac Diaz Pardo e desenhista municipal, também “passeado” em agosto de 1936). Depois de transitar por distintos locais, Nós estabelece-se no rés do chão do número 15 da rua do Vilar.

Homem eficaz, aglutinador e vanguardista

Ângelo Casal com Federico García Lorca e outros.
Ângelo Casal com Federico García Lorca e outros.

O labor editorial de Casal foi fundamental na consolidação do sistema literário de pré-guerra. Ele era um homem eficaz e de talento, aglutinador, comprometido com o galeguismo e com o pensamento de esquerdas, e sempre atento às linguagens e estéticas modernas e internacionais. Baixo estas coordenadas publicaria De quatro a quatro de Manuel António, os Seis poemas galegos de Federico Garcia Lorca, Arredor de si de Outeiro Pedraio, os Retrincos de Castelão ou o Mar ao norde de Álvaro Cunqueiro, entre muitos outros. Textos que se enriqueciam com as estéticas experimentais de ilustradores como Maside, Colmeiro ou Seoane. Em definitivo, do prelo de Casal saiu seguramente o conjunto mais importante da cultura galega de toda a sua história. Nos seus doze anos de atividade publicaria mais de oitenta livros, 152 folhetos e separatas, um diário O Momento, dous grandes semanários Claridad e Ser, 88 números de A Nosa Terra, 118 volumes da revista Nós e mais de 300 panfletos. (Dados procedentes do investigador Ernesto Vázquez Souza, que fez a sua tese de doutoramento sobre a figura de Casal).

Alcaide de Compostela por cinco meses

Quando a República foi governada pelos conservadores (1934-fevereiro de 1936) o projeto de Casal entrou em funda crise. Em fevereiro de 1936 foi eleito alcaide de Compostela pelo Partido Galeguista. Em 28 de junho aprovava-se o Estatuto de Autonomia da Galiza. O golpe de Estado de 18 de julho apanhou Casal em Madrid, precisamente com as gestões de entrega nas Cortes do texto do Estatuto. Regressou de contado a Compostela para fazer-se cargo do Concelho. Em 4 de agosto era detido na casa dum parente em Arçua e, um par de semanas depois, em 19 de agosto daquele infausto verão de 1936, o seu corpo aparecia tirado num fojo nos arredores de Compostela, em Teo, e a gráfica e a editorial, devastadas e destruídas. Nessa mesma data do assassinato de Casal, era encontrado também, em Granada, o cadáver do poeta Federico Garcia Lorca.

A obra de Ângelo Casal hoje

Cada livro, cada leitor ou leitora, cada projeto editorial, são, hoje, oitenta anos depois da morte de Casal, devedores daquele labor único e histórico. Cumpre por isso lembrarmo-nos daquele homem que luitou por um futuro para o seu país construído sobre a cultura e os livros.

BIBLIOGRAFIA SOBRE CASAL

Resenhamos a seguir uma escolma de publicações e de monografias dedicadas a Ângelo Casal e à sua obra cultural a favor do fomento da literatura e da língua galegas, com as editoras Lar e Nós, na Corunha e em Compostela.

– Vários autores: Cincuentenario de Nós. Boletín Mensual da Cultura Galega (1920-1970). Homenagem da RAG. Vigo: Artes Gráficas Galiza, 1972.

– Carballo-Calero Ramos, M.ª Vitória: A Ilustración na revista Nós. Ourense: Dep. Provincial, 1982.

– Fernández del Riego, F.: Ánxel Casal e o libro galego. Sada: Edições do Castro, 1983.

– Vázquez Souza, E.: Ánxel Casal (1895-1936). Biografia no seu contexto cultural, político e empresarial. Corunha: Universidade, 2000 (tese de doutoramento, inédita).

– Vázquez Souza, E. e Dobarro, J. M.ª: Ánxel Casal (1895-1936): Textos e documentos. Sada: Edições do Castro, 2003.

– Vázquez Souza, E.: A Fouce, o hórreo e o prelo. Ánxel Casal ou o libro galego moderno. Sada: Edições do Castro, 2003.

– Acunha, H. (coordenador): Os artistas de Ánxel Casal. Arte e edición nunha Galicia entusiasmada. Compostela: Concelho compostelano, 2005.

– Lamela Garcia, V. L.: La “cruzada en Compostela: la guerra civil y la represión franquista en los documentos (…). Sada: Edições do Castro.

– Leira, J.: Ánxel Casal, a luz impresa. Compostela: Acuarela Comunicação, 2005 (monografia e DVD).

– A Nosa Terra: “Ánxel Casal, editor e galeguista”. Vigo: N.º 700 (16-Novº-1995).

– Monte Alto (Corunha): “Ánxel Casal na Memória”. Corunha: N.º 1, ano 1995.

Nos últimos tempos, com real merecimento, levam-se organizado atos de homenagem e lembrança à figura de Casal, com a colaboração dos concelhos das cidades da Corunha e Compostela, onde morou e trabalhou.

Ligações importantes que se podem consultar sobre notícias e depoimentos dedicados a Casal:

TEMAS PARA REFLETIR E REALIZAR

Vemos o documentário citado antes, e depois desenvolvemos um cinema-fórum, para analisar o fundo (mensagem) do mesmo, assim como o seu conteúdo.

Organizamos nos nossos estabelecimentos de ensino uma amostra-exposição monográfica dedicada a Ângelo Casal, importante editor do galeguismo (editoras Lar e Nós) e mártir assassinado pelos franquistas em 1936. Na mesma, ademais de trabalhos variados dos escolares, incluiremos desenhos, fotos, murais, frases, textos, lendas, livros, DVDs e monografias.

Podemos realizar no nosso estabelecimento de ensino um Livro-Fórum, em que participem estudantes e professores. Podemos escolher para ler alguma das monografias dedicadas a Casal escritas por Ernesto V. Souza, das resenhadas antes, ou a de Fernández del Riego também citada. Outra alternativa podia ser a organização dum Debate-Papo, com participação de estudantes e docentes, e depois de documentar-se bem, sobre a repressão levada a cabo na Galiza pelos franquistas, a partir do golpe de estado do 18 de julho de 1936.

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