O único “galego” que vai sobreviver é o português

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A Víctor Freixanes, com admiração e amizade

Unha lingua para o futuro”

O querido e admirado amigo Víctor F. Freixanes, presidente da Real Academia Galega, escrevia sobre o galego como “Unha lingua para o futuro” (no jornal La Voz de Galicia, domingo 26 de março de 2023, num dos sempre interessantes artigos semanais da sua secção “Vento nas velas” ), tentando responder às perguntas que lhe formularam umas alunas corunhesas de Instituto: “por que o idioma perde falantes” e “como podemos recuperar o galego”. (Reproduzo na íntegra este artigo à maneira de apêndice).

À pergunta «E haberá algún método para aumentar o número de galegofalantes?» responde ele formulando uma série de propostas:

“- Traballar máis activamente na escola, dende os primeiros anos.

– Concienciar as familias de que a transmisión da lingua de pais / nais a fillos / fillas é unha riqueza, ademais dun acto de amor.

– Potenciar o idioma nos medios de comunicación e nas redes sociais.

– Animar a creación de produtos audiovisuais e interactivos, música, videoxogos, para que a lingua galega estea máis presente nas industrias da comunicación e o ocio.

– Avivar a lectura.

– Promover espazos para o galego na administración, na publicidade, no comercio, no deporte…”

São propostas gerais que todos os amantes do galego desejaríamos ardentemente ver implementadas. Bem intencionadas, mas tão indeterminadas que afinal reduzem-se a palavreado vazio e inoperante. Na mesma linha poderíamos propor outras não menos desejáveis mas igualmente aéreas:

“- Dar 50 euros cada dia a um pai ou uma mai que vaia falando galego aos seus nenos pela rua”.

Perguntareis: “E quem lhos vai dar? Donde se vai sacar esse dinheiro? Como se vai poder organizar a operação?” Poderíamos replicar: “Ah, essas são perguntas que já não me corresponde responder: eu já formulei a minha proposta de solução…”.

Porque essa proposta utópica tem aproximadamente as mesmas características das formuladas por Freixanes. Por exemplo “Concienciar as familias de que a transmisión da lingua de pais / nais a fillos / fillas é unha riqueza, ademais dun acto de amor”.

Esse era igualmente o nível do tão cacarejado e aéreo “Plan de normalización” de 2004 (no qual, por sinal, a consciência lusófona está tristemente ausente). Escolho ao acaso uma das suas medidas: “Fomentar o uso do galego por medio de medidas de promoción profesional e prestixio dos funcionarios que a vaian usando”.

“Concienciar as famílias”, propõe Freixanes. E como se vão “concienciar”, e quem o vai conseguir? Porque isso já é o que todo o galeguismo vem (vimos) tentando fazer desde há 50 anos pelo menos, mas tudo está a indicar que a grande maioria das famílias estão bem “concienciadas” justamente do contrário.

Quer dizer: essas propostas são “palavras ao vento” ou “brindes ao sol”. Formulam ações que dependem de outras pessoas –que um sentido realista da vida indica que não as vão realizar.

Comenta Freixanes: “Algo imos mellorando. Segundo os barómetros do Goberno de Francia, o galego ocupa o posto número 37 entre os idiomas máis destacados no mundo”. Não sei que autoridade ou credibilidade terá esse barómetro, e seria bom constatar que lugar se reserva nessa listagem ao provençal ou ao bretão ou ao catalão ou ao basco na França centralista e glotófoba… Mesmo sendo certo esse dado, quer dizer que “imos melhorando”? Ou será mais bem que marchamos “de vitória em vitória a caminho da derrota final”?

Claro que na realidade a nossa língua, pelo feito de ser a mesma da lusofonia, está num posto muito mais elevando que esse 37º…

Mudar de rumo

Se queremos tentar mudar a situação, não podemos colocar a solução em mudanças de atitude por parte de outros que não parece tenham intenção ou desejo de adotar uma praxe diferente da que vêm mostrando nos últimos tempos. Teremos que partir da premissa de que somos nós, os amantes do galego, os que teremos de mudar de tática: constatar que estamos fracassando e analisar se algo vimos fazendo mal. Porque parece óbvio que, se não dispomos de outros recursos que os que vimos empregando nos passados decénios, então o final do galego está cantado…

Carvalho Calero comparou uma vez o galeguismo com um grande transatlântico que vai navegando. Nele há muitas pessoas que trabalham com imensa generosidade e entrega em atividades diversas: uns atendendo as máquinas e o combustível para que o barco avance, outros cuidando da limpeza do conjunto, outros preparando as comidas de todo o pessoal, alguns proporcionando entretenimento aos viajantes… Mas não há ninguém que considere qual é o rumo que levamos.

O galeguismo deveria reconhecer que o barco em que viajamos leva um rumo errado, que nos conduz ao precipício. Parecemos a orquestra do Titanic, mantendo admiravelmente a constância do nosso trabalho e intentando levantar os ânimos do pessoal enquanto o nosso barco se está afundando…

Um idioma extenso e útil”

Que podemos então fazer?

Não convenceremos a maioria dos pais galegos, e dos galegos em geral (nomeadamente, dos mais novos), tentando fazer-lhes crer que o galego é bom simplesmente porque “é nosso”. Nosso era também o carro de vacas ou bois, ou a esfolha do milho nas noites de inverno… Para que sintam que a língua merece ser apoiada têm que perceber, em primeiro lugar, que conta com probabilidades de sobreviver, e, em segundo lugar, que tem alguma utilidade. Como dizia Castelao: que é “um idioma extenso e útil”.

“Oxalá os bascos tivéssemos um Brasil detrás: não o desaproveitaríamos” –nos dizia o linguista basco Txillardegi há já 40 anos numa conferência em Ferrol (cidade à qual sentia carinho, porque nela passara o seu serviço militar obrigatório, como tantos outros rapazes bascos de então).

Realmente, na história do galeguismo houve suficientes manifestações, como Castelao quando declarava desejar que o galego se identifique com o português para que o nosso idioma seja “extenso e útil”. E não pode deixar de surpreender que o galeguismo oficial desconsidere tantas manifestações reintegracionistas de mestres do galeguismo como Murguia, Pondal, Viqueira, Risco, Vilar Ponte, Castelao, Paz Andrade, Jenaro Marinhas, Guerra da Cal, Carvalho Calero… Na prática o que parecem pensar os dirigentes cultuais de hoje é “Que tontinhos eram! Como se equivocaram!…”, E conseguintemente: “E nós que listos somos, que sabemos compreender bem a situação!”…

Algumas propostas concretas

O galeguismo tem na sua mão algumas medidas que sim poderiam ter alguma eficácia.

Pode-se, por exemplo, antes de mais, cessar o apartheid e o ostracismo oficial ao reintegracionismo; isto é: deixar de penalizar e excluir os escritos em normativa reintegrada em editoras, publicações periódicas, concursos, subsídios oficiais, etc. Há aí todo um movimento florescente da cultura galega que está forçado a viver à margem, como esteve o galeguismo nos piores anos da pós-guerra.

Pode-se mudar nas instituições galeguistas a consideração do galego como “língua independente” do português para passar a considerá-lo como uma denominação que se dá à língua portuguesa da Galiza.

Com essas e outras medidas que estão nas mãos do galeguismo dominante, pode-se promover entre a gente a ideia de que a língua da Galiza é a mesma de Portugal e das suas ex-colónias, e que portanto dispõe de um catálogo imenso de recursos impressos, digitais, cinematográficos, musicais… que são aproveitáveis de maneira imediata: que, em definitivo, o nosso idioma, ademais de ser nosso, é um idioma “extenso e útil”, que não está ameaçado de morte. O galeguismo, porém, vive alienado de todos esses recursos, numa voluntária e irracional “folga de fame”…

Isso talvez ajudará a consciencializar mais positivamente as famílias galegas e a apoiar a transmissão geracional. Não será fácil, porque a alienação provocada por estes 40 anos de incutir-lhes a visão do português como alheio a nós –quando não perigoso para a nossa identidade cultural–, não se muda da noite para a manhã: esse dano está feito, e sempre é mais trabalhoso reconstruir do que destruir.

Essa mudança de mentalidade no galeguismo dominante levaria consigo outras inovações decisivas. Em primeiro lugar, que os programas de estudo do galego incluíssem o conhecimento da normativa ortográfica portuguesa, de maneira que o alunado aprendesse que mulher, filho, caminho, bem, algum, rua não estão pior escritos que muller, fillo, camiño, ben, algún, rúa…, nem deixam de ser galegos por adotar a grafia da lusofonia (ao contrário: deixam de ser castelhanizantes). Em segundo lugar, que os programas de literatura incluíssem textos literários luso-brasileiros como parte da nossa língua. (Realmente já era assim nos primeiros programas pre-autonómicos, depois modificados).

Levaria consigo também o aproveitamento na rádio galega de canções luso-brasileiras, e na televisão galega de películas ou séries. Os ouvidos galegos estamos habituados a escutar e compreender falas andaluzas, por exemplo, mas não as da nossa própria língua na pronúncia portuguesa ou brasileira. Precisa-se uma formação desse hábito. Mas para isso não é necessário, e de pouco serve, legendar as conversas “traduzindo-as” (por exemplo, pondo “atopar” em vez de “achar”, ou “amosar” em vez de “mostrar”, ou “bos días” em vez de “bom dia”…). Pode ser útil legendá-las, mas no texto original português, que favoreça o seu seguimento: com essa aprendizagem, para a maioria dos espetadores os textos escritos vão ser tão compreensíveis como os galegos.

Esse futuro…

Tal como as cousas foram vindo, não parece uma profecia arriscada afirmar que o único galego que vai sobreviver é o português. Carvalho Calero, quando caiu na conta deste feito, empreendeu uma revisão da normativa linguística da sua obra literária, e espontaneamente deixou por escrito autorização para reeditar no futuro toda a sua obra em normativa portuguesa, considerando que, por meritórios que fossem esses seus esforços de criação literária, foram em grande medida “passos perdidos” e levavam um rumo errado.

E este parece ser o futuro que espera a uma grande parte da produção literária galega.

A maioria dos livros galegos editam-se graças aos subsídios oficiais, sobretudo por meio da compra de um determinado número de exemplares (depois armazenados, como já outros bem informados têm denunciado). Os livreiros galegos declaram que os livros galegos não se vendem. Basta observarmos as montras das livrarias e vermos quantos livros galegos há expostos. (Naturalmente, não se incluem nesta situação as poucas e meritórias livrarias que desenvolvem um apoio consciente ao livro galego). E talvez podemos acrescentar que, dos poucos que se vendem, poucos se leem. Os que a gente compra e lê são os best-sellers espanhóis do momento, que os meios de comunicação dominantes promovem.

A cultura galega vive, pois, numa atmosfera gerada artificialmente.

Agora os nossos escolares ainda encontram os autores da literatura galega nos seus planos de estudo. Mas por quanto tempo vai seguir sendo assim? Noutras palavras, por quanto tempo os políticos (que são os que estabelecem os planos de estudo, os subsídios às edições, etc.) vão seguir apoiando uma língua que nunca falaram nem sentem? Quando lhes faltar a experiência vital da língua é de temer que os políticos acabarão por não ver sentido a manter uma artificiosa “alimentação intravenosa”… Alguns já o estão dizendo, e podemos ver o que está a ocorrer já em Valência ou nas Ilhas Baleares. Vai ser melhor o nosso futuro?

Não é de prever um desmoronamento geral de todo o sistema cultural galego? Na realidade, esse desmoronamento já está acontecendo, embora de maneira menos aparatosa do que poderá ser o seu colapso final.

Apêndice

Víctor F. Freixanes

Unha lingua para o futuro

(“Vento nas velas”)

(La Voz de Galicia, domingo 26 de março de 2023)

Alumnas de secundaria dun instituto da Coruña pregúntanme polo futuro da lingua galega e amósanme a súa preocupación: «por que o idioma perde falantes? Os nosos avós aínda o falan na aldea, pero os nosos pais xa non». Os pais viñeron vivir á cidade contra finais do pasado século, en realidade xa se criaron na cidade, aquí se coñeceron. Elas, as mociñas, criáronse en castelán. Só cando van á aldea, visitar os avós, senten a lingua arredor, e quixeran que as cousas non fosen así. «Como podemos recuperar o galego?», preguntan.

Parece unha pregunta inocente. Pero non o é. Están pedindo respostas. Pertencen a unha xeración nova que, aínda que non o pareza, embarullados que estamos na anestesia social, manteñen o espírito crítico, se cadra dun xeito máis instintivo que consciente, case diría que para sobrevivir. Saben que o mundo lles vai pedir respostas, obrigadas a posicionárense diante das encrucilladas que se aveciñan; incluída a propia identidade, alicerces sobre os que construír un proxecto de futuro (persoal e colectivo).

Poida que sexan minoría. Sempre foi así. Mais son a panca que ha de mover o mundo.

No concello de Ames rematou estes días outra fermosa experiencia: Modo Galego. Actívao, unha invitación a que, con naturalidade e sen obrigacións, coma quen propón un xogo, ou un desafío, rapaciños e rapaciñas usen durante tres semanas a lingua na escola, nos recreos, na casa, cos amigos, coa familia, en todas partes e a todas horas: unha lingua que, na meirande parte dos casos, é lingua de seu, mais que vive agochada nos faiados da memoria (os pais e os avós temos que facer unha reflexión sobre o que isto significa), e alí onde non é lingua de seu convertela en lingua de relación e afectos, invitando a participar nela os que veñen de fóra ou non a teñen viva na casa.

Algo imos mellorando. Segundo os barómetros do Goberno de Francia, o galego ocupa o posto número 37 entre os idiomas máis destacados no mundo por cultura e influencia social: 634 escolmados contra case 6.000 que hai no planeta, a inmensa maioría dos cales non sobrevirán ao século. Non ha ser o noso caso, afortunadamente.

Velaí as mociñas coruñesas. «E haberá algún método para aumentar o número de galegofalantes?», preguntan. Traballar máis activamente na escola, dende os primeiros anos. Concienciar as familias de que a transmisión da lingua de pais/nais a fillos/fillas é unha riqueza, ademais dun acto de amor. Potenciar o idioma nos medios de comunicación e nas redes sociais. Animar a creación de produtos audiovisuais e interactivos, música, videoxogos, para que a lingua galega estea máis presente nas industrias da comunicación e o ocio. Avivar a lectura. Promover espazos para o galego na administración, na publicidade, no comercio, no deporte… Pero moi especialmente nos dous primeiros ámbitos: a familia (que é o principio de todas as cousas) e a escola.

[Este artigo foi publicado originariamente em praza.gal]