O “galego” é sempre “português”

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Leio num comentário na rede sobre o debate linguístico na Galiza: “Eu de momento non vexo o uso do portugués nunha comunidade de veciños, eu non o vexo”. (Por sinal: esta mesma frase não deixa de ser português pelo feito de estar escrita numa ortografia diferente, pois a sua expressão oral não mudaria se a escrêssemos: “Eu de momento não vejo o uso do português numa comunidade de vizinhos, eu não o vejo”).

Lembranças

Lembro, dos tempos da minha mocidade, que quando pelos anos 50 e 60 o Celta de Vigo vinha jogar à Corunha ou a Ferrol a afição local insultava os seguidores do Celta berrando-lhes “Portuxeses!, portuxeses!

Deixando a um lado a carga intencionalmente ofensiva do caso, no fundo está o feito de que, efectivamente, para um falante galego do Norte ou do Nordeste da Galiza a fala popular tradicional não só de Vigo mas também de Cee ou de Muros ou de Aguinho ou de Cangas tem muita aparência de fala de além Minho, especialmente pelo sesseio e pela maneira de articular o som do s.

Também recordo a estranheza que, como nativo do extremo centro-setentrional da Galiza, senti quando, já moço, ouvi por primeira vez falantes da área atlântica meridional: soava rara a nasalidade em “irmám” onde nós dizíamos “irmao”, e, mais ainda, em “cans” onde nós dizíamos “cás”. (Como se sabe, o sistema fonológico do galego centro-oriental não admite o grupo NS em posição final de palavra, e assim, por exemplo o plural de algum é algus ou algunhos, não alguns).

Permito-me contar ainda outra experiência pessoal, esta de tempos posteriores. Num curso de galego para adultos que imparti em Ferrol pelos primeiros anos 80 fiz escutar ao alunado uma gravação de notícias radiofónicas de uma locutora brasileira. Perguntei-lhes: “De que zona credes que é esta rapaza?” Resposta comum imediata: “Das Rias Baixas”. Nesta resposta influiu provavelmente o feito de que as notícias se referiam a acontecimentos da Espanha; de qualquer modo, o meu alunado não só não tivera dificuldades da compreensão da fonética brasileira, mas crera estar ouvindo falar uma moça que podia ser, por exemplo, de Moanha.

Num curso de galego para adultos que imparti em Ferrol pelos primeiros anos 80 fiz escutar ao alunado uma gravação de notícias radiofónicas de uma locutora brasileira. Perguntei-lhes: “De que zona credes que é esta rapaza?” Resposta comum imediata: “Das Rias Baixas”.

O “português” dos vizinhos

Português o galego falado na área sud-ocidental da Galiza? Voltando à frase do comentarista: na realidade, o que falam(os) os vizinhos galego-falantes numa junta da comunidade de qualquer lugar da Galiza (também no Norte) é, simplesmente por ser “galego”, já português. Claro que pode estar –e quase sempre estará, sobretudo nalguns falantes– contaminado de castelhanismos vários que, infelizmente, o vão afastando cada vez mais da sua autenticidade originária e o vão transformando em dialecto castelhano; porém, neste caso não estamos perante a questão de ser ou não ser português, mas de ser ou não ser castelhano…

Os vizinhos que na sua junta da comunidade falam galego estão falando, por isso mesmo, português. Assim é como devemos ver (e ouvir) o –sempre melhorável– “português da Galiza” que falam todos os galego-falantes.

Ora, se é assim, porque não escrevê-lo e chamá-lo como se faz no resto do mundo? Temos muito a ganhar com isso –sem perdermos nada.