Fernández del Riego e o reintegracionismo: o prólogo do seu livro Escritores de Portugal e do Brasil

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A posição de Francisco Fernández del Riego a respeito do reintegracionismo linguístico galego-português (isto é, da identidade entre a língua da Galiza e a do mundo luso-brasileiro: Portugal e as suas antigas colónias, incluído o Brasil) mostra-se-nos algo ambígua, e até oscilante segundo as épocas.

A isso contribuiria, em boa medida, a sua insegurança acerca do que era autenticamente galego em assunto de língua: fora criado em ambiente vilego e castelhanizante, e a ele próprio ouvi lamentar-se de que tinha pouca experiência da fala popular. A sua formação escolar foi, como em geral a da época, de exaltação da língua espanhola e de menosprezo do galego. (Se a memória não me atraiçoa, num dos seus primeiros escritos, publicado na revista mindoniense Vallibria quando era pouco mais que adolescente, manifestava-se castelhanista e contrário ao galego; mas logo mudaria de atitude. Nisto, como bem dizia Otero Pedraio, “todos somos conversos”).

Com respeito ao reintegracionismo, nos seus escritos podemos descobrir manifestações de sentido aparentemente oposto, e mesmo contraditório.

Por um lado, a sua longa amizade com Carvalho Calero e a velha admiração por Rodrigues Lapa, juntamente com o conhecimento pessoal de Portugal e do Brasil, tornavam-no bem disposto a assumir um futuro lusófono para a Galiza. E a esta atitude corresponderão várias afirmações suas, entre elas o limiar ao seu livro Escritores de Portugal e do Brasil (publicado em 1984 e em si mesmo um bom sintoma da sua sensibilidade lusista), cujo texto reproduzo mais adiante.

A sua longa amizade com Carvalho Calero e a velha admiração por Rodrigues Lapa, juntamente com o conhecimento pessoal de Portugal e do Brasil, tornavam-no bem disposto a assumir um futuro lusófono para a Galiza.

Mas, por outro lado, condicionado talvez pelo círculo mais próximo de colaboradores (Ramom Pinheiro, Garcia Sabell…), reagia contra o movimento reintegracionista, não porque considerasse errada essa proposta mas porque atribuía maior valor à unidade da cultura galega numa única norma linguística, que seria a da Real Academia Galega.

No entanto, isto não significa que compartisse a ideologia desmembradora promovida pelo Instituto da Língua Galega, perante o qual mostrava a mesma atitude geral de todo o grupo de Galáxia: via naturalmente com simpatia o trabalho universitário de investigação dialectológica ou histórica, mas sentia pouco entusiasmo ante a posição do ILG em assunto de normativa linguística.

A «Nota limiar»

O seu livro Escritores de Portugal e do Brasil foi publicado pelas Ediciós do Castro, de Isaac Díaz Pardo, em 1984, com 228 páginas. Está constituído por breves artigos sobre escritores portugueses e brasileiros dos séculos XIX e XX, “desde a época romântica até hoje”; ele denomina-os “estampas biobibliográficas de corte impressionista”.

No prólogo afirma repetidamente a unidade linguística galego-portuguesa ao mesmo tempo que lamenta o escasso conhecimento entre nós dos autores lusófonos apesar de “formarem parte da mesma área lingüística”. Com o livro pretende incitar os leitores galegos a frequentar esses escritores “da nossa mesma fala”.

Transcrevo a seguir esse prólogo (que ele denomina “Nota limiar”) em normativa reintegrada.

Nota limiar.

Pese a formarem parte da mesma área linguística e a ter na Galiza a sua origem primitiva de expressão, as letras de Portugal e do Brasil são pouco conhecidas entre nós. Este volume que agora apresentamos tenciona ajudar ao leitor galego a frequentar os escritores contemporâneos da nossa mesma fala que, em ambos os países, deram a essa língua um significado universal.

As estampas biobibliográficas de corte impressionista que figuram nestas páginas não abrangem, logo, todos os autores representativos que se deram a conhecer desde a época romântica até hoje. Trata-se de uma escolha incompleta, produto das leituras mais frequentadas por quem a realizou, pero que pode servir para estimular o conhecimento directo da obra dos escritores luso-brasileiros aqui evocados.

O livro é, certamente, breve, e são poucas as páginas dedicadas a cada autor. Não obstante, pretendeu-se reflectir nelas uma visão pessoal, ainda que sumária, do que as figuras literárias respectivas e as suas criações nos sugeriram. Vem a ser, pois, um bosquejo preliminar o que oferecemos, que pode ajudar a outros a um estudo mais profundo. Em todo o caso, o cometido que ao volume atribuímos é o de procurar uma “incitação a ler”, aos galegos, as produções de quem proporcionaram dimensão universal à língua que no nosso país se forjou nos tempos medievais.

Francisco Fernández del Riego, Escritores de Portugal e do Brasil, Sada – A Corunha: Ediciós do Castro, 1984, pp. 7-8.