O Presidente da RAG nom fai caso do DRAG

Partilhar

Henrique Monteagudo, recém-proclamado Presidente da RAG, assina o fascículo 6, intitulado «Castelao na revista Nós e no Seminario de Estudos Galegos» (abril de 2025), da muito instrutiva coleçom do Nós Diario sobre o autor do Sempre na Galiza. Se olharmos com atençom para o vocabulário utilizado na composiçom desse caderno, nom poderemos deixar de notar umha série de chamativas anomalias, que aqui nos interessa analisar para deitarmos luz sobre a falhada codificaçom oficialista do galego.

Em primeiro lugar, por honestidade intelectual, temos de consignar a anomalia de o presidente de umha academia de língua incorrer, num texto como o focalizado, em lapsos expressivos tam conspícuos como os seguintes: na pág. 3, utiliza a expressom *xogar un papel, indevidamente decalcada do francês/inglês, pola correta em galego-português desempenhar um papel; na pág. 5, confunde testemunha ‘pessoa que presta testemunho’ com testemunho: «achegas etnográficas, *testemuña da atención prestada á cultura popular»; na pág. 5, usa indevidamente o verbo encetar, que é de regime transitivo, como intransitivo: «As xornadas *encetaron [por principiaron/comezaron] coa abertura da mostra» (ou seja, enceta-se algumha cousa, mas nom se pode dizer que algumha cousa encete!), e, na pág. 2, utiliza o crasso vulgarismo ambas as duas («Ambas as dúas abrían canles inéditas»): seria ele capaz de utilizar *ambas (las) dos num texto seu escrito em castelhano?!

Em segundo lugar, H. Monteagudo, neste texto como noutros anteriores, utiliza vários neologismos pós-medievais incorporados ao galego a partir das covariedades lusitana e brasileira que nom figuram na atual versom do DRAG, a qual, eventualmente, propom os correspondentes castelhanismos supletórios (!). Assim, na pág. 2, camadas intelectuais (o DRAG, com o sentido de ‘estrato’, propom, em geral, o cast. *capa, embora, numha contorçom incoerente, também admita camada para denotar estratos sociais); pág. 2, 3: comicio ‘reuniom política’ (DRAG: *mitin); pág. 3, 5, 6: contributo ‘contribuiçom’ (DRAG: só contribución); pág. 3: destarte ‘deste modo’ (DRAG: ausente); pág. 3, 5: vir a lume ‘ser publicado’ (DRAG: ausente); pág. 6: carimbo ‘selo de tinta, chancela’ (DRAG: selo). Fique claro que nom é anómalo que Monteagudo aqui use neologismos habilitados através da coordenaçom lexical com o luso-brasileiro, pois tal medida é boa e indispensável para o galego, e até fica respaldada polo princípio codificador IV das normas da RAG=ILG, que afirma que «[p]ara o arrequecemento do léxico culto, nomeadamente no referido aos ámbitos científico e técnico, o portugués será considerado recurso fundamental». No entanto, é vincadamente anómalo, para já, que o nosso autor, neste texto, coadune o uso desses neologismos de origem luso-brasileira com neologismos de cunho castelhano, como *cabeceira ‘cabeçalho de revista/jornal’ (pág. 3), *celebrar ‘realizar comício/reuniom’ (pág. 5), *fito ‘marco, facto fulcral’ (pág. 5), *no marco de ‘no quadro de’ (pág. 6), *portada/tapa ‘capa de revista’ (pág. 3, 5) ou *prensa ‘imprensa’ (pág. 2), porque a determinaçom da proveniência de cada neologismo utilizado é completamente pessoal e arbitrária, e porque, em qualquer caso, aí predomina, com efeitos disfuncionais, a castelhanizaçom neológica. Caos lexical, este, acrescentado, por sinal, pola inclinaçom do nosso autor a usar artificiosos diferencialismos nom regeneradores, como *dunha banda ‘por um lado’ (pág. 2), *co gallo de ‘por ocasiom de’ (pág. 2), *arela ‘ánsia’ (pág. 3), *artellar ‘organizar’ (pág. 5) e até *pular ‘cobrar ímpeto’ («o SEG comezou a pular» [!!], pág. 5).

Além disso, e sobretodo, é anómalo, e muito prejudicial para o galego, que, para o oficialismo, a regeneradora coordenaçom neológica com o luso-brasileiro seja mera opçom pessoal de uns poucos intelectuais esclarecidos, por estes praticada de forma caprichosa e errática (insuficiente, assistemática) e à margem do DRAG, quando se verifica que este dicionário, menorizador do galego, de qualidade deficiente e atulhado de neologismos castelhanos, é considerado polo povo, através do avassalador reflexo do DRAE, como verdadeira «bíblia lexicográfica». Ideia nociva, esta, que a própria RAG reforça através da legenda, contundente, pretensiosa e falsa, que inseriu no seu sítio internético: «Este dicionario establece a norma da lingua galega no referente ao léxico». Se Castelao, clarividente, manifestou o seu desejo de o galego se regenerar através da confluência (e até confusom!) com o português, e se o Presidente da RAG, acertando, escreve comicio no sentido de ‘reuniom política’, que havemos de pensar da RAG, cujo dicionário nos propom *mitin?! Nestas circunstáncias, enfim, um paradoxo se desenha: o único dicionário que permite umha inteligência cabal dos textos do Presidente da RAG é … o e-Estraviz!