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“Meu nome é Laura” chega para discutir a transexualidade e incomodar os tabus

Meu Nome é Laura” (Confraria do Vento, 2024), o mais recente romance de Alex Andrade, é uma obra que se destaca pela sensibilidade e pela profundidade com que aborda temas relevantes em uma sociedade conservadora.

A narrativa é contada nas perspectivas de Pedro, seu filho Pedrinho e a própria Laura, proporcionando uma visão multifacetada da luta por aceitação e amor incondicional.

Enquanto Pedro tenta oferecer o apoio que não recebeu, sua esposa Heloísa representa a resistência e o preconceito que muitos enfrentam em suas jornadas de autodescoberta.

A rejeição de Heloísa e a falta de compreensão em relação à transexualidade de Pedrinho criam um ambiente hostil, revelando a crueldade que pode existir dentro das dinâmicas familiares.

Este é o décimo quinto livro do autor, que já conquistou reconhecimento, incluindo uma semifinal no Prêmio Oceanos de literatura em 2023.

Uma obra essencial e urgene para confrontar os tabus que boa parte da sociedade brasileira insiste em deixar na obscuridade ou “varrer para debaixo do tapete”, abandonando as pessoas à marginalidade.

Em 2023, 145 pessoas trans foram mortas no Brasil, uma a cada três dias; conforme aponta levantamento inédito da Associação Nacional de Travestis e Transexuais – Antra.

O Espaço Brasil conversou com o Alex Andrade e a seguir, acompanhe as principais respostas.

Espaço Brasil – O que o ou quem o inspirou a escrever “Meu Nome é Laura” e como a história se relaciona com suas experiências pessoais?

Alex Andrade – Acho que a história se relaciona com a vida em si.
Cada um de nós tem vivenciado as mudanças no comportamento da sociedade e a necessidade de ficar antenado com o que sempre esteve aqui.
Quando pensei em escrever um livro onde a narrativa traz a construção de uma identidade sabia das responsabilidades e do cuidado que teria que ter em tratar de um tema que não deveria mais ser um tabu.
A inspiração veio da coragem e muito também da coragem que essas pessoas têm de ser o que são, enfrentando todos os obstáculos, um mundo inteiro vindo contra, os dedos em riste e uma sociedade arcaica e preconceituosa. Então, a partir desse ponto, fica claro que a relação dessa história comigo é puramente uma necessidade de fazer o leitor refletir, entender que é isso e sigamos em frente.

Como você desenvolveu as personagens de Pedro, Heloísa, Pedrinho e Laura? Quais foram os principais desafios na construção de suas identidades?

Essas personagens são muito complexas, em se tratando do seio familiar, tudo se torna desafiador.
Uma vez me perguntaram por que insisto tanto em trazer a família a tona nos meus livros, eu vejo que essa pauta nunca envelhece ou se torna repetitiva, bebi na fonte de Nelson Rodrigues, Janete Clair, e tantos escritores que trouxeram o ambiente familiar para as suas obras. E desenvolver essas personagens  foi um desafio desgastante e ao mesmo tempo instigante. São figuras que se cruzam e se entrelaçam no emaranhado da vida. E isso faz com que cada uma delas tenha personalidades distintas a ponto do enredo ser o que é.

Em uma sociedade acostumada ao “pai ausente”, como as pessoas estão recebendo (ou você acha que receberão) Heloísa? Principalmente, ao lerem citações como “Heloísa repudiava o filho veementemente com palavras duras e cortantes que ia deixando cair pelo caminho”.

Até o momento as pessoas estão entendendo que a história segue por esse viés e estão achando curioso o fato dos papéis se inverterem.
Existem pais que acolhem também, e existem mães que não. Eu optei por sair do óbvio e experimentar também a possibilidade do “pai ausente ” de repente encarar uma história que o possa fazer refletir ” posso fazer mais” etc.

Seu livro aborda temas sensíveis, como identidade de gênero e sexualidade, em uma sociedade conservadora. Como foi o processo de pesquisa e reflexão para tratar desses temas com a delicadeza necessária?

A minha maior preocupação é escrever, contar uma história.
Acho que para refletirmos é necessário trazer o assunto para a mesa, tocar, falar, expor. Sem debate não há solução.
Se a gente não toca no assunto, ele permanece e vai crescendo e criando camadas que podem se tornar mais dolorosas e imbatíveis. Quando eu trago assuntos sensíveis é porque eu quero fazer a roda girar e para que mais pessoas venham ajudar nesse movimento.
Claro que para isso é preciso ter cautela e respeito. A abordagem de temas como esse e de tantos outros tem que ser honesta, precisa de olhares, afetos e muito mais, sensibilidade.
Eu apanhei muito para trazer essa ideia e botar numa história. A minha luta Interna, por muitas vezes, saí nocauteado.  Não foi fácil, nunca é. Mas não se pode desistir.

De que maneira você acredita que “Meu Nome é Laura” pode contribuir para discussões sobre preconceito e aceitação nessa sociedade conservadora?

O livro está aí. Nós estamos vivenciando um movimento em que as pessoas estão engatinhando ainda para entender, não é de um dia para o outro.
As mulheres tiveram uma vida inteira de apagamento histórico e ainda estão lutando pelo seu lugar. “Meu nome é Laura” vem somar com as pessoas trans nessa luta por aceitação e respeito.

Quais foram os principais desafios que você encontrou ao escrever sobre uma personagem que enfrenta conflitos tão profundos com sua própria identidade?

Todos os desafios possíveis.  Primeiro eu precisei nutrir o meu olhar, sentir, estudar, refletir.
É uma batalha crucial que eles/elas enfrentam desde cedo, eu fico pensando nas pessoas que vieram antes, em tempos que a liberdade não era como hoje em dia.
Era uma guerra com fim anunciado: o derrotado é você. E isso me nutriu, ver essas histórias de muito tempo atrás, as agressões, a violência, os crimes, tudo porque você não pode ser diferente, não pode ser do jeito que você quiser. Aconteceu com as pessoas trans, com as mulheres.
O tribunal humano não tem perdão.  E a partir disso os meus maiores desafios foi tentar trazer para uma história de uma personagem atual, toda a carga que esse assunto tem de muito tempo atrás.

Qual você considera ser o papel da literatura na promoção da empatia e da compreensão em relação a temas como a transexualidade?

A literatura, assim como a arte no todo tem um papel fundamental na formação do ser humano.
Você assiste a um bom filme e te desperta uma sensação, assim como um espetáculo de teatro, dança, ou mesmo quando você escuta uma música. E com a literatura não é diferente: no caso do livro “Meu nome é Laura”, acho que a gente vai acompanhando cada detalhe, centímetro por centímetro de como essa construção vai sendo moldada.
Dá para, ao menos, ter um pouco de sensibilidade em relação ao fato que é tratado na história.
Então, a literatura nos move e comove, e é exatamente nesse ponto que temas urgentes como esse precisam ser trazidos, seja na televisão, no teatro, nos livros.

“Não sei se sou o que acredito, mas desejo ser de verdade”. Em sua opinião essa frase de Laura resume a busca desesperada em um tempo de relações efêmeras e digitais?

Acredito que essa frase faça parte de uma construção diante de toda a adversidade que ela enfrentou e enfrenta para ter o direito de ser quem é.
E acredito também que ela traz essa fala por conta da necessidade do amor.
E nesse caso, o amor é um caleidoscópio que está sendo preenchido, apesar do medo, apesar da eminência da morte.

Após “Meu Nome é Laura”, quais são seus planos para futuros projetos literários? Você pretende continuar explorando temas semelhantes? 

Estou na fase da maturação do livro, espreitando, é a hora de florir.
A minha cabeça fervilha, mas eu quis trazer uma história delicada, apesar de. E os projetos vêm com muita intensidade e eu estou aqui, florescendo com Laura, abrindo os espaços, escutando, deixando ser.

Contatos com o autor

https://www.instagram.com/alexdeandrade
https://alexlivrosearte.blogspot.com
https://www.confrariadovento.com/editora/catalogo/item/346-meu-nome-e-laura.html

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