Marinha Area é cambadesa. A escola secundária mostrou-lhe mutações linguísticas. A sua mãe foi uma ótima aliada na arena linguística para ela não só falar galega mas ter um bom registo. Ela seria estudante a vida toda. Quando mudou para o galego-português o “Agora porque escreves em português?” não foi problemático, antes ao contrário. Estuda filologia em Santiago e nas aulas da Teresa Moure há bons e ricos debates. Quanto a estratégias, defende não ficarmos nas margens. Estuda na Eoi de Compostela tanto português como galego e julga que o português é umha formaçom complementar para aprimorar o nosso galego devolvendo-o ao seu espaço natural.
Marinha é de Vilarinho, concelho de Cambados. Como era a ecologia linguística da tua infância e da tua adolescência?
Com certeza, as línguas som indissociáveis do seu entorno, ao menos é assim como eu as penso. Vilarinho é umha zona rural e, como é sabido, tem-se ligado muito este modo de viver com a preservaçom da língua. Como criança galegofalante, constato. O galego formava (e forma) parte do meu quotidiano e sentia-me à vontade para falá-lo em qualquer contexto. No entanto, acho que esta associaçom ruralidade-galego deve ser repensada. Explico-me. Já na adolescência, com a entrada na escola secundária e outras atividades que exigiam continuar a minha vida na vila, notava que as mesmas pessoas galegofalantes, ao trespassarem a fronteira da freguesia, automaticamente mudavam para o espanhol. Quer dizer, na altura eu tamém experimentei vacilaçons porque a pressom desta língua era muito forte, mais ainda numha idade em que deitamos muita importância na socializaçom. Mas, às vezes, teimamos em procurar a salvaçom da língua nas “aldeias” quando o verdadeiro problema, a diglossia, atinge todo o território.
A tua mãe desempenhou um papel importante na tua consciencializaçom linguística, não é?
Pois. A minha nai é umha pessoa mui comprometida com o idioma e esse é o enorme legado que sempre me quijo deixar. Num momento em que imperava o lema “O peor galego é o que non se fala” como incentivo para atrair falantes, ela esforçava-se nom só em que eu mantivesse a língua mas tamém em que a aprendesse a falar com as estruturas e léxico de seu, sem a intromissom do espanhol. Assim, as palavras que eu usava de jeito espontâneo ao falar foram sempre as que ela me ensinou “avô, cadeira, estrada, garfo…”, que diferiam das “abuelo, silla, carretera, tenedor…” que se ouviam. A minha maneira de falar, numha zona muito castelhanizada, recebia qualificativos do género de “revelha”, “normativa”, ou mesmo me era atribuído um alto poder aquisitivo! Era criança, mas eu sabia que se o facto de usar as palavras próprias da tua língua causava desconforto, existia um problema. Aliás, isto continua a acontecer: as pessoas que insistimos em fazer um uso normalizado, que nom “purista”, da língua na Galiza batemos com vários entraves para conseguirmos umha comunicaçom eficaz ao empregarmos determinadas expressons. É triste porque, em vez de promover estes usos, continuam legitimando-se glotónimos como o de ‘castrapo’ que, ao meu ver, só vêm para encobrir e nom dizer a palavra tabu: substituiçom linguística. Enfim, a minha mãe foi pioneira em criar umha política linguística para o galego que ainda nunca vimos!
Tens formaçom filológica e estás agora a cursar o mestrado de professorado. Que perfis laborais imaginas para ti?
Eu seria estudante toda a vida. Nom no sentido académico da palavra que, na verdade, chateia-me bastante, mas pelo seu sentido mais etimológico: a responsabilidade única de aprender. No ano passado, graduei-me em Língua e Literatura Galegas na USC. Este ano estou a fazer o mestrado de professorado para me poder apresentar ao concurso público, à vista dum possível futuro laboral como docente da minha especialidade. Infelizmente, conheço em primeira mão as eivas do atual sistema educativo e a formaçom do mestrado nom contribui para animar-nos. Por isso, sem prejuízo do anterior, assomade contemplo outros horizontes mais virados para o mundo da investigaçom. A propósito, venho de assinar um contrato para pessoal investigador de iniciaçom através do qual vou poder desenvolver umha série de tarefas investigativas para a Rede Galabra de estudos na cultura galego-lusófona, sob a tutorizaçom do Elias Torres. À partida, é umha área de conhecimento aparentemente afastada dos meus interesses iniciais (mais linguísticos), sendo assim umha oportunidade ótima para me provar neste âmbito.
A propósito, venho de assinar um contrato para pessoal investigador de iniciaçom através do qual vou poder desenvolver umha série de tarefas investigativas para a Rede Galabra de estudos na cultura galego-lusófona, sob a tutorizaçom do Elias Torres.
Como foi o teu contacto com a estratégia internacional para a língua galega? Na tua faculdade existe este debate no interior das turmas?
Atraiu-me quando ouvim falar dela e atraiam-me as pessoas que a defendiam, mas nom me lembro do momento exato em que isto acontece. Após umha fase de nom aceitaçom e outra de mínimos, resolvim aderir à estratégia reintegracionista ao finalizar o terceiro ano do curso. Falo dessa fase sem pudor a me desdizer: no meu círculo nom existia ninguém familiarizado com o reintegracionismo e receava voltar à criança estigmatizada por falar galego mas agora por escrevê-lo diferente. Era mais cómodo nom ter de explicar-me e inventava argumentos que nom cria. Afinal, nom foi para tanto, e com a mudança verifiquei como do “Agora porque escreves em português?”, familiares e amizades se adaptavam sem problema à nova grafia. Mesmo houve quem tamém a incorporou!
Nas aulas do grau, o pouco debate que existe sobre este tema apresenta-se como algo fechado e da década de 80, onde “já se conhecem os argumentos de uns e de outros”. Desta maneira, tampouco atravessa as paredes da sala de aulas mas, se eu tencionasse referi-lo num café com colegas, geraria incomodidade (gerou, de facto). Isto demonstra que tão fechado nom está. Afortunadamente, tamém cursei matérias de Linguística Geral e aí sim, nas aulas da Teresa Moure, sempre bem-sucedidas entre o alunado, é que pude ver o reintegracionismo representado no dia a dia da aula como mais umha ferramenta de ensino e aprendizagem.
Ora, para mim o debate nom está em ver quem tem mais razão, (reintegracionismo ou isolacionismo) mas no modo em como conseguirmos a normalizaçom do galego na Galiza. O lamentável é que se nessa tarefa só nos guiamos pelo relato oficial e contornamos umha das principais e mais potenciais estratégias que continua a ser defendida e trabalhada por muitas pessoas, então perdemos todas porque partimos dumha visom mui enviesada do que o galego é.
Por onde julgas que devia transitar o reintegracionismo para avançar socialmente? Quais seriam as áreas mais importantes?
Há quem diga que o reintegracionismo tem a sua razão de ser na contra-esfera pública e que só faz sentido na resistência. Bom, habitar as margens é estimulante porque nos dá umha maior liberdade para agirmos como queremos. Mas eu acho que com essa ideia só reforçamos a imagem preconceituosa do reintegracionismo como antagónico e elitista, na vez de ocupar um espaço social a cada vez mais amplo através do diálogo e o acordo entre partes. Precisamos desse espaço porque o galego precisa de novas estratégias. Quando o conseguirmos, a gente deixará de o ver como algo inacessível e deixará de pensar que por escrever -ção passamos diretamente a pronunciá-lo como o fariam em Lisboa, implicando assim umha menor ‘galeguidade’ (que mais galeguidade que o ç a simbolizar o foucinho?). A escrita, como convençom, serve para unificar o que na oralidade representam diferentes musicalidades dumha mesma língua. No entanto, vimos dumha tradiçom linguística que nos ensinou a escrever como se fala, daí a teima dalguns gramáticos em representar por escrito a segunda forma do artigo em galego para favorecer a sua pronúncia. Um razoamento que causa um bocado de preguiça…
Estás também a estudar português na EOI de Compostela com o Fernando Corredoira. Como encorajarias uma pessoa interessada na nossa língua para enveredar por esta formaçom?
O Fernando é um furacão de engenho, de ideias e de propostas para fomentar a nossa boa disposiçom para com o português. Eu gosto especialmente da maneira em que esmiúça as palavras e nos faz refletir sobre a sua significaçom e uso. Simultaneamente, estou a estudar, tamém na EOI, o C2 de galego com a Uxia Castro e isso produz-me algumhas reflexões a este respeito. À diferença do português, amiúde tenho notado a ineficiência de material empírico em galego para administrar as aulas. Caso queiram ser utilizadas como recurso didático, a maioria das produçons escritas ou orais em galego que navegam polo espaço público imediato devem ser revisadas e mesmo modificadas com o intuito nom só de incluir léxico e/ou estruturas que redundem em índices de qualidade linguística, como os infinitivos conjugados ou os futuros de conjuntivo, mas tamém com o de corrigir erros sistemáticos que evidenciam a inexistência de um modelo de língua para o uso. Neste contexto, o contacto com o português é fulcral para aprimorarmos o nosso galego contrabalançando estes usos com a restituiçom das formas e estruturas tradicionais que se usavam de maneira geral ao norte do Minho antes da imposiçom do espanhol e que hoje se conservam de maneira completamente normalizada nesta língua. A fronteira é política, nom linguística, e eu estou convicta de que hoje o galego nom sobrevive sem o oxigénio do português. Contudo, ao invés de caminhar para um ensino integrado, continuamos a aprendê-las como línguas separadas e estrangeiras, ambas.
Porque decidiste tornar-te sócia da Agal e que esperas do trabalho da associaçom?
Porque fiquei sem recursos para esquivar os convites do Maragoto. Estou a brincar (risadas). Desde que nos conhecemos nas aulas, o Eduardo tem sido fundamental na minha formaçom e percepçom da língua. Entrar na Agal era umha aposta que sentia pendente desde havia tempo, mas foi a sua confiança que me animou desde já a pensar que tinha qualquer cousa para partilhar. Som das que pensa que nengumha ideia ou convicçom faz sentido apenas na teoria, que é preciso a sua concretizaçom em propostas que emanem da açom coletiva para incidir na sociedade. Além disso, em tempos de individualismo, o associativismo é umha ótima maneira de tecer cumplicidades com pessoas que arengamos um mesmo discurso, a camaradagem é especialmente importante quando o defendido nom é geralmente aceite ou entendido. Para umha pessoa da minha idade, do trabalho da associaçom espero aprender de dentro, descobrir das dinâmicas aquilo que nom ensinam os livros e fazer cousas com isso. Neste sentido, fum mui bem recebida e já estou metida em algum projeto bem empolgante. Se algo distingue a Agal, é o seu caráter aberto e participativo, umha maneira bastante inusitada de trabalhar em matéria linguística.
Em 2021 somamos 40 anos de oficialidade do galego. Como valorarias esse processo? Que foi o melhor e que foi o pior?
Quarenta anos de oficialidade som mui poucos se comparamos com outras línguas europeias e peninsulares. O status legal do galego é, ainda, umha novidade, levando em conta que nem as nossas avoas nem a grande maioria dos nossos pais e nais medrárom com a presença desta língua no espaço público. No entanto, o surpreendente é que som as faixas etárias que mais conservam o galego, enquanto a mocidade, beneficiária do novo contexto administrativo, apresenta a menor percentagem de galegofalantes da história. Esta situaçom é urgente porque ameaça a transmissom intergeracional da língua e, na sequência da pergunta, evidencia que termos umha cobertura legal é necessário mas nunca suficiente. Do meu ponto de vista, o poder de intervençom sobre a língua está excessivamente concentrado nas elites que dirigem as nossas instituiçons linguístico-culturais. Nom duvido do seu compromisso galeguista [o dessas instituiçons], mas a sua dependência ao Estado Espanhol fai-nas pensar em chave autonomista e limitada. Trata-se de ceder espaço aos movimentos sociais, que sempre trabalhárom a partir da periferia, para tamém participarem nestas decisons.
Em 2021 tamém somamos 40 anos da fundaçom da Agal, que vem para pensarmos de maneira mais global e gizar um roteiro por onde acho mui interessante transitar: o binormativismo.
Como gostavas que fosse a “fotografia linguística” da Galiza em 2050?
Umha Galiza livre e independente com umha língua sem cancelas que, ao mesmo tempo que nos coloca no mundo, tamém nos conecte com outras realidades.
Conhecendo Marinha Area:
Um sítio web: https://www.galizalivre.com/
Um invento: a paz mundial
Uma música: Sés
Um livro: A sociedade do cansaço de Byung Chul-Han
Um facto histórico: o próximo 18F
Um prato na mesa: feito na casa
Um desporto: caminhar
Um filme: A lingua das bolboretas
Uma maravilha: folgar
Além de galega: nova e mulher