Há uns dias atrás a DPG (Associação de docentes de Português na Galiza) lançava um vídeo onde aparecem várias docentes a explicar as bondades de estudar português. Hoje falamos com Maria Vilaverde, responsável pela Comissão de Escolas Oficiais de Idiomas da DPG e chefa do Departamento de Português na EOI de Lugo, para sabermos mais.
Que peso tem o português como língua estrangeira se estuda no ensino da Galiza? E as outras línguas?
Na Galiza, têm-se colocado durante muito tempo todos os ovos na cesta do inglês, e isso é um erro: o mundo de hoje, e o de amanhã, são multipolares e multilíngues, e por isso o inglês não basta. As pessoas galegofalantes temos a fortuna de poder aceder com facilidade a uma língua internacional como o português e não deveríamos continuar a desperdiçar essa oportunidade.
Quanto aos números da matéria de português no secundário (ESO e Bacharelato) estamos próximos a alcançar os 3000 discentes o que é muito pouco. Poderia ser uma cifra muito maior, mas para isso é necessário que alunado e famílias possam escolher a matéria, que ainda não se oferece na grande maioria dos centros do Secundário. Em termos percentuais, o alunado do secundário a estudar português na Galiza nem chega a 3% do total.
Em termos percentuais, o alunado do secundário a estudar português na Galiza nem chega a 3% do total.
Uma das reivindicações da DPG é que seja possível realizar a pré-matrícula em português em todos os centros de ensino, talvez de forma telemática, algo que já está a acontecer em Navarra, a fim de conhecer a demanda real de escolha do Português.
Há outras medidas importantes que poderiam e deveriam ser adotadas, mas isso daria para uma entrevista inteira.
Que percentagem e que cifras absolutas há de pessoas a estudarem português nas EOI?
Na atualidade, existe a possibilidade de estudar português nas EOI de todas as cidades galegas (Corunha, Ferrol, Compostela, Lugo, Ourense, Ponte Vedra e Vigo) e também na EOI de Vila Garcia e na secção de Tui dependente da EOI de Vigo. Há outras EOI: Monforte, Ribadeu ou Viveiro que não têm português e que é importante terem num futuro imediato. Além das EOI também há secções como a do Barco de Valdeorras, Ponteareias ou Nigrám em que, por enquanto, não se pode estudar português mas que seria ótimo que se pudesse fazer. Há na atualidade umas 15 seções de EOI espalhadas pelos maiores núcleos populacionais da Galiza onde ainda não é possível estudar português.
Na atualidade, existe a possibilidade de estudar português nas EOI de todas as cidades galegas (Corunha, Ferrol, Compostela, Lugo, Ourense, Ponte Vedra e Vigo) e também na EOI de Vila Garcia e na secção de Tui dependente da EOI de Vigo. Há outras EOI: Monforte, Ribadeu ou Viveiro que não têm português e que é importante terem num futuro imediato. Além das EOI também há secções como a do Barco de Valdeorras, Ponteareias ou Nigrám em que, por enquanto, não se pode estudar português.
Nas EOI em que há português somamos por volta dos 1000 matriculados no ano letivo da pandemia 2020-21, pois do ano letivo que vai começar agora ainda não há dados. Na Extremadura tiveram no mesmo ano letivo por volta de 1600 matriculados. Desses 1000 matriculados em português nas EOI da Galiza, muitos são professores de galego que depois de serem formados nas EOI, completam horário no secundário lecionando português como 2ª língua e nalguns casos até como 1ª língua; outros são adolescentes do secundário que depois de formados em português na EOI apresentam-se às provas ABAU com português como opção de língua estrangeira e, seja dito de passagem, tiram uns excelentes resultados; e outros inscrevem-se para tirar o nível B1 em português (por ser mais fácil que outras línguas estrangeiras) que é exigido para se graduarem na universidade. Mas também há muito alunado que se matricula em português pelo simples prazer de aprender e poder ler, viajar ou desfrutar ainda mais da cultura lusófona. As línguas estrangeiras que se podem estudar nas EOI onde também há português costumam ser inglês, francês, alemão, italiano e chinês e em cidades grandes como Corunha ou Vigo também é possível estudar japonês russo ou árabe. Há algumas escolas como a EOI de Lugo onde depois de inglês e francês a escolha de idioma com mais matrícula é português, à frente de alemão e italiano, e na maior parte das outras EOI o português é a 4ª língua estrangeira com maior matrícula e esse crescimento a cada ano é mais notável.
Há algumas escolas como a EOI de Lugo onde depois de inglês e francês a escolha de idioma com mais matrícula é português, à frente de alemão e italiano, e na maior parte das outras EOI o português é a 4ª língua estrangeira com maior matrícula e esse crescimento a cada ano é mais notável.
Qual é o papel das EOI, como ensino não obrigatório?
As EOI (Escolas Oficiais de Idiomas) pertencemos à categoria de centros de ensino de regime especial como os conservatórios de música ou dança. Portanto, não somos centros de ensino obrigatório. No entanto, qualquer pessoa a partir dos 14 anos pode ser aluna de uma EOI.
É importante lembrar que as EOI são centros de ensino públicos e que na Europa é uma instituição singular, precisamente por ser pública, pois em todos os países à volta, Portugal, França, Itália ou mesmo Alemanha, não existe uma entidade pública homóloga às EOI no estado espanhol, e qualquer cidadão que precise de certificar um nível do QECR em qualquer língua estrangeira deve fazer através de uma instituição privada como Cambridge ou Goethe para os casos do inglês ou alemão por exemplo.
Temos o privilégio de ter estes centros de ensino público e com professorado especializado com umas grandes qualidades pedagógicas e motivadoras para a aprendizagem de português por um custo por ano letivo completo quase ridículo em comparação com os centros privados, por apenas 92€ qualquer cidadão terá 2 aulas por semana de 2 horas cada uma de setembro a junho e no fim do ano letivo, se tudo der certo, um certificado oficial.
Temos o privilégio de ter estes centros de ensino público e com professorado especializado com umas grandes qualidades pedagógicas e motivadoras para a aprendizagem de português por um custo por ano letivo completo quase ridículo em comparação com os centros privados.
Dentro do alunado de EOI, há um nicho particular de professorado que procura especialização?
As EOI deviam ser a via obrigatória para se formar todo o professorado galego em ativo, e para se atualizar a cada dois anos. Se todo o professorado que leciona uma língua estrangeira no primário e no secundário fosse formado e atualizado cada dois anos com o professorado especializado de EOI teríamos um nível de formação incrível e ajudaria a mudar a forma de ensinar línguas no ensino primário e secundário que ainda carece muito da abordagem comunicativa no processo de ensino-aprendizagem. Quando esse processo estiver consolidado então é quando efetivamente poderiam ser abertas seções bilingues efetivas para formar alunado competente linguisticamente bem seja em português ou qualquer outra língua. É claro que se se fizer em português, a competência linguística vai ser alcançada em muito menor tempo pela facilidade que tem um galego para o português. E a excelência à que se pode almejar será muito maior e mais factível e plausível.
Se todo o professorado que leciona uma língua estrangeira no primário e no secundário fosse formado e atualizado cada dois anos com o professorado especializado de EOI teríamos um nível de formação incrível e ajudaria a mudar a forma de ensinar línguas no ensino primário e secundário que ainda carece muito da abordagem comunicativa no processo de ensino-aprendizagem. Quando esse processo estiver consolidado então é quando efetivamente poderiam ser abertas seções bilingues efetivas para formar alunado competente linguisticamente bem seja em português ou qualquer outra língua.
As EOI poderíamos lecionar muitos mais cursos de atualização linguística e mesmo cursos monográficos dirigidos a setores profissionais concretos. Qualquer enfermeira que está a pensar em ir trabalhar para Portugal devia, dentro do ensino público de línguas estrangeiras, poder estudar um monográfico linguístico da sua especialidade. Ou uma professora de matemática que faz parte de uma seção linguística de português devia fazer um curso monográfico especializado em matemática, portanto as EOI deviam ser uma instituição que fosse primordial na formação do professorado, e não só. Mas para isso precisamos de ter mais professorado nos departamentos linguísticos pois o excesso de trabalho já é assustador com a oferta horária e a elaboração de provas de certificação para além de toda a burocracia de um centro de ensino público.
As EOI poderíamos lecionar muitos mais cursos de atualização linguística e mesmo cursos monográficos dirigidos a setores profissionais concretos. Qualquer enfermeira que está a pensar em ir trabalhar para Portugal devia, dentro do ensino público de línguas estrangeiras, poder estudar um monográfico linguístico da sua especialidade.
O professorado de português das EOI estamos dispostos a lecionar mais cursos especializados e que contribuam para a formação do professorado mas precisamos de mais professorado nas EOI para o poder fazer bem, só para que se façam uma ideia, não há concurso-oposição de português para EOI desde o ano 2008!
Quais seriam os números ótimos, ao teu ver?
Mais do que de números ótimos, penso que haveria que falar de situações ótimas. Quando o Português for oferecido também no Primário e em todos os centros do Secundário; quando se fomentarem intercâmbios escolares e de FCT com Portugal, e consequentemente forem promovidos os programas plurilingues com o português como língua veicular; quando se puder estudar Português em todas as EOI. Portanto, mais do que números devemos pensar em qual é o modelo de expansão para normalizar o ensino de português ao mesmo nível que inglês ou francês em todo o território galego, também é claro, em todas as EOI. Todas as pessoas se encontram na rua, no centro de ensino, na tv ou em geral nas campanhas de promoção de línguas com o That’s English, por colocar um exemplo. A respeito das EOI acho a faltar publicidade e promoção institucional constante para aumentar a matrícula. Mas temos de dizer que os recentes apoios oficiais que a nossa associação está a receber de parte das instituições (SXPL, CRTVG, Conselharia…) parecem indicar uma mudança de rumo que celebramos. Somos otimistas, algum dia campanhas como o “amor à primeira vista” estarão por todo o lado, e talvez de maneira constante também em rádios, televisões, imprensa e cartazes de rua.
Quando o Português for oferecido também no Primário e em todos os centros do Secundário; quando se fomentarem intercâmbios escolares e de FCT com Portugal, e consequentemente forem promovidos os programas plurilingues com o português como língua veicular; quando se puder estudar Português em todas as EOI. Portanto, mais do que cifras devemos pensar em qual é o modelo de expansão para normalizar o ensino de português.
Por que o português nom é a segunda língua estrangeira na Galiza tal como é na Extremadura?
A Extremadura tem assegurado a expansão da matéria em aspetos essenciais como a oferta do Português em todos os centros ou no recente regulamento para a criação de departamentos didáticos. São líderes a nível do Estado no que diz respeito à quantidade de alunado tanto em disciplinas linguística como em AICLE/CLIL em língua portuguesa, no número de centros em que se ministra a matéria, etc. Na Galiza até agora os avanços têm sido tímidos, daí pensarmos que é necessário redobrarmos os esforços e pedirmos um maior compromisso das autoridades educativas. A Lei Paz-Andrade deve ser um documento orientador das políticas públicas nesta área, mas até a altura tem sido muito pouco desenvolvida.
Para fazer uma ideia da diferença, Extremadura contribui com mais de metade do alunado de Português em Espanha, enquanto a Galiza achega à volta de 11%, apesar de que a nossa população escolar mais do que triplica a extremenha.
Extremadura contribui com mais de metade do alunado de Português em Espanha, enquanto a Galiza achega à volta de 11%, apesar de que a nossa população escolar mais do que triplica a extremenha.
A lei de educação da Extremadura de 4/2011 colocou a obrigatoriedade de oferecer português como segunda língua em todos os centros de ensino e recentemente, em 3 de setembro, vem de publicar a “ordem de 31 de agosto” onde passa a incluir o português como matéria com direito a departamento próprio ao mesmo nível que inglês ou francês, facilitando o labor dos docentes e da inspeção educativa. É uma situação que contrasta com o acontecido no passado ano no IES de Tui onde a existência do departamento de português foi colocada em questão por falta de normativa específica que protegesse a sua existência.
Na Galiza temos uma lei específica de promoção de vínculos com a Lusofonia, de âmbito geral bem mais ambiciosa como proposta política pois não atende unicamente ao âmbito do ensino. Porém, passados 6 anos da sua publicação a sua implementação só pode ser qualificada como tímida ou pouco decidida.
Na Galiza temos uma lei específica de promoção de vínculos com a Lusofonia, de âmbito geral bem mais ambiciosa como proposta política pois não atende unicamente ao âmbito do ensino.
Porém, passados 6 anos da sua publicação a sua implementação só pode ser qualificada como tímida ou pouco decidida. No âmbito do ensino, falta normativa concreta, manter a convocatória (e em número muito maior) de vagas da especialidade nas oposições e planificar a expansão da matéria para ser ofertada em todos os centros, isto inclui todas as EOI que estão a faltar como por exemplo a de Monforte que há uns anos realizou uma campanha para que o português fosse uma língua mais nessa EOI e afinal ficou em águas de bacalhau. Outro exemplo de EOI em que é muito grave que não exista a opção de português, é a de Verim, sendo uma localidade localizada na raia e que suporia uma grande oportunidade de formação para as pessoas que lá moram e que têm um contínuo fluxo social e laboral com Portugal como acontece em Tui onde sim se pode estudar português numa extensão dependente da EOI de Vigo.
No âmbito do ensino, falta normativa concreta, manter a convocatória (e em número muito maior) de vagas da especialidade nas oposições e planificar a expansão da matéria para ser ofertada em todos os centros, isto inclui todas as EOI que estão a faltar como por exemplo a de Monforte que há uns anos realizou uma campanha para que o português fosse uma língua mais nessa EOI e afinal ficou em águas de bacalhau. Outro exemplo de EOI em que é muito grave que não exista a opção de português, é a de Verim, sendo uma localidade localizada na raia
Quer dizer, a lei Paz Andrade é abrangente, fruto dum amplo consenso social e permitiria ir muito além da aposta da Extremadura colocando a Galiza a liderar a promoção do português no estado.
Mas ao não ser uma lei específica de educação depende da vontade política e da elaboração de normativa e regulamento na área do ensino. Da DPG já temos solicitado participar em reuniões com a Conselharia para estudarmos em conjunto a melhor maneira de implementar a matéria e estamos sempre abertos a colaborar na elaboração de normativa.
Por que umha adolescente galega deve estudar português?
O português é uma língua moderna que “está na moda” e vai estar ainda mais. Recentemente a DPG lançou uma campanha, o “amor à primeira vista” focada em tudo de bom e atraente que o português pode ter para qualquer jovem.
Aproveitando o verbo com que se realiza a pergunta, trata-se em definitivo de mudar o foco e que não deva estudar português, mas deseje estudar português.
É evidente que o português pode ajudar à hora de estudar a própria disciplina de galego na escola. É também evidente o processo de castelhanização que a língua (nomeadamente entre as pessoas mais jovens) está a sofrer, e o português pode ajudar a assimilar conceitos basilares da gramática comum, e desse modo ver também os conhecimentos de galego como uma vantagem para aprender uma nova língua.
Mas aquilo que o português tem para oferecer aos jovens é mais do que uma simples disciplina: é abrir as portas a novos conteúdos audiovisuais, novas músicas e artistas, novos espaços culturais e novas geografias. Estudar português sobretudo em EOI é abrir-se ao mundo através da Lusofonia de uma maneira divertida. Que faz a diferença com outro lugar qualquer? Uma estudante galega tem a vantagem de avançar a supervelocidade. por isso que nós sempre dizemos “em português um ano conta por dois”. Por isso se estudarem em EOI poderão ir tão longe quanto quiserem (até um C2) e certificar os seus conhecimentos conforme o modelo europeu QCER.
Mas aquilo que o português tem para oferecer aos jovens é mais do que uma simples disciplina: é abrir as portas a novos conteúdos audiovisuais, novas músicas e artistas, novos espaços culturais e novas geografias.
Que medidas são necessárias para a implementação dum nível ótimo de formação em português na Galiza?
Urge oferecer a matéria em todas as EOI, Monforte, Carvalho, Verim, Ribadeu ou Viveiro, estão a faltar e são lugares importantes. Falta é oferecer inscrição em todos os centros de secundário, também onde houver procura como primeira língua, deveria ser alargada a oferta a centros do primário que enviam alunado aos centros de secundário com oferta de português e são necessárias mais seções bilíngues com português no secundário.
Urge oferecer a matéria em todas as EOI, Monforte, Carvalho, Verim, Ribadeu ou Viveiro, estão a faltar e são lugares importantes.
Quanto ao ensino primário, programas como Edulingue até a altura implementado para lecionar 50% de certas matérias em inglês, e com muitas queixas de pais e mães que referem dificuldades de aprendizagem no alunado por causa do inglês, devia era ser implementado com o português, pois o facto de que esse 50% pudesse ser em português em lugar de inglês, não ia apenas diminuir as dificuldades de aprendizagem como também ia contribuir para uma rápida aprendizagem do português e melhoramento do galego. E são precisas campanhas de apoio e publicidade institucionais regulares… Mas a medida principal hoje em dia é simples: mais vagas, mais vagas e mais vagas: Precisamos dum corpo de centenas de docentes no secundário para levar o português a sério. E mais docentes em ativo em EOI, pois a carga de trabalho atual está a ser excessivamente elevada.
Quanto ao ensino primário, programas como Edulingue até a altura implementado para lecionar 50% de certas matérias em inglês, e com muitas queixas de pais e mães que referem dificuldades de aprendizagem no alunado por causa do inglês, devia era ser implementado com o português, pois o facto de que esse 50% pudesse ser em português em lugar de inglês, não ia apenas diminuir as dificuldades de aprendizagem como também ia contribuir para uma rápida aprendizagem do português e melhoramento do galego.
Mudaria isto a situação do galego?
A DPG promove o ensino regrado de português como objetivo principal da associação mas é evidente para qualquer docente da matéria que aprender português é bom para a saúde do galego e termos alunado galegofalante na sala de aulas multiplica a velocidade de aprendizagem. É um lugar comum em que muitos aspetos que entram em confronto com os usos do castelhano (por citar alguns: divergências em palavras comuns entre masculino e feminino, infinitivo conjugado, colocação pronominal) saem reforçados ao estudarmos português, e o alunado ganha também uma visão da sua própria língua que quebra todos os preconceitos, reforçando-a não apenas ao pôr em valor os seus conhecimentos prévios de galego, mas ao entrar em contacto com a língua real doutros países, usada em qualquer contexto comunicativo.