Línguas para não se entender

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ngz199-bomviver-lingua-webUm dos mitos mais repetidos sobre o plurilinguismo na nossa sociedade é aquele que afirma que “as línguas estão para se entender”. O axioma, evidentemente, não é inocente, como demostra o seu uso recorrente para conseguir que uma falante dum idioma menorizado mude para o da sua interlocutora, por ser esta a “língua comum” entre ambas que permite “entender-se”. Contudo, às vezes pode resultar difícil combater a sua suposta lógica: se as línguas não estão para se entender, para quê então?

Para começar, a frase parte duma suposição falsa: a de que o uso de línguas diferentes impede o entendimento. Nunca na história a diversidade linguística impossibilitou um intercámbio entre grupos humanos. As marinheiras euskaldunas e as índias algonquinas criárom um pidgin para comerciarem, e centos de línguas não impedírom que o arabófono Ibn Battuta viajasse no século XIV por boa parte do mundo conhecido, da Guiné à China. Como vai impedir daquela o valenciano que uma falante de castelhano saiba que pedir numa esplanada em Gandia?

Nunca na história a diversidade linguística impossibilitou um intercámbio entre grupos humanos. As marinheiras euskaldunas e as índias algonquinas criárom um pidgin para comerciarem, e centos de línguas não impedírom que o arabófono Ibn Battuta viajasse no século XIV por boa parte do mundo conhecido, da Guiné à China. Como vai impedir daquela o valenciano que uma falante de castelhano saiba que pedir numa esplanada em Gandia?

Além disso, é importante destacar que a função das línguas não é entender-se, senão comunicar-se, e o entendimento nem sempre é um objetivo da comunicação. A latina que responde “No hablo tu idioma” ao polícia estadunidense ou a nativa que se nega a usar a língua da turista que busca uma indicação estão certamente a comunicar algo. E a sua mensagem não seria tão forte se não buscassem não serem compreendidas.

Na realidade, qualquer língua é suscetível de provocar, voluntariamente ou não, a falta de entendimento. O léxico duma determinada profissão, as falas juvenis ou os códigos pessoais identificam grupos humanos ao tempo que os separam do resto, provocando por força a incompreensão. Mesmo o orgulho da fala própria se construe sobre aquelas palavras que cremos não compartidas com outras pessoas: nacho, jato, quel, truta, patatilhas, piru…

A latina que responde “No hablo tu idioma” ao polícia estadunidense ou a nativa que se nega a usar a língua da turista que busca uma indicação estão certamente a comunicar algo.

Mas existem umas variedades linguísticas cuja principal finalidade é precisamente a de não serem entendidas. Os criptoletos são falas secretas desenvolvidas por coletivos humanos para evitar que as pessoas alheias ao grupo (muito especialmente as autoridades) entendam as conversas. Não são línguas totalmente independentes, senão que usam a fala da comunidade para “retorcer” o seu léxico e a sua gramática. Gírias como o verbo dos arguinas, a lafrada, o lapizarro ou o baralhete volvêrom incompreensível o galego de canteiras, alvanéis, cesteiras ou afiadoras.

Alguns termos das gírias passárom mesmo à língua geral das zonas onde se falavam, mas a medida que a necessidade de ocultar as conversas destes coletivos foi minguando, muitas destas falas secretas fôrom perdendo a sua razão de ser e ficando como curiosidades linguísticas ou elementos identitários. A sua existência, porém, lembra-nos que não sermos entendidas pode ser também um dos valores que nos outorgue uma língua. E melhor ainda se a patega não interva frós.

[Este artigo foi publicado originariamente no Novas da Galiza]

Máis de Iván Cuevas