O Estado Espanhol está a viver o começo da que quiçá seja a maior ofensiva contra as línguas menorizadas deste território nos últimos 50 anos. Se até agora as políticas glossocidas se desenvolveram principalmente através do imobilismo ou da resistência à concessão de direitos (sempre lenta demais para frear a perda de falantes), alguns cargos eleitos manifestaram a sua vontade de reverter várias conquistas já estabelecidas, numa mudança de paradigma que não devera ser subestimada.
As primeiras em receber os ataques são, como sempre, as vítimas mais débeis: o aragonês, o asturo-leonês ou o catalão de Valência, às que seguramente se somará, logo de escritas estas linhas, o galego-português em Castela e Leão. Tanto tem quanto falarem de bilinguismo ou dos supostos excessos das políticas de recuperação linguística mais potentes, o objetivo não é outro que a imposição dum único idioma em todo o território que consideram próprio. Assim o mostram claramente as pretensões de eliminar a música em asturiano em Xixón, a fraca lei de Línguas de Aragão ou mesmo os consensos históricos sobre a normativa do valenciano.
Entretanto, as militantes da defesa linguística, que devíamos imaginar outros mundos possíveis, apenas mimetizamos muitas vezes as estratégias que temos à fronte. E isso passa, na nossa contorna, polo monolinguismo como alvo, a defesa a tudo custo duma norma inamovível e o ataque ou desleixo de qualquer variedade dialetal. Além da desvantagem da que partimos com isso, corremos o risco de nos converter naquilo que combatemos. Nunca é possível ganhar usando as armas da inimiga.
Talvez pague a pena olhar para a nova lei de línguas canadiana, pactuada com o governo quebequense, polémica por questões como a imposição de quotas de imigração francófona. Resulta difícil ter empatia com as queixas desde o inglês, língua imposta no Quebec durante décadas, mas uma olhada aos dados gera perguntas inevitáveis. Enquanto a percentagem de falantes de francês se mantivo estável os últimos 70 anos, o número de utentes de línguas indígenas baixou um 7% só entre 2016 e 2021. O monolinguismo dos idiomas grandes sempre se constrói sobre as cinzas dos pequenos.
Existem crianças nascidas na Galiza que têm como língua própria o turco ou o uolofe, e vizinhas que abandonam o quíchua ou o siciliano em que se criaram
A situação da Galiza, é certo, é bem distinta, posto que só uma língua tem origem aqui (ainda que algumas conceições do país incluam, sem problematizá-lo, territórios falantes de asturo-leonês). Mas na atual sociedade global, o conceito de língua autóctone é pouco mais que a translação ao idioma do etnicismo excludente. Sem entrar na difícil questão do castelhano, é evidente que existem crianças nascidas na Galiza que têm como língua própria o turco ou o uolofe, e vizinhas que abandonam o quíchua ou o siciliano em que se criaram.
A nossa responsabilidade para com elas é demostrar que uma língua pode sobreviver sendo generosa com o resto. Que o ataque reacionário está equivocado e que nós podemos desenhar um mundo onde a predominância do galego não implique a eliminação dos seus idiomas. Porque, como dizem em Burela, a mi n sta kontenti ku nha lingua kin teni.
[Este artigo foi publicado originariamente no novas.gal]