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Laura R. Cuba: “A língua continua apelando a multitude de pessoas “

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Laura Ramos é burelá. A presença do galego no seu concelho apresenta mudanças relativamente à experiência da sua irmã. Estudou jornalismo e foi diretora do PGL. Atualmente e professora de galego no IES Plurilingüe Rosalía de Castro, em Santiago de Compostela onde “perro” pode aparecer numa conversa em galego com naturalidade. Para a sua passagem ao galego-português foi fundamental Bernardo Penabade. Em 2050 gostaria de chegar a aulas e que ninguém perguntasse o que é um bidueiro.

Laura Ramos nasceu em Burela. No vídeo do Modelo Burela apareciam adolescentes que, sendo a sua língua materna o castelhano ou ainda outras, se expressavam em galego por ser esta a língua ambiental.

Pois é! Tenho amigas dos anos de ensino secundário que continuam esse modelo: usam umha língua X no lar, mas fora a sua língua social –lá em Burela– é o galego. Acho que isto é umha prova clara da imensa riqueza cultural, linguística e social da minha vila: Burela é conhecida pelo seu caráter cosmopolita e multicultural, por ser lar de múltiplas nacionalidades e cenário de muitas línguas a conviverem… sempre com o galego como língua veicular, entre todas elas. Esta é, de facto, a imagem que eu tenho, mas também a mesma que me devolvem pessoas forâneas.

Em consequência, sinto muito orgulho de poder dizer que som de Burela. Penso que o Modelo Burela logrou inspirar um grande grau de auto-estima em nós, fazermo-nos cientes desta situação de privilégio, aprender a valorizá-la… Porém, também acho justo reconhecer que esta fotografia é antes bem um fotograma, umha imagem em movimento. A Burela dos meus 16 não é a Burela dos meus 28. Vejo-o claramente na experiência da minha irmã mais nova, de 17 anos de idade. Se eu vivi toda a minha etapa educativa com a língua galega como língua natural, ela cresceu já em círculos sociais em que o comum é utilizar o castelhano entre gente moça. Obviamente, ficam muitas pessoas novas que porfiam em usar o galego, mas passeninhamente parece que se quer impor a opção do castelhano como única língua veicular. Como sempre, ademais, ouço as mesmas falácias para suster isto: “é de má educação não responder em castelhano se che falam assim”, “compreendemos todos se usamos o castelhano”, “é mais fácil”, “o galego não serve para nada fora da casa”, etc.

Estudaste jornalismo e um dos seus efeitos colaterais foi teres sido diretora do PGL. O que nos podias contar dessa experiência profissional e do jornalismo em geral?

O jornalismo foi umha escolha profissional profundamente vocacional para mim. A nível pessoal, adoro o componente de constante estímulo e contacto com pessoas que implica o trabalho. Gosto imenso de poder trabalhar com a palavra e, ao mesmo tempo, em íntimo contacto com a realidade diária do meu ambiente social.

Umha coisa semelhante posso dizer da minha experiência como diretora do PGL. O meu labor no portal permitiu-me albiscar e ver em ação, múltiplas sinergias e agentes pela língua e a cultura galega que trabalham -incansáveis- para manter vivo o nosso país… mesmo muito mais que trabalhando noutros meios galegos! Quer dentro do próprio quadro de pessoas colaboradoras do PGL, quer em iniciativas e entidades alheias, dia a dia era testemunha dumha grandíssima jeira na que todes nós vogamos. Associações, certames, festivais, escolas, recitais, comités, campanhas, projetos de aula, epifanias pessoais… O PGL ajudou-me a ver todo isto, e a acreditar firmemente em que, como coletivo, força temos abonda.

Embora estudasses jornalismo, os teus apetitos acolhiam outras interesses. Na atualidade, és docentes de língua e literatura galegas em Compostela. Como previas que era ser docente? Como o é na verdade?

Pois. É certo que estudei jornalismo por vocação, mas o mercado laboral não oferecia nenhuma saída estável, pelo que segui umha outra paixão: a docência. Hoje em dia leciono aulas de Língua Galega e Literatura no IES Plurilingüe Rosalía de Castro, em Santiago de Compostela

Este centro é muito distinto do meu liceu lá em Burela do que falamos antes. É maior (mais de 1.100 estudantes e por volta de 120 docentes), mais urbano, mais castelhanizado. Antes de chegar, previa que a fotografia sociolinguística ia ser bem mais distinta que a da minha adolescência: alunado e famílias não galegofalantes, com muitas eivas e preconceitos com o idioma…

Na realidade, vi confirmadas algumhas destas impressões. Por exemplo, umha percentagem muito importante dos grupos têm eivas importantes à hora de empregar o idioma, na competência oral e também escrita. Há questões que dão nas vistas como a dificuldade para pronunciar o n velar ou a fricativa palatal surda, a má colocação do pronome átono, a total ausência de fraseologia ou construções galegas, o desconhecimento das conjugações verbais, o uso de tempos compostos… São todas questões que, na minha mocidade, chamariam muito a atenção, e mesmo provocariam riso ou incredulidade. Ninguém pensaria que soaria bem dizer “perro” falando em galego. Porém, agora essa linha já foi cruzada.

Há questões que dão nas vistas como a dificuldade para pronunciar o n velar ou a fricativa palatal surda, a má colocação do pronome átono, a total ausência de fraseologia ou construções galegas, o desconhecimento das conjugações verbais, o uso de tempos compostos…

Porém, é certo também que -felizmente- a realidade calou-me a boca noutros temas. Os preconceitos com o idioma, penso, continuam operando entre a mocidade, mas nas minhas aulas deteto um relacionamento com a língua mais sem complexos. Se calhar também a sua relação comigo como professora de língua filtra as suas achegas, mas deteto que as moças e moços achegam-se à língua com curiosidade e, também, com potencial afeto. E gostei muito de ver isto.

Em que medida as aulas de língua galega no sistema educativo obrigatório são importantes na visão que as turmas têm da nossa língua?

Eu acho que é algo básico. A presença da língua galega no currículo ajuda a fixar um limite do que é questionável e o que não. Por exemplo, podemos pensar que o galego pode ser de mais ou menos ajuda para encontrar trabalho na Galiza ou fora… mas quando o fazemos a partir do lugar de poder de ter esta matéria reconhecida legalmente (com todo o aparelho legal, político e público), o lugar do qual argumentos e do qual vemos reconhecida a nossa disputa pela hegemonia… importa.

Lembras como foi o processo para passares a ver, e a viver, a língua da Galiza como sendo partilhada com outras sociedades e países?

img-20191004-wa0024Foi muito lenta. Lembro guardar muita reticência. Ligava esta ideia a certas posturas políticas e isto provocar-me rejeitamento… Tinha dúvidas e via-o como um posicionamento estático e fixo que não compreendia. Tornava-se complexo ver de onde vinha, encontrar alguém que me achegasse umha visão didática e transparente. Faltavam-me, vejo agora, ambientes e oportunidades nos quais achegar-me e empapar-me de referentes lusófonos e reintegracionistas.

Os últimos anos de liceu, contudo, supriram um bocado essa carência. Estudei Português em 1º de Bacharelato com o Bernardo Penabade, e isso foi umha grande explosão de luz. Ademais, o currículo de Língua Galega e Literatura em Bacharelato inclui o estudo da história da língua, a sociolinguística e, em geral, umha maior aprofundamento em temas tratados em cursos anteriores. Tudo isto ajudou-me a encaixar peças, escuitar outros argumentos e desmontar falácias e vieses cognitivos com que convivia. Ajudou-me, em definitivo, a poder escolher com vontade e conhecimento de causa a minha língua. (Fora, claro está, da afinidade natural que já sentia com ela).

Estudei Português em 1º de Bacharelato com o Bernardo Penabade, e isso foi umha grande explosão de luz.

Do teu ponto de vista, quais vias deveriam ser abordadas, ou que públicos, para espalhar esta forma de viver a nossa língua?

Uff… Não o sei. Sei o que funcionou comigo. Sei que a língua continua apelando a multitude de pessoas e sei que o continuará fazendo. Há algo na nossa língua, no nosso país, na nossa cultura… Algo que continua interpelando-nos, a nós e a outras que chegam, mas não saberia delimitá-lo.

Penso que, se calhar, a ampliação e diversificação de vias de ação é umha estratégia inteligente, se é possível manter umha presença ativa e constante em muitos âmbitos ao mesmo tempo. A literatura e o ensino são campos de batalha básicos, mas também sinto que são tanto ou mais todas aquelas outros áreas em que nos movemos dia a dia. As redes sociais, o comércio local, as festas populares, as assembleias de vizinhas, os comités de empresa, o lazer da mocidade… (Questões, todas elas, nas quais já se tem trabalhado a eito muitas vezes…!).

A ampliação e diversificação de vias de ação é umha estratégia inteligente, se é possível manter umha presença ativa e constante em muitos âmbitos ao mesmo tempo. A literatura e o ensino são campos de batalha básicos, mas também sinto que são tanto ou mais todas aquelas outros áreas em que nos movemos dia a dia. As redes sociais, o comércio local, as festas populares, as assembleias de vizinhas, os comités de empresa, o lazer da mocidade…

 

Quais foram as motivações para te tornares sócia da Agal e que esperas do trabalho da associação?

img20211010152304A estabilidade do meu novo trabalho como docente abriu a porta a poder estabelecer um compromisso mais de longa data com a associação. Na verdade, sempre fui muito sensível ao trabalho nos movimentos sociais, mas por diferentes causas, a minha militância nunca passou de ser esporádica. É umha questom que gostaria de corrigir no futuro, achegar algo do que sei e aprender muito do coletivo.

Em 2021 somamos 40 anos de oficialidade do galego. Como valorarias esse processo? Que foi o melhor e que foi o pior?

Insuficiente. Houve fitos importantes, avanços inevitáveis e umha institucionalização que ajudou em certas cousas… O Parlamento da Galiza, por exemplo, é o único de todo o Estado que só emprega o idioma co-oficial como língua de uso público. O uso da língua está instaurado e normalizado, mesmo que seja com multitude de erros e com umha clara ritualização do idioma… Contudo, se bem agora temos um aparelho legal que quer garantir certa proteção e direitos, e umha classe política que aceitou em boa medida esses mínimos… Nós, como país, continuamos a perder seiva por outros lados. Os dados de uso na mocidade, a folclorização, a criação de elites culturais… Parece que o Estatuto petrificou em ámbar a nossa língua, mas umha língua é umha imagem em movimento e acho que nós, como ativistas desta causa, não podemos permitir que a sociedade continue a se mover sem ir da mão com ela.

Imagina a Galiza em 2050. Como gostarias que fosse a “fotografia linguística” nessa altura?

Gostaria de tantas cousas… Gostaria, por exemplo, de chegar a aulas e que ninguém nunca mais perguntasse que é um bidueiro. Ou que ninguém traduza as minhas petiçons, porque não falaremos distinto nem de lugares distintos. Idealmente, gostaria dumha Galiza 100% galegofalante, dumha língua sem feridas, um país com muito espaço para todas, um futuro no que construirmos, todas, tudo.

Conhecendo Laura Ramos

Um sítio web: novas.gal e Twitter

Um invento: o correio postal

Umha música: unidade – das kapital

Um livro: o último que li, “miñán”, de ibrahima balde e amets arzallus

Um facto histórico: 1 de janeiro de 1959

Um prato na mesa: qualquer sobremesa

Um desporto: correr pelo monte

Um filme: Les glaneurs et la glaneuse, Agnès Varda

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