Partilhar

Laura Bugalho: “Transfeministizar a Galiza de Breogán”

bugalho02Laura Bugalho é Diplomada em magistério e licenciada em pedagogia, na especialidade de intervençom social; trabalhou como sindicalista na CIG desde 1992. Ativista LGTB, transfeminista, e a prol dos direitos das pessoas imigrantes participa no Foro Galego de Imigraçom e Stop Despejos Compostela militando também na causa soberanista galega.

No ano 2009 Laura Bugalho ajudou a trazer a tona a trama da chamada “Operación Peregrino” na que 57 pessoas de origem marroquino foram trazidas ao Estado Espanhol com a promessa dum emprego depois de terem pagado dez mil euros. A raiz daquele caso Laura foi acusada de falsidade documental e submetida a juízo.

 

**

mariola 03
Mariola Mourelo

[Mariola]: Cara Laura, prazer conversar contigo após tanto tempo em que não tinhamos coincidido. Acho que a última vez foi na palestra sobre transfeminismo na Comuna da Corunha, não foi?

[Laura]: Assim foi. Foi no CS A Comuna, uma jornada muita grata na qual encontrei pessoas queridas que havia bem tempo que não via.

[M]: A Laura é uma pessoa que eu conheci há tempo no feminismo e que admiro imensamente por essa qualidade que tu tens de conjugar a militância política com a construção e mantimento de afectos e sinergias, podíamos nomeá-las sinergias “transmaricobolhofeministas” tanto cá na Galiza como além das nossas fronteiras.

Ligada não só ao transfeminismo mais também os direitos da migração e a qualquer luta social e política que possa surgir e onde se precise a tua participação.

[L]: Algo que gosto sempre deixar manifesto após de mais de vinte anos a trabalhar com a imigração é o facto de que todas nós somos imigrantes. Somos imigrantes em quanto sistema de opressão se nos exerce. Imigrantes no sistema patriarcal, heteropatriarcal, capitalista, colonizador espanhol… E por outra banda na minha vida olhei como as pessoas que nos mantemos nas margens da sociedade – não como vocação, tem mais a ver com questões políticas – interagimos. Somos a realização social e política do experimento de Torricceli dos “Vasos comunicantes”. Ademais disto a soma das nossas lutas supõe o incremento quantitativo e qualitativo da nossa força.

bugalho01

[M]: Realmente tens a fermosa capacidade de ser galega ao mesmo tempo que acolhedora de todas as nacionalidades e identidades possíveis até no cantinho mais pequenino do mundo. Uma ativista generosa e sempre bem disposta.

Bom, então, pois queria começar porque nos falaras um bocado do que é isto do “transfeminismo”? e que lugar ocupa na tua vida hoje em dia?

[L]: O transfeminismo é essa soma de lutas antes parcializadas e que na sinergia criada fão frente comum. O transfeminismo xurdiu dos contactos da luta transexual com as lutas do lesbianismos e das gaidades. Essa interação deu-se a um tempo com os contactos do movimento trans com as feministas para expor, no nosso caso, que ser mulheres trans e ser conscientes da nossa decisão é evidenciar-nos como feministas. Foi na Campanha internacional STOP Patologização da Transexualidade onde a rede trans-marica-bolho-pita-imigrante se tornou em Rede Transfeminista.

[M]: Tem o feminismo galego sabido acolher esta perspectiva que o transfeminismo trouxe ao panorama do ativismo de identidades de género? Quais foram os acertos e as oportunidades perdidas?

[L]: Acho que o feminismo galego, e seus plurais, soube acolher em geral o transfeminismo nos seus mínimos, mas fica muito caminho e rua para maior achegamento. Certamente entender que o HeteroPatriarcado é um flagelo não só para as mulheres, uma questão ainda não resolvida. A violência HeteroPatriarcal é sofrida por quem é divergente do construto mulher/home e heterossexual. É tempo e dedicação a nos conhecer. Convido a todas as feministas a abrirem-se a novos retos e novas realidades, sabedora que a soma de lutas vai-nos fazer imbatíveis.

[M]: E o ativismo de língua? Tem, por exemplo o reintegracionismo sido capaz de integrar estas visões dissidentes do ser no mundo dentro da dimensão linguística da Galiza? Tem sido isto diferente com o galego isolacionista? De que maneira achas ti, se o faz, que poderíamos ter tirado proveito desta luta transversal na nossa mátria e com a nossa língua?

[L]: O ativismo da língua tem-se que fazer visível noutras lutas. Quando lutamos pelo direito ao nosso corpo, a decidir sobre nosso corpo, fazer vigente a luta pela nossa língua. Ou quando uma pessoa imigrante vem à nossa Mátria. Explicar a nossa luta pela soberania é fácil desde o paralelismo da independência dos seus países. Não tenho muito claro da integração destas visões dissidentes do ser se não é no facto individual de pessoas que tentamos ser coerentes com a nossa língua e escrevemos no reintegracionismo. Em geral vejo que o ativismo pela língua está presente no ser transfeminista na opção individual da ativista transfeminista que atua.

bugalho04

Tenho feito a reflexão e paralelismo entre a luta pela soberania do meu próprio corpo com a luta do nosso corpo coletivo (Mátria e Língua) chegando a concluir que sim somos quem. Para mim o fundamental é deixarmos rédea livre ao nosso desejo. Sabemos quem somos, queremos existir? Essa pergunta, feita em singular, foi o meu ponto de saída para chegar a estar eu, Laura, consigo Companheira Mariola. A gente aceitara o desafio? Algumas sim.

[M]: Tomara que sim, companheira Laura. Talvez a intermitente discordância e falta de conexão que com frequência sofremos os diferentes ativismos nacionais galegos passe por essa incapacidade de “transversalizar” no sentido em que o transfeminismo e movimento queer galego foi capaz de fazer. As Maribolheras Precárias da Corunha, por exemplo, muito ligadas contigo e a luta transfeminista, sim souberam evidenciar precisamente esses paralelismos de ser, ou seja de existir numa sociedade que não permite a diferença. Nas suas irreverentes manifestações e totalmente descontrolados atos lúdico-festivos-reivindicativos, sentiam-se à vontade e representadas uma diversidade de ativismos coletivos e seres individuais que poucas vezes se tem experimentado na nossa terra. Ser profundamente radicais sexualmente, politicamente, linguisticamente e feministas… parecia não estar enfrentado com a “confluência” e a inclusão de mais ou menos moderadas visões. E tudo isto da autonomia sem ter querido entrar nunca na arena das instituições como sim fizeram parte do nacionalismo, galeguismo e mesmo feminismo da mão de partidos, sindicatos, etc.

Têm sabido, na tua opinião, sectores mais liberais da “velha política” apanhar os vossos discursos e reivindicações e dar-lhe espaço e vida nas instituições? (BNG, Anova, Esquerda Unida, PSOE…)

[L]: Uf, quase responderia com o final duma anedota contada por um paisano entrevistado numa rádio do estado, “se quer que lhe conte a verdade, mentiria-lhe”. As organizações partidárias acolheram objetivos, mesmo ás vezes só como enunciados, baleirando o conteúdo.

Mas o certo é que o interesse eleitoral fiz que foram assim mencionadas as nossas vindicações como objeto atraente de votos. O que fez que a política partitocratica se movera a ser “velha política” foi, baixo meu ponto de vista, o abandono e desleixo pelas novas práticas políticas externas e o medo a ocupar às ruas partilhando com essas outras agendas umas novas e oxigenantes praxes. Acho que na nossa genealogia de mudança, os partidos políticos auto descavalgaram sem mais reflexão e seguindo um ego nada edificante. É hora de nos entendermos sem outro interesse que o bem comum.

[M]: Tens notado qualquer diferença com os alcaides, que não alcaidesas, “rebeldes” na Galiza? Achas que a estratégia de sair das ruas para lutar contra o sistema dentro do sistema está a ser mais eficaz, mais útil para as reivindicações e propostas transfeministas em particular, transformadoras em geral?

[L]: Apercebo-me da mudança da estratégia e notamos a faltar manter o contato, sei que não é fácil mas cómpre maior interrelação também. Os postulados de cámbio deveriam prevalecer diante do que já ficou ancorado por outros governos anteriores. Mudar tudo e instaura-lo com ânimo de perdurabilidade.

[M]: No IV Encontro de Feministas Autónomas que teve lugar em Fevereiro em Vigo “Contra as Violências Machistas, Iniciativas Feministas” conclui-se que “A maior violência machista que sofremos na atualidade é a negação sistemática (por parte do Estado, meios de comunicação, movimentos sociais e sociedade em geral) da existência duma estrutura patriarcal que atribui papéis de género imutáveis e repressores da diversidade de identidades sexuais, culturais e políticas que realmente existe na sociedade. Um sistema que culpabiliza, limita e invisibiliza particularmente às mulheres, impedindo-nos mesmo reconhecer e denunciar com claridade que o mal-estar que sentimos, seja qual for a sua intensidade, é violência.” Este tipo de “pacto não-falado” de ignorar, desvalorizar, invisibilizar a violência machista é quanto menos arrepiante, estando a viver já no século XXI. Não sei se rir ou chorar. Tu que achas, existe ou não existe o feminismo para a sociedade e a política do Estado e particularmente da Galiza? Reconhece-se a violência machista estrutural como um tema importante a abordar politicamente, socialmente, linguisticamente? Existe pelo menos o machismo ou é uma lenda urbana para eles?

[L]: Existe feminismo, existem feminismos mas não tudo o feminismo é pra tudo. As coordenadoras amplas servem para convocações de mobilizações amplas. Para mim, o feminismo necessário é o feminismo de marcado caráter proletário, aquel que joga desde a inteligência pratica a ir à raiz dos problemas, o feminismo por ende radical. Sabemos que estamos numa época complicada, herdeira do franquismo, por isso saliento e ponho ênfase em empregar a inteligência prática. Na Galiza existe porque existimos, porque temos ánsias de derrubar o machismo, de eliminar a ditadura heteropatriarcal. No Estado espanhol também existem e somos manada.

A violência machista estrutural estão nas nossas organizações mistas. É tarefa primordial ter luta aqui também. No ensino, na saúde,… todas essas parcelas som nossas, nossa é a luta … Lumeeee!!

Existe para muitos e para muitos existe porque nós transladamos a nossa agenda. O gosto do “velho poder machista” nada constrói e deve ser eliminado.

[M]: Estamos sós. Esta foi a desesperante realidade com a que nos encontramos em Vigo. Apesar da implicação durante anos de mulheres feministas nos diferentes âmbitos de construção da sociedade e política galega, o sentimento que temos quando é momento de abordar questões que afetam principalmente às mulheres, como as violências machistas, o assédio sexual na esquerda, a falta de representação nos espaços de poder, as maternidades, a priorização da vida e do bom viver, da economia feminista como base da construção da sociedade… então ficamos fundamentalmente sós. Como fazemos? Tentamos vincular-nos dum outro jeito com esta gente ou começamos a caminhar por outros lares? Transfeministizamos o feminismo?

bugalho03

[L]: Dizia a Compa Rosa Bassave em muitas conversas mantidas: “De derrota em derrota até a Vitória Final”, eis o caminho. Olhar, reflexionar e sempre, sempre atuar. Mais vale fazermos face a este isolacionismo motivado politicamente que ficar por uns outros tempos que hão de vir. E sim, ou Sim, Transfeministemos o feminismo, mas mantenhamos sempre clara a nossa base feminista. A luta deve ser na inteligência da interatuação de todas nós.

[M]: E para finalizar, se quiseres, queria saber como estás ti com o processo legal no que levas já desde o 2009 em que a polícia espanhola está a exercer como principal acusador. Como enfrentas a dia de hoje esta situação de assédio e controle por parte das forças da ordem do Reino. E realmente, Laura, entre nós, és tu realmente essa mafiosa perigosa que nos retratam?

[L]: Váia!! Pois com ansiedade. Durante este tempo olhando de não lhe dar nem ápice às montagens policiais, mas sabendo que nada lhe temos que dar para que eles as montem, e como as montam!! Os primeiros anos, três mui intensivos, o assédio foi nojento e, entre nós, demolidor. Olhar as faces desses tipos lá onde fora, a interação da vida em qualquer motivo e lugar foi desagradável sim. Hoje desejo rematar com estes longos sete anos, estou em pé pela sororidade e solidariedade aqui na Galiza e a nível internacional. Perigosa pra eles somos todas as que ansiamos e lutamos por mudar uma miguinha o nosso entorno, as que nos reconhecemos nas invisíveis. A solidariedade pela justiça social é perigosa, evidentemente para o sistema sim. Eu sou uma mais entre todas nós, amais duma vendetta sei que é um aviso a navegantes.

M: Muito obrigada pelo teu tempo e pensamentos. Sempre uma oportunidade de aprender e expandir os horizontes para quem temos a sorte de te escuitar e ler.

 

A Mesa tramitou mais de um milhar de expedientes em 2023

Areias de Portonovo, uma jornada atlântica da Galiza ao Brasil

A USC comemora os 50 anos da revolução de 25 de Abril que deu início à democracia contemporânea em Portugal

Sónia Engroba: ‘Não somos conscientes nem conhecedores do poder da nossa própria língua’

Novidades Através: 50 anos de Abril na Galiza

Lançamento do livro González-Millán, a projeção de um pensamento crítico, em Braga

A Mesa tramitou mais de um milhar de expedientes em 2023

Areias de Portonovo, uma jornada atlântica da Galiza ao Brasil

A USC comemora os 50 anos da revolução de 25 de Abril que deu início à democracia contemporânea em Portugal

Sónia Engroba: ‘Não somos conscientes nem conhecedores do poder da nossa própria língua’