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José Manuel Nunes: «Nom se me passou pela cabeça a ideia de prostituir ortograficamente a minha obra para ser apresentada a algumha das editoriais galegas»

José Manuel Barbosa – Há poucos dias a brasileira Editorial Manas dava à estampa Um País Oculto pelas Silveiras, um livro de contos centrados na Galiza da autoria do paramês José Manuel Nunes. Com apenas 24 anos, este jovem escritor estreia-se no mundo literário… e tem vontade de deixar pegada.

Estivemos com ele para falar destes seus começos como escritor, das suas influências literárias, dos seus projectos futuros e, claro, da situaçom da língua e as suas impressões a respeito.

É só ler para acompanhar os melhores momentos da nossa conversa:

José Manuel Barbosa – Quando e onde nasceu a tua vocaçom literária? Como surgiu em ti a vocaçom por escrever?

José Manuel Nunes – Talvez foi de modo inconsciente como começou a minha paixom pela palavra escrita. Eu atribuiria a origem a dom Jaime, mestre do Zebreiro que veio dar aulas ao C.P.I. Ramon Pinheiro da Póvoa do Sam Julião, em Lâncara, centro do que chegou a ser director. Ele sempre recomendava leituras muito engraçadas que tinham umha boa acolhida entre o alunado, algo que nom é fácil.

Foi por volta de 1995 que em literatura galega o mestre sugeriu Memórias de um menino camponês, de Neira Vilas. A sua leitura foi singela e fascinante mas, faminto de mais texto, quando acabei o conto agi escrever eu mesmo umha possível continuaçom. Nom sei qual foi o destino daquela primogénita e experimental narraçom mas com o tempo participei em diferentes certames literários e revistas.

No I.E.S. As Mercedes de Lugo fui premiado por alguns poemas, contos e por umha obra de teatro intitulada As gentes falam. Na altura o professor de língua galega, Filipe Cacharron, natural de Cospeito e amigo de Dario Johan Cabana, ajudava-me incansavelmente a depurar a minha técnica narrativa. Ainda acho em falta os seus conselhos pois fica-me muito por aprender. Hoje as pessoas que me conhecem sabem que nom saio da casa sem um caderno e umha caneta.

JMB – Que te levou a publicar este livro?

JMN – Este livro nom teria nascido se nom fosse pela inspiraçom de Made In Galiza, do talentoso escritor Séchu Sende, umha obra singela com imenso significado de fundo, retratada com humor e um brilhante engenho. Em julho de 2008 eu comprei esta fascinante obra cuja leitura me lembrou alguns dos meus contos que também nasceram do amor pela Terra.

Daí tirei a ideia de adicionar o meu pequeno contributo à luta pela restituiçom dos genuínos valores culturais da Galiza, com umha obra capaz de chegar a mais gente do que umha simples brochura independentista. Eis Um País Oculto pelas Silveiras, umha obra que compraze o meu apetite por experimentar o mundo editorial e o mercado literário, umha obra com a qual principiar a maduraçom do meu estilo.

JMB – Publicas numha editora brasileira, como foi isso? Conta-nos o processo.

JMN – Todos sabemos o que acontece com a imersom da literatura no livre capital. As editoras mais conhecidas da Galiza, falo de Edicións Xerais, Galaxia ou Ir-Indo, têm preferência pelos best-sellers, com os quais podem tirar um maior benefício económico, embora a obra tenha ou nom umha boa qualidade literária. Elas guardam o privilégio de censurar, mudando, adicionando ou suprimindo conteúdos próprios do autor, segundo os seus critérios capitalistas e politicamente submissos à autoridade da ordem estabelecida.

É por isto que nom se me passou pela cabeça a ideia de prostituir ortograficamente a minha obra para ser apresentada a algumha destas editorias. Se tivesse que escrever para ganhar a vida como um cesteiro faz cestos, daquela mais me valeria vender enciclopédias a domicílio. Eu escrevo porque é a minha paixom retratar aquilo que sinto no meu interior.

O galego faz parte do português, que tem mais de 260 milhões de falantes, sendo a quinta língua mais falada do Mundo e a terceira no Ocidente. É a língua, entre outros muitos Países de diversos continentes, do Brasil, um gigante em potência com que temos mais similitudes do que nos podemos imaginar a priori e onde a cultura galega desperta um grande interesse.

Após estudar muitos orçamentos de diversas imprensas de Lugo e Sárria, liguei para Manas, umha editora brasileira publicitada no Recanto das Letras, um espaço em que milhares de pessoas do universo da lusofonia, entre elas muit@s galeg@s, postam os seus poemas, contos ou ensaios. A relaçom com Rafael Marczal de Lima, responsável desta editora, foi muito atenta e profissional, bem mais do que as imprensas luco-sarrianas, e muito económica. Os seus termos e propostas de ediçom pareceram-me imelhoráveis. Nom havia mais a falar. Agi estrear-me como escritor com a editora Manas.

JMB – Que projetos futuros tens?

JMN – A verdade é que estou a experimentar com várias ideias que pelo momento apenas som isso, ideias como é o caso de Galiza Online, onde cinco personagens: Pepe, o pepeiro; Carlos, o marxista; a Rastafári; Ricardo coraçom de leom e Ana, a partir de diferentes perspectivas ideológicas e de forma dialogada ao estilo messenger, valoram os últimos acontecimentos políticos na Galiza, como a atual campanha anti-galeguista do governo da Junta ou a situaçom do seitor leiteiro. Também estou a aumentar umha colecçom de poemas costumistas nascidos da paisagem marinha que espero encadernar sob a machete A destilar azul ultramarino.

 

 

JMB – Este livro é de contos, tens vontade de escrever algum romance ou algumha história mais elaborada?

JMN – Tenho, sim. Escrever um romance é o meu grande reto literário. Levo às costas várias tentativas mas ainda nom dei com um trabalho de que me sinta satisfeito, nem tenho mui perfilada a temática que gostava de dar à obra, mas sim a estrutura. Ainda que o argumento é único, o eixo temático apresenta umha natureza dupla ao estruturar a obra em parágrafos pares e ímpares. Cada um dos dous grupos acha significado por separado mas também conjuntamente, recomendando ao leitor começar a ler, por exemplo, só os parágrafos pares e, umha vez lidos, continuar com os ímpares, complementado assim a história narrada. A ideia é oferecer umha obra fraccionada mas com o sabor e o colorido dum romance único.

JMB – A estética da capa de Um País Oculto pelas Silveiras é especial. Fala-nos dela.

JMN – Umha vez tive a obra acabada eu mesmo tentei elaborar o desenho da capa servindo-me do paint, mas resultou num desenho mui pobre com umha silveira sobre fundo amarelo que foi aceite por todas as imprensas de Lugo e Sárria em que encomendei orçamentos. Ora bem, a editora Manas, sem nenhum custo adicional, sugeriu-me um modelo bem melhor. Rafael Marczal disse-me que a proposta inicial estava demasiado pixelada e que me podia sugerir umha alternativa mais luxosa. Daquela pediu-me imagens representativas da Galiza. Com um mapa da Galiza Compostelana, o pendom do reino Suevo e algum motivo celta, Manas enviou-me umha proposta excelente. Maravilha. Já tínhamos capas para o livrinho.

JMB – Que te levou a escrever em galego reintegrado ou português da Galiza?

JMN – Sempre gostei de filologia, de procurar antigos dicionários e gramáticas, de procurar as origens das palavras no galego. Deste jeito, o percurso histórico do nosso idioma levou-me a observar que a ILG-RAG está a defender um ‘galego’ transgénico que nada tem a ver com as verdadeiras origens do nosso idioma. Está a usar a ortografia e a sintaxe do castelhano do modo no qual também pudera usar o alfabeto tsacônico, mas penso que nom é correcto, nom é o adequado.

Espanha é um ambicioso e artificial projecto iniciado umha vez foram concluídas as campanhas de expansom pelo território peninsular de domínio muçulmano, quando Castela se consolida como o reino mais forte e poderoso da península, ao igual que Portugal. Desde esse instante a idiossincrasia castelhana torna-se no padrom cultural da Espanha, com o que se tenta suplantar a identidade galega, basca e catalã.

Neste endereço achamos um claro exemplo com o labor da ILG-RAG ao procurar fazer da nossa fala um mutante issolado do seu próprio passado, umha língua hispânica drogo-dependente da política espanhola. É certo que, estando a populaçom imersa num universo espanholizado, escrever um galego à espanhola é mais cómodo e, sendo a maioria das editoras da Galiza submissas à política hispanista, resulta mais fácil e produtivo economicamente procurar o favor de Xerais, Galaxia, Souto Maior, Ir-Indo, mas, como disse acima, nom se me passou pela cabeça a ideia de prostituir ortograficamente a minha obra para ser apresentada a algumha destas editorias, embora aceitassem publicar ou nom.

JMB – Porque para ti é melhor escrever assim do que na norma RAG? Pensas que acabará por ser aceite a norma do português galego?

JMN – Khalil Gibran disse umha vez “a neve e a tempestade destroem as flores, mas nada podem contra a semente”. Isto é o que acontece com a ILG-RAG e a genuína ortografia do galego. Como acabo de dizer com outras palavras, escrever em espanhol com léxico galego oferece mais chances de ter aceitaçom social na Galiza mas o meu compromisso com o Reintegracionismo é completamente sincero e decidido pelos motivos que venho de argumentar ao longo desta entrevista, embora na Universidade utilize nos exames a norma ILG-RAG por me achar obrigado numha situaçom que bem poderíamos etiquetar de chantagem.

Acabará a norma do português galego sendo aceite? Eu acho que sim, pois a RAG está fundamentada num artifício, isenta de umha justificaçom verídica ou historicamente aceitável e como todo o que é falso tenderá a cair por si mesma. A situaçom cultural da Galiza é verdadeiramente disparatada. “O português, que nasceu na Galiza, hoje agoniza em suas próprias origens, sufocado por imposições castelhanas”, por palavras do talentoso escritor e professor de direito civil Paulo Soriano. O Reintegracionsimo é um movimento intelectual bem organizado e fundamentado. Ele caminha para o futuro orgulhoso de fazer algo tam nobre como é devolver ao nosso idioma a sua verdadeira escrita. Triunfarmos, antes ou depois, é o nosso destino!

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