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(sobre a precoce velhice)
na memória de Ricardo Carvalho Calero, notável poeta

 
é a nova religião que nos afasta,
que desenha líquidas fronteiras
e nos marca a ferro,
surgem por toda parte os hierofantas,
publicam evangelhos a diário,
pontificam nas igrejas do nosso tempo
e na sua litania dizem de nós
que antes éramos amos
e agora empestados,
velhos, porcos, antiquados,
tristes, perdidos, amargados,
reclusos de nós próprios,
silenciados,
é a nova religião que constrói complexos mapas
para as crianças,
elabora taxonomias do sexo
e descreve novas masculinidades,
edifica, enfim, prédios sem luz
definidos por arquiteturas normativas
e reinventa as palavras,
perverte a sintaxe
e humilha a morfologia
da língua e dos corpos,
os crentes cospem palavras de ordem,
mas esquecem a luita de classes,
sonham-se heterodoxos
enquanto erigem mais uma ortodoxia,
e nós, simplesmente,
servimos de alimento para o seu desprezo,
nós, pais inúteis, filhos fadigados,
silentes caminhantes entre o barulho das letras,
anciães precoces, velhos procazes,
inofensivos, caóticos, derrotados,
mas deves saber, contudo,
que nós crescemos
sob a opressão de classe,
sob o pé do macho,
sob o punho do racista,
sob as babas do homófobo,
e deves saber, contudo,
que não precisamos
das lições dos novos sacerdotes,
das estéticas das estilistas da moral,
das poesias dos eternos adolescentes irritados,
das prosas das poetas indignadas
divinizadas por caciques sem feudo,
das ameaças dos pós-modernos ignorantes da modernidade,
não, nós não precisamos
de tribos da nação que não é
nem de manuais puritanos
para enfrentar a vida,
pois somos peritos em perdê-lo tudo:
a roupa, os amores,
a lembrança dos leitos em que sonhamos,
as cadeiras em que choramos,
os livros que nos esquecem,
os aplausos falsos,
as amizades,
poupai, portanto, moralistas,
as vossas lições,
porque falaremos,
e erraremos,
escreveremos,
e erraremos,
calaremos,
e erraremos,
cientes de que aí estará a nova inquisição,
a que nunca erra,
a que marca a ferro,
a que assinala, mas não queima,
para nos lembrar
que só somos cães famintos de juventude,
que não temos direito
nem a falar,
nem a escrever,
nem sequer a calar,
puritanos,
moralistas,
tudo é diverso,
gritam-nos airadas
as novas burguesas,
os funcionários do Estado,
as cripto-filósofas,
os profetas da moral
de barriga cheia
e esplanada de bar,
tudo é diverso
menos a diversidade real:
nós, que vivemos sempre no inverno,
que crescemos
sob a opressão de classe,
sob o pé do macho,
sob o punho do racista,
sob as babas imundas do homófobo,
poupai as vossas lições,
moralistas,
puritanas,
de barriga cheia
e esplanada de bar,
de vermute aos domingos
e autorretratos nas redes sociais,
porque nós estamos sozinhos
e luitamos contra o devir do mundo
na plena consciência
de a nova religião
ser como a velha,
mudam apenas
as faces da canalha
é certo, sim, é certo
tudo sempre
termina mal

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