A Academia Galega da Língua Portuguesa reconhece o 15 de junho a sua trajetória científica, docente e literária nos últimos 40 anos.
Dentro dos atos do 15º aniversário da Academia Galega da Língua Portuguesa (AGLP), terá lugar uma merecida Homenagem ao Académico de Número Doutor António Gil Hernández (Valhadolid, 1941) quem desde o ano 2008 é diretor do Boletim da AGLP. Será um reconhecimento à sua trajetória científica, docente e literária. Decorrerá a homenagem ao longo do dia 15 de junho de 2024 no Centro Cultural da Associação Vista Alegre, Rua Vista Alegre 16, de Bandeira, do Concelho de Silheda (Galiza), lugar de residência do homenageado.
As atividades estão agendadas a partir das 11.00 horas da manhã. Principiam com um acolhimento e honra, com representação da Câmara Municipal de Silleda, Presidente da AGLP, representantes da Associação PRÓ-AGLP, e da vizinhança da Bandeira. Na continuação, por volta das 11.20 será inaugurada uma exposição; pelas 11.40 terá lugar um Painel-homenagem; pelas 12.40 será projetado um vídeo; e, das 13.00 horas em diante, acontecerá o lançamento do livro de António Gil Hernández Johán Vicente Viqueira. João Vicente Biqueira (1924-2024). Poemas e Ensaios, recém-publicado sob a chancela da Através, em edição que promove a AGLP, na sequência da celebração, neste ano, do centenário da morte deste grande vulto da Galiza. As atividades da manhã finalizarão com a leitura de poemas e música. Após o almoço, por volta das 17.30 horas, haverá um encontro no Mosteiro de Carvoeiro.
“Inspirador de várias gerações de estudantes” e “professor de professores”, na Geração da Lusofonia
Em valorização de Rudesindo Soutelo, presidente da AGLP, “O sociolinguista António Gil Hernández, que participou no Acordo Ortográfico de 1990 e é académico fundador da AGLP, inspirou varias gerações de estudantes. A homenagem é um merecido reconhecimento do seu alunado, colegas e amizades, por tantos anos de trabalho em prol da reintegração do galego”.
Ao falar deste acontecimento, Martinho Montero Santalha, professor catedrático da Universidade de Vigo, afirma que “não será fácil resumirmos em poucas palavras o que significa a personalidade de António Gil para o reintegracionismo, e portanto para a cultura galega e nomeadamente para a sua língua, e em definitivo para a Galiza em geral”. Gil Hernández e Montero Santalha têm colaborado em numerosas atividades, iniciativas e projetos desde a década de 1970-1980, entre eles o terem promovido e fundado a AGLP. Montero Santalha –quem também é representante da Galiza na Academia das Ciências de Lisboa– salienta de Gil Hernández “o seu longo e constante trabalho, abnegado e muitas vezes silencioso, e mesmo silenciado, e em labores carentes de rendimento pessoal, juntamente com o seu rigor científico de investigador e de divulgador”. Ressalta a sua “extensa listagem de escritos de toda a índole, de valor permanente, e, além disso, o seu caráter ‘paulino’, isto é, como São Paulo, de ter-se feito ‘galego com os galegos’”. Esses méritos, acrescenta Montero Santalha “fazem dele ‘um dos bons e generosos’. ‘Ad multos annos vivas!’, caro António”, almeja no seu depoimento quem foi o primeiro presidente da AGLP.
Maria Dovigo é a presidenta da Associação PRÓ-AGLP e da Comissão de Cultura da AGLP. Conhece Gil Hernández de longa data, pois foi aluna dele no liceu, na Corunha, e manteve o contato com ele. A respeito desta homenagem, afirma: “De António poderia dizer o que Murguia diz de si mesmo na citação com que abre o seu livro Los precursores: ‘eu faço os outros’. As suas incisivas análises da questão da língua na Galiza, o seu labor como fundador de associações reintegracionistas e, sobretudo, o seu trabalho de décadas como professor de professores criaram espaços para outras pessoas poderem ser em tempos escuros”.
Iolanda Aldrei, a primeira catedrática de Português do ensino não universitário da Galiza, tem colaborado com Gil Hernández muitos anos, e mesmo se considera discípula dele no seu tempo de formação como professora. Para Iolanda Aldrei “Um bom vento trouxe António Gil Hernández de Valhadolid para a Galiza. Como semente boa, arraigou na Terra, aprendeu e ensinou. Poucas bondades, poucas honestidades, poucas ternuras, poucas sabedorias tenho conhecido tão humildes e constantes. Com Rosa, com Saleta e Roi, o António foi lar da minha juventude e mestre de mestres. Com ele um bocado aprendi de sociolinguística, mais um pouco de didática, mas, fundamentalmente aprendi honestidades”. Acrescenta Iolanda Aldrei que “António merece a nossa homenagem e oxalá o encontro na Bandeira seja apenas o começo de um tempo no que reconhecer ao António seja cultivar aprendizagens, abrir portas para quem chegue para ser e estar, como sempre o António é, como sempre soube e sabe estar”.
Ângelo Cristóvão, vice-presidente da AGLP, salienta que “Para pôr em valor o papel de António Gil será preciso um esforço de documentação sobre o seu labor como professor, investigador, sociolinguista, poeta, polemista, conferencista e estudioso da obra literária de diversos autores, entre outras facetas conhecidas, além de fundador de diversas entidades culturais como as Irmandades da Fala da Galiza e Portugal, da Associaçom Galega da Língua, da Academia Galega da Língua Portuguesa, entre outras”. Põe em destaque assim mesmo o seu trabalho de “Articulista em diversos jornais e divulgador da língua e cultura galega, tarefa que iniciou na década de 1970 com a sua vinda à Universidade de Santiago. A partir dessa etapa de estudos formais iniciou um percurso que se parece muito ao que nos âmbitos anglo-saxões se tem denominado serendipity, serendipia, característica comum aos membros da que podemos denominar Geração da Lusofonia. A curiosidade por entender os processos linguísticos levou-o a aprofundar na sociolinguística aplicada à Galiza, valendo-se largamente de técnicas como a análise do discurso. Encontramos na sua obra linguística textos formulados como tese. Noutras publicações regista-se uma brilhante análise do discurso institucional sobre o galego. Exemplos, modelos e literatura que criaram uma escola reintegracionista”. Valoriza Ângelo Cristóvão –quem é empresário galego, e um dos três representantes da Galiza na Academia das Ciências de Lisboa– que “O caminho iniciado por sua conta, sempre participando e colaborando generosamente com diversas associações culturais pró-galego, e o facto de não aceitar factos consumados como o Decreto Filgueira de 1982 que impôs um modelo castelhanizado para a língua da Galiza, acarretaram consequências pessoais e na sua carreira. Podia ter escolhido outra linha mais fácil, mais proveitosa em termos pessoais, mas optou por ficar do lado dos excluídos pelos poderes institucionais, chegando a ser ‘investigado’ pelas suas ideias e pela forma em que dava as aulas. Por ‘Lusitanitatis delicto’, se for possível dizê-lo em termos penais. Os argumentos que ele forneceu inúmeras vezes para estabelecer um diálogo com personalidades e instituições oficialistas resultaram insuficientes ou supérfluos para os detentores do monopólio académico sobre a língua da Galiza. Alguns deles ex-colegas de estudos universitários. Da sua formação ou a sua personalidade surgem uma escrita que tem sido qualificada de barroca ou preciosista. Abundante e disponível, a obra de Gil é um referente incontornável para compreender os movimentos associativos galegos e a criação de um modelo de língua nacional que, a estas alturas da história, continua em criação”.
Para José Goris, da Associação PRO-AGLP e um dos promotores da homenagem na Bandeira, considera que durante esta atividade “vamos ter a oportunidade de conhecer ao António nas suas diversas faces: como professor, como poeta, como linguista/sociolinguista, como peça fundamental e parte indispensável do movimento reintegracionista. Vamos conhecer também da sua ligação com Biqueira, com Marinhas del Valhe, e mais; mas, para além de conhecermos a seu intenso e imenso trabalho intelectual também saberemos desse outro António num plano mais pessoal, como se desenvolve atualmente a sua vida como vizinho da Bandeira”. José Goris é também vizinho desta vila do Concelho de Silleda: “Aguardamos que o dia seja emocionante para ele e para a sua família, porque sem dúvida a homenagem é bem merecida e vem, ainda que seja minimamente, fazer um bocadinho de justiça com uma pessoa que tanto contribuiu para a nossa língua e que, por ter uma visão dela diferente da ‘oficial’, lhe causou durante a sua atividade laboral uma grande quantidade de problemas”.
Representante da Galiza no Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa
António Gil Hernández, tem-se destacado nos últimos 40 anos pelas investigações sobre linguística, sociolinguística e produção literária referidas à Galiza. Está entre os pioneiros do movimento reintegracionista da Galiza, tendo sido membro e iniciador da Associaçom Galega da Língua, da Associação de Amizade Galiza-Portugal, das Irmandades da Fala de Galiza e Portugal, da Comissão Galega do Acordo Ortográfico, e da Associação Sócio-Pedagógica da Galiza e Portugal. Também pertenceu à Sociedad Española de Lingüística.
António Gil Hernández integrou, com o Doutor José Luís Fontenla Rodrigues, a Delegação da Comissão Galega do Acordo Ortográfico na reunião internacional celebrada em Lisboa para um Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, acordo assinado em 12 de outubro de 1990 na capital portuguesa. Essa presença da representação galega está recolhida no número 123 do Diário da República, de Portugal, de data 28 de agosto de 1991.
Dentre os artigos e livros de teor científico e pedagógico que publicou António Gil Hernández merecem destaque os intitulados Que galego na escola? Tese reintegracionista (1984, com Maria das Dores Arribe Dopico e Joám Carlos Rábade Castinheira); Silêncio ergueito (1996), Temas de Linguística Política (2006), João Vicente Biqueira. Obra seleta (2011), ou Solilóquio com Manuel Maria (2018, em academia.edu).
Como produtor literário e de ensaio e estudos literários tem publicado Baralha de sonhos (1985, poesia), Comentário de Textos Literários (1986, volume coletivo que coordenou, com participação de mais 18 especialistas, modelar nesta matéria), Luzes e espirito (1990, em que dialoga com o poeta galego Eusébio Lorenzo Baleirón), Do amor de tudo quanto é livre (1995), bem como Tractatus de Euphemica Dictione, diálogo com a saudosa poeta Cristina de Mello; Rimas a Amarilis, e Antologia de contos nada exemplares.
Também tem colaborado nas revistas Cadernos do Povo, Nós, O Ensino, Temas de O Ensino, Agália, Luzes da Galiza, Man Común; ou em publicações jornalísticas como La Voz de Galicia, El Ideal Gallego e A Nosa Terra. Exerceu 12 anos como professor de Linguística Geral e Crítica Literária no Colégio Universitário da Corunha (quando este centro pertencia à Universidade de Santiago de Compostela) e depois no liceu Salvador de Madariaga da Corunha.
Contributo no centenário de João Vicente Biqueira.
O doutor António Gil Hernández publicou recentemente Johán Vicente Viqueira. João Vicente Biqueira (1924-2024). Poemas e Ensaios. Este volume é um contributo muito valioso para a comemoração do centenário de Biqueira. Trata-se de uma coletânea que “serve para entender o pensamento linguístico, educativo e filosófico dum dos primeiros defensores da convergência ortográfica galego-portuguesa”, segundo salienta a editora Através, de Santiago de Compostela, sob cuja chancela se publica este livro.
Gil Hernández esclarece neste trabalho a produção de poesia e ensaística do autor estudado. Situa em diálogo Biqueira com figuras coevas da Galiza e da Europa do seu tempo, salientando os seus contributos nos campos do Galeguismo, da Literatura, da Filosofia, da Pedagogia ou da Psicologia. Nesta última disciplina, ressalta como foi um dos introdutores da Psicologia Experimental no Estado Espanhol no primeiro terço do século XX, após o seu contato direto com Wilhelm Wundt (1832-1920), considerado o fundador da mesma. No que diz respeito à língua galega, Biqueira foi um avançado do reintegracionismo, defendendo já em 1919 que “O galego, não sendo uma língua irmã do português, mas sim um português, uma forma do português (como o andaluz do castelhano), tem-se de escrever, pois, como português. Viver no seu seio é viver no mundo, é viver sendo nós próprios!”.
Maria do Carmo Henríquez Salido, professora catedrática da Universidade de Vigo, numa recente recensão deste volume (publicada no jornal Faro de Vigo, em 31 de maio de 2024, na página 22, subordinada ao título “Biografia digníssima e sem censuras de Joam V. Biqueira), valoriza: “Som muitas as secçons interessantes como a que fai referência ao relacionamento de Biqueira junto com outros pensadores contemporâneos com os quais tratou, como Bergson (o seu élan vital) e também Pessoa, o político ou teórico político, e o Marcel Gabriel, o filósofo existencialista crente, cristao-católico afinal. Além do mais, foi um dos primeiros nacionalistas galegos comprometido com a defesa da língua, cultura e história da Galiza, e promotor de que estes ideais devem ir acompanhados da açom. Manifestou-se a favor da ‘antiga ortografia galega, porque se parece muitíssimo à portuguesa e facilita o número de leitores, coincide com a das outras línguas latinas, é etimológica, foi defendida e empregada nas suas publicaçons por António de la Iglesia no século XIX e pode ser a base para a reforma da fonética galega hoje tam castelhanizada’ (A Nosa Terra, 20 de janeiro de 1918)”. Henríquez Salido convida para a leitura “deste magnífico livro cujas referências farám reconhecer e admirar este ‘grande da Galiza’ injustamente esquecido nesta Nacionalidade histórica tam desmemoriada”.
A homenagem, nas atividades da manhã, é aberta para todas as pessoas interessadas.
Este conteúdo foi publicado originariamente na web da AGLP.