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Fazer ver nas aulas que a nossa língua é extensa e útil, com o documentário ‘Entre Línguas’

José Paz Rodrigues (*) –  Depois de muitos anos, infelizmente na Galiza ainda não se tem produzido um debate o suficientemente esclarecedor sobre a realidade e situação da nossa língua. Durante muito tempo o único que se tem ouvido são desqualificações ao redor das diferentes posições que sobre a nossa língua existem. Acho que os que nos chamamos “reintegracionistas” (ou, por outros, denominados de “lusistas”) não somos precisamente os que estamos a impedir esse debate. Um debate aberto e civilizado, com liberdade para expor e apresentar as diferentes posições científicas, filológicas e ideológicas. Um debate tão importante como necessário. E logo que seja o povo o que decida a linha a seguir.

Os “reintegracionistas” ou “lusófonos”, em terminologia mais atual, tão só pedimos que se nos respeite, que não se nos discrimine, nem se nos persiga, porque pretendemos continuar o pensamento de Murguia, Pondal, Vilar Ponte, Dieste, Bouça Brei, Risco, Branco Torres, Carvalho Calero, Guerra da Cal, Biqueira – tão esquecido como marginalizado – que disse: “O galego é uma forma do português, tem de se escrever, pois, como o português”. E, claro está, com Castelão, do qual seu pensamento é para nós luz e guia. E porque não queremos riscar da nossa memória aquele seu pensamento do Sempre em Galiza: “A nossa língua floresce em Portugal”, continuamos a defender uma posição linguística que unifica a nossa língua e a une com o tronco comum galaico-luso-brasileiro e africano de expressão portuguesa, apoiando o Acordo Ortográfico aprovado pelos países que integram a denominada CPLP, de países que temos a mesma língua como oficial ou cooficial. O que denominamos “Mundo Lusófono ou da Lusofonia”, integrado na atualidade por perto de duzentos milhões de utentes, com presença em todos os continentes do planeta. A língua deve servir para unir e não para afastar. A nossa língua é extensa e útil, tal como afirmava Castelão, e é urgente e necessário convencer todos os lusófonos (galegos, portugueses, brasileiros, goeses, timorenses, macaenses e africanos de países de língua oficial portuguesa) da sua utilidade. Se nós galegos deixamos reduzida a língua a “quatro províncias espanholas” da Galiza, numa coutada fechada, e com ortografia castelhana, como querem os “antirreintegracionistas” que a miúdo nos atacam, não há ter futuro. Disfarçada com trajo castelhano, por diploma imposto à força no ano 1983 pelo governo autonómico de então, seu futuro seria ainda mais triste, porque pode acabar por ser “de facto et de iure” um dialeto da língua castelhana. Língua que, claro está, eu respeito e utilizo nos seus âmbitos de uso, mas uma cousa nada tem a ver com a outra.

Para os que somos lusófonos, e por sorte cada vez na Galiza somos mais, o nosso idioma é a segunda língua românica mais importante do mundo, é oficial na UE, OUA, OEA, ONU e Unesco e fala-se nos cinco continentes, sendo língua oficial de oito estados soberanos, alem de ser cooficial, com o castelhano, na Galiza, e de manter-se viva em territórios como Goa, Damão, Diu e Macau. Tal como em seu dia fizeram os castelhanos, que têm uma norma ortográfica comum para a língua castelhana, embora existam diferenças evidentes entre a língua escrita e a língua falada no México, Bogotá, Buenos Aires, Caracas, Sevilha ou Valhadolid, os lusófonos temos que apoiar a norma padrão única e comum do Acordo, para escrevermos todos igual a língua que nasceu na antiga “Gallaécia”, e que hoje é usado em todos os países lusófonos do mundo, na Europa, América, África, Ásia e Oceânia. O Acordo, aprovado e apoiado por todos, depois de superar as lógicas discrepâncias filológicas, tem grandes vantagens para a nossa língua, especialmente nos tempos atuais de avanços tecnológicos. É altamente positivo para os meios de comunicação e o intercâmbio dos seus programas: vídeo, tevê, rádio, livro, cinema, jornais, etc. e beneficiar-se nos seus processos. Há ser positivo para as editoras que poderão produzir maiores tiragens de livros ao poder vender-se em Lisboa, Porto, Rio de Janeiro, Brasília, São Paulo, Luanda, Maputo, Praia, Bissau, Timor, Compostela, Vigo ou Corunha. É positivo para o cinema dos diferentes países lusófonos, ao abrirem-se grandes mercados de distribuição e exibição. Positivo também para o ensino, porque os alunos estudarão uma língua extensa e útil, ademais das culturas e literaturas lusófonas da Europa, América e África: Galiza, Portugal, Brasil, Timor e os cinco países africanos. Positivo mesmo muito para a nossa própria língua, que poderá avançar contra o cerco do mundo anglófono, hispanófono e francófono. Positivo igualmente para todo o mundo lusófono das novas tecnologias e da informática, que, goste ou não, está a introduzir-se cada vez mais nas nossas escolas, lares e centros de trabalho, que sempre há ser melhor que venha na nossa língua comum do que em língua alheia.

O Acordo é também positivo para a nossa literatura, ao serem as obras dos nossos autores introduzidas no ensino dos diferentes países lusófonos e também em muitas universidades do mundo. E, igual que na Galiza, os nossos estudantes podem conhecer e ler Pessoa, Teixeira de Pascoaes, Eça, Aquilino Ribeiro, Torga, Castelo Branco, Saramago, Camões, Pepetela, José Craveirinha, Agostinho Neto, Amílcar Cabral, Manuel Bandeira, Drummond de Andrade, Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, Cecília Meireles e, entre muitos outros, Jorge Amado; no Brasil, Portugal, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe ou Timor Leste, seus estudantes hão poder ler Rosália de Castro, Pondal, Curros, Castelão, Celso Emílio, Otero, Carvalho Calero, Guerra da Cal, Fole, Risco, Biqueira, e os mais atuais como Casares, Conde, Alcalá, Novoneira, Teresa Moure, Granha, Ferrim, Avilês, Fdez. Paz, Caneiro e Manuel Rivas. Poder-se-ão fazer maiores tiragens das suas obras, ao abrirem-se os mercados de venda e leitura.

Nós, galegos e galegas, necessitamos começar a ter apreço à nossa língua, que, como vimos de expressar, é uma língua extensa e útil. Daí que seja necessário convencerem-se muitos pais e mães de que a nossa língua deve ser estudada nas escolas, junto com o castelhano e outra terceira língua importante no mundo, a escolher entre inglês, chinês, hindi, bengali e francês. E que o nosso ensino deve ser explicado na nossa língua, a segunda mais importante das românicas no mundo. Porque o nosso idioma tem grande importância, além de ser formoso e o nosso “próprio”, como estabelece o Estatuto de Autonomia e a Constituição Espanhola. Cooficial com o castelhano. Por isso não é necessário menosprezar outras línguas, começando pela castelhana. Nomeadamente num tempo em que se vai impor o polilinguísmo. Cada vez mais necessitaremos de línguas auxiliares, além da própria, embora, como é natural, devamos usar a nossa mais do que nenhuma. É ela que nos confere a nossa identidade individual e coletiva. Daí que muitos Galegos defendamos neste momento a unificação gráfica de galego, português e brasileiro. Afinal de contas a mesma língua, no NO da Península Ibérica nascida, e património hoje de toda a Humanidade.

Para apoiar tudo o que venho de dizer e refletir sobre o estado do nosso idioma no presente momento, escolhi um interessante documentário intitulado “Entre Línguas”, realizado em 2009 por três lusófonos Eduardo Maragoto, João Aveledo e Vanessa Vila Verde.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

Título original: Entre Línguas.

Realizadores: João Aveledo, Eduardo Maragoto e Vanessa Vila Verde (Galiza, 2009, 30 min., a cores).

Montagem: Ramiro Ledo. Desenho: Manuel Pintor. Montagem extras: Heitor Barandela.

Música: Nacho Vegas e Ramón Lluis Bande (canção “De la vida de les piedres”. Diariu 2) e João Filipe (canção “Olhar quem passa”. Cantarolando). Ajuda económica: AGADIC.

Atores: Diferentes pessoas, homens e mulheres, de localidades fronteiriças com Portugal das províncias de Samora, Salamanca, Cáceres e Badajoz, e, entre elas, Calabor, Almedilha, Xalma, Alcântara e Olivença. O professor Henrique Costas da Universidade de Vigo é entrevistado.

Argumento: No transcurso deste documentário, os vizinhos e vizinhas das pequenas vilas fronteiriças de Calabor (Samora), Almedilha (Salamanca), aldeias de Elhas, S. Martinho de Trevelho e Valverde, da comarca de Xalma (Cáceres), aldeias de Casalinnho, Codosseira e Ferreira e Valença de Alcântara, da comarca de Alcântara (Cáceres) e aldeias de S. Bento da Contenda, Vila Real, S. Domingos, S. Jorge, Talega e Vila de Olivença, da comarca de Olivença (Badajoz), contam-nos como vivem a sua mais forte peculiaridade e conversam sobre os motivos para continuarem a falar como ainda se exprimem e cantam, ou todo o contrário, com os dialetos transfronteiriços, resultado do contato entre o castelhano e o galego-português. É o seu um dialeto muito similar ao galego deturpado por influência negativa do castelhano. No documentário é entrevistado Henrique Costas, estudioso da língua falada em lugares transfronteiriços da província de Cáceres.

 

 

O GALEGO DE QUE NADA SABÍAMOS”:

Com acerto, os realizadores do documentário que estamos a comentar, utilizam a expressão que se resenha no titular: “O Galego de que nada sabíamos”. Um dos seus diretores, Eduardo Maragoto, em certa altura, comentou como a ideia de rodar “Entre Línguas” surgira de uma experiência de amigos que, fazendo um roteiro pela fronteira entre Portugal e Espanha na zona de Trás-os-Montes, decidiram comprovar que se passava se usavam o castelhano em terra portuguesa e o português em terra castelhana ou estremenha. Numa dessas trocas encontraram que em Calabor (Samora) a resposta que receberam pareceu-se-lhes mais a um dialeto galego que ao português, o que acharam muito curioso porque Calabor é uma localidade muito isolada de qualquer povoação de fala galega. Ademais entraram no projeto por polemizar, dado que nessa altura especulava-se com a descoberta do galego de Cáceres e filólogos e historiadores baralhavam a hipótese de que estes dialetos procediam das migrações de galegos no século XIII e não do contacto entre povoações portuguesas e castelhanas. As especulações entre investigadores sobre uma e outra teoria continuam ainda hoje. Do matrimónio de castelhano e português, em contacto, saem uns dialetos que se parecem muito ao deturpado galego atual, tanto foneticamente, como invadido de numerosos castelhanismos. “Entre Línguas”, espécie de estudo filológico, amostra como em cinco zonas fronteiriças de Espanha e Portugal, ambos os idiomas se entrelaçam e dão como resultado dialetos usados hoje em dia pelos cidadãos das localidades fronteiriças, que se parecem muito ao galego atual.

Há umas duas décadas que o caso do “Galego de Cáceres” tornou-se conhecido na Galiza. Ao longo da fronteira com Portugal, desde a província de Samora até a de Badajoz, existem quatro territórios que, por diferentes vicissitudes históricas, possuem atualmente soberania espanhola e conservam uns dialetos muito similares ao galego. Isto leva imediatamente a pensar que a língua portuguesa em contacto com a castelhana, sobreposta durante vários séculos, pode dar origem a outros galegos. Muito semelhantes ao atual galego, tão deturpado pelo castelhano desde há séculos.

Os três realizadores do filme, integrantes do Coletivo “Glu-Glu” (Galego Língua Útil-Galego Língua Universal), foram entrevistados no seu momento para comentar o seu documentário. Da entrevista tiro aqueles comentários mais esclarecedores e interessantes. Em primeiro lugar é muito gratificante para mim ouvir o que dizem no início: “Nós não pensamos que o galego e o português sejam línguas diferentes”. “No atual mundo das comunicações, é absurdo que existam instituições empenhadas em fechar as fronteiras do galego a quatro províncias”. Noutro treito desta interessante entrevista comentam que sabiam, por artigos e livros de antigos filólogos espanhóis e portugueses, que em alguns territórios fronteiriços se tinha falado português, mas que desconheciam se na atualidade se continuava a falar. Por razões políticas em ambos os casos, nas últimas décadas, em Portugal só interessava o território de Olivença (Badajoz) e na Galiza o de Xalma (Cáceres). Por isto decidiram pesquisar, ademais de nestes, noutros totalmente esquecidos com casos similares e para olhar o que acontecia ainda hoje. O coletivo a que pertencem pretende fazer trabalhos audiovisuais com a perspetiva do galego como língua útil e universal, e demonstrar que a nossa língua não está limitada às fronteiras políticas da Galiza. E chegam a dizer algo muito acertado: “Num mundo dominado por línguas faladas em muitos países, com diferentes sotaques e vocabulário, é absurdo querer forçar a condição regional do galego. Temos que aproveitar o que nos une ao Brasil ou a Angola”. Ao final da entrevista falam sobre os problemas para realizar o seu documentário e dizem: “O mais duro foi também o mais estimulante. As horas que passamos metidos num carro deram para variar o roteiro do filme várias vezes. Por tratar-se de um documento (não só de um documentário) todas e cada uma das entrevistas que fizemos, mais de 50 horas de gravações, pareciam-nos excecionais. O dinheiro das viagens saiu do nosso peto, mas não nos importou: foi a melhor proposta de lazer que tivemos no ano 2009”. Este documentário é o primeiro trabalho do coletivo, que já tem em mente visitar a fronteira do Uruguai com o Brasil para verificar se o processo de contacto entre português e castelhano oferece os mesmos resultados ali.

Nota: É interessante ler no PGL a informação/crónica sob o título “O galego ou a caminhada do português para o castelhano” da autoria de António Carvalho. Pode ver-se entrando aqui. Sobre este documentário no mesmo PGL existem muitas notícias, crónicas, entrevistas e informações.

 

TEMAS PARA REFLETIR E REALIZAR:

Utilizando a técnica de dinâmica de grupos do “Cinema-fórum” debater, depois de ver este documentário, sobre as diferentes opiniões que vão dando as pessoas entrevistadas. Refletir, depois de analisar os diferentes discursos, sobre como as línguas em contacto em zonas transfronteiriças, dão como resultado o aparecimento de dialetos, misturando-se palavras de ambas as línguas.

Elaborar uma monografia, seguindo o modelo da Biblioteca do Trabalho de Freinet, por parte dos estudantes, com a ajuda de seus professores, sobre os grandes vultos da Galiza que defenderam a unidade linguística entre galego e português. Na mesma não podem faltar Biqueira, Risco, Guerra da Cal, Vilar Ponte, Dieste, Blanco Torres, Carvalho Calero, Bouça-Brei, Castelão, e, entre os vivos, Estraviz, Gil, Durão, Montero Santalha e outros. Na mesma devem incluir-se fotografias, desenhos, textos e frases significativas dos mesmos. Para elaborá-la, além da Internet, é necessário consultar livros, bibliotecas, jornais e revistas, como O Ensino, Nós, Temas de O Ensino, Agália, Boletim da AGLP, Novas da Galiza, etc. Podia organizar-se também nos estabelecimentos de ensino uma amostra com todo o material recolhido.

Organizar nas escolas uma exposição-amostra sobre “O Mundo da Lusofonia”. Na mesma teriam que incluir-se além de textos, fotografias, recortes da imprensa, um grande mapa-múndi em que apareçam os países e territórios lusófonos na América, Europa, África, Ásia e Oceânia. Também as respetivas bandeiras dos diferentes países e dados básicos dos mesmos (com resenhas de escritores, músicos e artistas, e outros temas). Paralelamente podiam organizar-se audições de música e canções dos países lusófonos e ciclos de cinema realizado neles por realizadores da lusofonia. Estaria bem incluir na amostra uma listagem de entidades relacionadas com o tema, na qual não poderiam faltar a CPLP, o MIL, a Agal, a Fundação Meendinho, a AGLP, a ASPGP, Irmandades da Fala, AAGP, a Sociedade Lusófona de Goa, a Academia de Letras de Brasil, a Academia de Ciências de Lisboa, etc.

 


 

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