Começo o dia a meio caminho entre os bairros da Ciutat Vella (Cidade Velha) e El Gòtic (O Gótico). Dedico boa parte da manhã a admirar a arquitetura religiosa desta zona, situada quase no litoral. Inevitável, portanto, começar pola formosa basílica de Santa Maria del Mar, máximo expoente da arte gótica catalã, cuja construção começou em 1329.
Consulto algumas explicações no telefone, mas, para não gastar a prezada bateria, infiltro-me num grupo de turistas… brasileiros. Segundo dia no estrangeiro, segunda oportunidade de me relacionar na minha língua —neste caso, sem relações familiares polo meio.
O guia explica num português mais que correto que Santa Maria del Mar salienta não apenas polos valores arquitetónicos, mas sociais: no momento da sua construção, no século XIV, decidiu-se que pertenceria apenas aos fiéis das zonas do porto e La Ribera (A Ribeira). Por que? Porque fôrom eles, com o seu trabalho e doações, quem conseguírom erigir o belo templo que serenamente se alça a carão do mar.
A porta principal da basílica homenageia os bastaixos. Segundo consultei posteriormente no Rodamots, o termo bastaix (singular) poderia ter origem no latim vulgar e, por sua vez, este viria de um termo grego relacionado com «portar pesos». Os bastaixos eram uma profissão de origem escrava, embora no século XIV já eram «homems livres» —com toda a liberdade daquela altura, é claro—, e a sua função era descarregar os barcos.
A igreja de Santa Maria del Pi (Santa Maria do Pinheiro); o Palau Güell (Palácio Güell), exemplo do modernismo catalão ou o Palau de la Generalitat (sede da Presidência da Catalunha), são alguns outros locais que visito no que permite a minha congestionada agenda.
https://pgl.gal/cronicas-da-catalunha-i-estado-converteu-nos-inimigos-do-resto-espanhois/
Novo ‘chefão’ na Generalitat
Precisamente, as redondezas da sede da Generalitat experimentam grande bulício quando me aproximo. O trânsito de jornalistas é intenso. «Estes dias, um bocado mais do habitual, porque agora há novo chefão», explica-me um jornalista. O tal chefão é Joaquim Torra, quarto candidato independentista a tencionar a investidura depois das eleições do 21-D.
Primeiro intentou ser presidente Carles Puigdemont, mas a justiça espanhola proibiu-no, alegando que o exilado devia estar presente fisicamente para a investidura ser válida. Depois chegou a vez do ativista social Jordi Sànchez, mas também não o pudo tentar porque um juiz o impediu de sair do cárcere. O terceiro foi Jordi Turull; ele sim o tentou, mas não conseguiu suficientes apoios e, pouco depois, foi enviado ao cárcere. O quarto, Torra, acabou sendo tomando posse da Presidência quadrando com a minha estadia em terras catalãs.
«Aqui estaremos até liberarem os presos»
Praça da Catalunha, ainda no Eixample, 18 horas. O meu objetivo, apanhar um comboio para ir à localidade vizinha de Sant Cugat del Vallès. Porém, o amplo espaço do lugar, o sol radiante, o rebúmbio de gente e a inexperiência com o lugar, levam-me a dar voltas e voltas, até entrar por erro na estação de metro. Aproximo-me a um guarda da segurança do metro para lhe perguntar onde é que fica a entrada para a estação dos comboios, também subterrânea como a do metro. Depois de uns dez segundos de silêncio e sem olhar um instante para mim, responde com sotaque da Espanha meridional: «creo que es por allá abajo, pero no estoy seguro, es mi primer día aquí» («acho ser por lá abaixo, mas não estou certo, é o meu primeiro dia aqui»).
Dou algumas voltas pola praça à procura de «alguém que seja daqui», mas num local tão cêntrico (ou seja, passagem obrigada de forasteiros como o meu caso), a cousa fica meio complicada. «Vou ver se encontro alguém com um llaç groc», penso, em referência ao laço amarelo que diariamente observei levarem dezenas de pessoas como gesto de apoio aos independentistas encarcerados polo Estado espanhol. Porém, também não encontro ninguém.
Testo pola parte sul da praça e lá vejo a solução: várias estelades (as bandeiras independentistas catalãs) alçando-se por cima das cabeças. «Mau será que lá não haja ninguém daqui», matino enquanto me aproximo das bandeiras, instaladas no que parece um acampamento de guerra, decorado polas fotografias dos presos e presidido por uns postos parecidos aos das recordações, só que com laços amarelos de diferentes formatos.
Pego num crachá com forma de laço e pergunto polo preço. «Não tem preço, é à vontade», responde-me um homem de uns sessenta anos e com olhos que misturam cansaço físico e tristura. Após depositar a vontade numa caixa, pergunto desde que horas levam ali.
– Normalmente, desde antes das nove já —relata.
– E você, desde que horas está?
– Não me dou de conta, mas devêrom fazer cinco ou seis horas já —responde com notável fadiga.
Conta-me que levam vários meses ali instalados, desde finais de janeiro ou começos de fevereiro. Fôrom várias vezes despejados pola polícia e mesmo objetivo de roubos. Por essa razão, ou recolhem tudo ao rematar a jornada ou organizam turnos de noite para vigiar. A segunda hipótese é a mais complicada, mas também a mais eficaz, já que ninguém lhes garante que no dia a seguir não tenha sido removido o seu acampamento, como já aconteceu meses em abril com os de outros coletivos.
– Até quando estareis? —pergunto meio por perguntar, porque intuo a resposta.
– Até que a nossa gente seja livre —responde o meu interlocutor com voz firme, como se essa questão o figesse reverdescer.
Despeço-me perguntando pola direção dos comboios e dá-me três indicações bem claras que posteriormente me permitirão chegar ao meu destino.
– Oi, pega nisto —responde-me antes de eu ir embora. Entrega-me um outro crachá do llaç groc.
– Ah, mas… E isto?
– Pola conversa. Muito obrigado —sentencia, ao tempo que me deixa bem claro que não aceita retribuição económica polo segundo crachá.
Quando chego a Sant Cugat, por volta das 20 horas, o primeiro que vejo é uma grande multidão na praça de Lluís Millet, situada às portas mesmas da estação dos comboios. Aproximo-me e vejo que todo o espaço está enfeitado de fitas amarelas, grandes laços da mesma cor e estelades. Não preciso perguntar muito para saber que é uma concentração de apoio aos presos independentistas. «Sant Cugat é um dos concelhos em que o Procès (processo) independentista tem mais apoios», explica-me amavelmente uma mulher de idade avançada. Nos dias seguintes terei oportunidade de comprová-lo.