A 27 de outubro de 2018, o Parlamento da Catalunha declarou a independência do país mediterrâneo através de um texto que a maioria da Câmara aprovara no dia 10 do mesmo mês. O que aconteceu depois é sobejamente conhecido: o Estado espanhol decretou uma ação policial e judicial de proporções só conhecidas durante a ditadura franquista, até com difícil distinção entre os poderes executivo e judicial.
A maioria política espanhola aprovou aplicar o artigo 155 da Constituição, o qual permitiu suspender a autonomia catalã e intervir as suas instituições. Vários líderes independentistas acabárom no cárcere ou exilados, ao mesmo tempo que centos de cargos públicos e funcionários públicos fôrom destituídos.
A desconexão política entre a Catalunha e a Espanha foi impedida, mas a desconexão emocional é um facto. O que agora lerás é a primeira das cinco crónicas desta pequena viagem ao coração da Catalunha, sete meses depois da declaração da independência.
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Barcelona é um dos poucos grandes destinos europeus aonde podemos viajar as galegas e galegos sem passarmos forçosamente por Madrid. Acordei bem cedo para pegar um voo no aeroporto Rosalia de Castro de Compostela. O tempo de viagem não é longo, aproximadamente uma hora e quarenta minutos. O pior, como sempre que se trata de aviões, é todo o processo prévio e posterior.
Depois de sair da terminal aeroportuária, figem caso das recomendações da população local e peguei no autocarro PR1 para ir até à estação de metro de El Prat de Llobregat. Por se não sabiam, o aeroporto de Barcelona não está na capital da Catalunha, mas num concelho vizinho, por isso a denominação oficial é Aeroporto Barcelona-El Prat.
‘Guerra’ de simbologia
Apesar de se tratar de um município em que os Ciudadanos, da direita liberal espanholista, fôrom o partido mais votado nas eleições do 21-D —quase 33% dos votos—, a presença de estelades, cartazes e faixas de apoio aos presos independentistas é bastante visível nas varandas das principais ruas, embora as bandeiras espanholas também ondeiem com força, muitas vezes na habitação do lado da simbologia independentista. A guerra da simbologia é uma constante em cada localidade do país catalão.
O metro de El Prat é em certa maneira experimental. É uma linha moderna, aberta em fevereiro de 2016. Os viajeiros não têm perigo de cair na via porque os protegem painéis e portas de vidro. Para subir a este meio de transporte, as portas de vidro abrem automaticamente quando o comboio se detém, e fazem-no com milimétrica precisão ao mesmo tempo que as portas da própria máquina. Como é isso possível? Como consegue o chofer encaixar exatamente os vagões para que isso aconteça? Porque a máquina é guiada automaticamente, sem um humano a bordo; destarte é possível fazer quadrar cada porta de cada um dos vagões à altura exata das múltiplas portas de vidro que separam os viajeiros da via.
«Quando a linha foi inaugurada, muita gente tinha temor a usar o metro porque não tem condutor. Havia muita desconfiança. Por isso nos presenteárom com bilhetes grátis a usar nos primeiros dias», conta-me uma usuária habitual da linha L9 Sud. Já no vagão, um casal italiano leva os filhos aonde devia estar a cabine do condutor e admira-se pola modernidade. «Espantoso! Como avançado é isto! O futuro!», exclamam.
Cinco horas depois de sair da minha casa, cheguei ao meu destino, uma cafetaria próxima da rua Comte d’Urgell, situada no bairro de L’Eixample (A Ampliação). Combinei ali com um familiar meu que reside há anos em Barcelona.
«A catalanofobia é abafadora»
É engenheiro e professor associado de uma das universidades mais prestigiadas do País. Nas últimas eleições catalãs, convocadas polo Estado espanhol dous meses após intervir as instituições autonómicas, não votou. Nos anteriores comícios, em setembro de 2015, dera o seu apoio aos Ciudadanos. Ele é contrário ao independentismo catalão, mas também não ficou satisfeito pola resposta do Estado espanhol. «Convertêrom-nos em inimigos do resto dos espanhóis», lamenta.
Apesar de ter um expediente académico brilhante e uma trajetória profissional impecável, confessa ter agora mais problemas e incertezas laborais do que antes. «Tinha agendada para o próximo verão a minha presença em vários cursos pós-graduação de outras universidades espanholas, bem como impartição de atividades formativas numa grande empresa sediada em Madrid, mas ficou tudo em água de castanhas», queixa-se.
«Fum banido porque no meu currículo indico que os meus títulos fôrom obtidos na Catalunha, e isso atualmente é uma desvantagem». Fico espantado. «Mas como isso?», inquiro. «Ao lerem “Universidade… Catalunha”, automaticamente vou para a lixeira. De nada serve todo o demais. A catalanofobia é abafadora».
Os desgostos servírom-lhe para ficar sabendo. Agora tem só um curso agendado para o verão, graças a que no seu currículo apagou ou alterou as referências à Catalunha. O país em que leva toda a vida a morar não aparece nem no endereço, pois lá colocou a morada de uns tios na Galiza. «Nem sequer ponho que sou engenheiro pola “Universidade… Catalunha”, mas por uma universidade espanhola. Há uns anos, receando de um cenário como o atual, convalidei a minha formação por um título próprio de uma universidade espanhola, então posso colocar esse, ainda que não tenha tanto prestígio académico como o original. Só posso exibir o meu currículo com plenas garantias se for fora da Espanha».