A política antirreintegracionista aplicada desde a democracia foi lamentada amargamente por Carvalho Calero, que pediu ao menos cautela na hora de fechar completamente as portas ao galego como ferramenta comunicativa aberta ao mundo lusófono: a ortodoxia reinante terá que fornecer “canais para a liberdade, e nom diques para a iniciativa social” (“Política Lingüística”, La Voz de Galicia, 1988; Agália, 1990).
Chegado 2020, o ano de Carvalho, vemos que está repleto de paradoxos. O lusismo, ausente da vida pública durante décadas, foi recuperando folgos desde que se popularizou a Internet e o Parlamento votou a prol da Lei Paz Andrade no ano 2014. O tributo a Carvalho polas Letras Galegas chegou a ser lido como a iniciativa precisa para reconsiderar a postura reintegracionista agora que a Galiza observa Portugal de forma menos distante e até a RAG sabe que o lusismo, sendo verdade que pouco inquietou a sociedade por agora, está consolidado entre os que empregamos voluntariamente, ou ao menos devotamente, o galego escrito.
Ao mesmo tempo que Carvalho Calero é enaltecido por todo o país, a corrente que difunde o seu legado fai equilibrismos constantes para poder publicar a obra do intelectual, porque, segundo parece, desobedece a norma oficial.
Agora, é preciso saber toda a verdade. Ao mesmo tempo que Carvalho Calero é enaltecido por todo o país, a corrente que difunde o seu legado fai equilibrismos constantes para poder publicar a obra do intelectual, porque, segundo parece, desobedece a norma oficial. Por este motivo, o seu principal romance, Scórpio, foi retirado da plataforma de novidades editoriais da Xunta e toda a obra reintegracionista deste autor e doutros ficou bloqueada para as bibliotecas públicas. Isto é, a mesma sociedade que vai celebrar Carvalho nunca o poderá ler normalmente. Venerar a norma oficial até este extremo deixa ver o momento da pobre política cultural que nos tutela.
Scórpio, foi retirado da plataforma de novidades editoriais da Xunta e toda a obra reintegracionista deste autor e doutros ficou bloqueada para as bibliotecas públicas.
É difícil repartir as culpas deste despotismo entre os actores actuais, tremendamente diversos nos seus comportamentos. Só sabemos que o programa cultural da Comunidade Autónoma foi construído desta forma desde os anos 80 e agora vai custar devolver algo de tino a este desaguisado. Por agora, para facilitar o debate sobre como aproveitar o principal recurso cultural da sociedade galega, o mínimo que podemos reclamar é certo binormativismo que tolere a obra de Carvalho e torne absurdo o equilibrismo normativo deste artigo. “Nom vaiamos construir um galego de ossamenta tam rígida que pese sobre a nossa vontade com autoritarismo insuportável” (ibidem).
[Este artigo foi publicado originariamente em La Voz de Galicia]
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