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Carlos Garrido:“O galego deixa de incorporar todas as palavras que nas línguas cultas da Europa surgem e se socializam a partir do início da Idade Moderna”

Carlos Garrido Rodrigues, presidente da Comissom Lingüística da Associaçom de Estudos Galegos, doutor em biologia e Professor de Traduçom Técnico-Científica na Universidade de Vigo (inglês, alemám, galego), é autor, entre outros livros, da última novidade da Através Editora: Farpas e Lampejos regeneradores, uma coletánea que agrupa os cinqüenta e oito artigos de divulgaçom lingüística que, desde 2020, com periodicidade mensal, o autor tem publicado no Nós Diario. Som peças breves, rigorosas e amenas, destinadas ao público geral, que analisam aspetos lexicais, morfossintáticos, ortográficos, pragmáticos e sociolingüísticos do galego-português da Galiza contemporánea. Falamos com ele.

O que é que são exatamente as farpas e lampejos de que falas no título do livro?

Umha mensagem recorrente apregoada nos artigos reunidos nesta coletánea que agora sai do prelo, provenientes do Nós Diario, é que os galegos, se quigermos tornar o galego numha verdadeira e moderna língua de cultura, de forma natural e regeneradora temos de incorporar ao idioma autóctone da Galiza, ainda hoje muito empobrecido e castelhanizado, os recursos lexicais e, em geral, expressivos que as suas covariedades culturalmente desenvolvidas e socialmente estabilizadas (lusitano e brasileiro) fôrom produzindo ao longo dos vários séculos em que o galego, dito em termos claros, ficou em larga medida confinado na aldeia. Nesta linha, eu pratico no próprio título do livro tal desideratum, já que nele integro duas palavras que na nossa língua galego-portuguesa surgem e se socializam só com posterioridade ao início da plurissecular e ainda vigente postergaçom sociocultural da língua na Galiza, e, além disso, duas palavras que eu aqui uso em sentidos figurados, cristalizados em ámbitos de cultura: assim, se farpa significa, primariamente, ‘ponta aguda (e dentada) perfurante’ (como em arame farpado, ou como equivalente, na tauromaquia, de bandarilha), em sentido figurado denota umha crítica mordaz, na esteira, por exemplo, da revista satírica As Farpas, editada por Eça de Queirós e Ramalho Ortigão; quanto a lampejo, é palavra de umha família, a que também pertencem lampo e lámpada, que remete para a luz, e denota, primariamente, um clarom momentáneo, embora eu aqui a utilize com o valor figurado de iluminaçom ou revelaçom rápida, de manifestaçom súbita de inteligência (no sentido de compreensom). É claro que as farpas do título apontam para a pungência e rigor com que, nestes artigos, som criticadas as graves inibiçons e intervençons despropositadas dos codificadores oficialistas do galego (RAG=ILG), enquanto os lampejos se referem às alternativas regeneradoras e capacitantes que, enquadradas na tradiçom reintegracionista, aqui propomos para o nosso idioma.

Um último apontamento para responder a tua pergunta: observemos quám subdesenvolvido temos ainda hoje o galego e o seu léxico: nom se nos pode ocultar que a esmagadora maioria dos galegos cultos hoje som incapazes de decifrar o sentido exato do título desta nossa coletánea (embora o subtítulo já lhes seja esclarecedor), e tal equivale, nem mais nem menos, a que eles, ou os seus pares madrilenos, nom pudessem decifrar o sentido do seguinte título castelhano, perfeitamente consentáneo: Pullas y destellos regeneradores. Nom é impressionante?!

A esmagadora maioria dos galegos cultos hoje som incapazes de decifrar o sentido exato do título desta nossa coletánea (embora o subtítulo já lhes seja esclarecedor), e tal equivale, nem mais nem menos, a que eles, ou os seus pares madrilenos, nom pudessem decifrar o sentido do seguinte título castelhano, perfeitamente consentáneo: Pullas y destellos regeneradores. Nom é impressionante?!

Ao contrário do que aconteceu em Portugal ou no Brasil, na Galiza o galego-português não se desenvolveu de forma natural. Poderias explicar brevemente aos nossos leitores como foi a evolução lexical da nossa língua ao longo dos séculos?

O galego-português atravessa na Galiza, na sua primeira etapa, desde a sua diferenciaçom a partir do latim vulgar (c. séc. IX) até ao séc. XV, um período de normalidade e ainda de esplendor cultural, polo que o seu léxico se vai desenvolvendo e enriquecendo notavelmente. No entanto, já a partir do séc. XVI, com a definitiva perda do poder galego e o pleno submetimento político e sociocultural a Castela, que se prolonga até aos dias de hoje, o galego-português perde o cultivo escrito e os usos formais e fica confinado no ámbito coloquial e rústico, de modo que, desde entom, o nosso idioma perde os recursos expressivos do registo culto que gerara antes do séc. XVI e nom ganha recursos expressivos novos, tendo ficado isolado do galego-português meridional e cercado polo castelhano, que o criva e atulha com umha multidom de palavras alheias. Tenhamos em conta que, desde o séc. XVI, o galego deixa de incorporar, como neologismos, todas as palavras que nas línguas cultas da Europa surgem e se socializam a partir do início da Idade Moderna, nada menos: Renascença, Iluminismo, Revoluçom Científica, Revoluçom Industrial, contemporaneidade…, e isto, sem efetiva correçom, sem correçom verdadeiramente eficaz até agora!

Há quem ache que o facto de o galego ter imensas palavras para designar uma mesma realidade é um sinal de riqueza. Como é que interpretas o tratamento oficialista da variação geográfica do léxico galego?

Carlos Garrido | foto: Zélia Garcia

O tratamento oficialista da variaçom geográfica do léxico galego é umha desgraça e umha vergonha. Partindo da evidência de que, numha língua (nacional) de cultura, para ela se constituir num código coeso e eficaz do ponto de vista comunicativo, tem de se selecionar, em cada caso de dispersom designativa, com poucas exceçons, umha variante geográfica como comum e supradialetal, cabe dizer que o oficialismo, até agora, nom avaliou como problemática a exacerbada dispersom designativa do léxico galego. Por isso, em geral, até agora ele se tem inibido e nom tem selecionado, em cada um dos centos de casos de variaçom geográfica, umha das variantes como forma supradialetal (ex.: fiestra + janela + *ventá com o mesmo peso no DRAG); já num número reduzido de casos de variaçom geográfica, o oficialismo si tem intervindo, mas, infelizmente, de forma freqüentemente despropositada, ao nom selecionar como supradialetal, em geral, a variante áurea galega, quer dizer, aquela que já foi selecionada como supradialetal em Portugal e no Brasil, portanto, a variante galega de maior peso demográfico, económico e cultural (ex.: a RAG=ILG selecionou como supradialetais gemelgo e ril, em vez de, respetivamente, gémeo e rim, as variantes galegas presentes nos padrons lusitano e brasileiro). Portanto, verifica-se, aqui, por um lado, umha ignoráncia absoluta dos codificadores oficialistas a respeito daquilo que umha língua de cultura é, e, por outro, um desprezo da coordenaçom galego-portuguesa, que prejudica enormemente os interesses dos utentes de galego.

O reintegracionismo não é um movimento social que nasceu ontem. No entanto, a maior parte do público em geral desconhece a sua existência. Também há algumas pessoas que sabem que existe, mas que o rejeitam taxativamente. A teu ver, a que se deve esta situação?

Que a maior parte dos galegos hoje desconheçam a opçom reintegracionista deve-se, é claro, ao facto de a nossa sociedade nom ser ainda, verdadeiramente, aberta e democrática. O poder político e o oficialismo lingüístico tenhem submetido o reintegracionismo, sobretodo, a censura e ocultaçom, e, secundariamente, a demonizaçom, o que se tem traduzido, até agora, em quase absoluta exclusom e ocasional distorçom da proposta reintegracionista nos meios da comunicaçom social e no sistema educativo. Por outro lado, a atitude de rejeiçom taxativa da alternativa reintegracionista que algumhas pessoas mostram poderá ficar a dever-se a fatores diversos, segundo os casos, como, por exemplo, vincado interesse profissional ou económico no statu quo, mas, em geral, eu diria que aí o fator mais relevante é a ignoráncia, com freqüente distorçom interpretativa induzida polo poder político, daquilo que a opçom reintegracionista realmente é: regeneraçom cabal e cabal emancipaçom e capacitaçom do galego. Para esta incompreensom contribui enormemente o facto de o Estado incutir o castelhano na populaçom galega como língua nacional, com a sua ortografia nacional, que é a mesma que a do galego ensinado na escola, o que fai com que os galegos vejam qualquer outra ortografia, incluída a histórico-etimológica galega, como alheia e estrangeira.

Que a maior parte dos galegos hoje desconheçam a opçom reintegracionista deve-se, é claro, ao facto de a nossa sociedade nom ser ainda, verdadeiramente, aberta e democrática.

Desde a década de 80, o galego é língua oficial na Galiza, é ensinado nas escolas e é utilizado pelas instituições e pelos média do País. Podemos, então, dizer que é uma língua independente do castelhano e capaz de criar por si própria novos termos de forma coerente?

Segundo os próprios codificadores oficialistas reconhecem, o galego RAG=ILG foi configurado com subordinaçom formal (ortográfica e lexical) ao castelhano para as crianças, na escola, nom encontrarem naquele discrepáncias substantivas com este. Essa subordinaçom formal ao castelhano acarreta umha subalternidade ontológica e funcional do galego e, de facto, também umha marcada insuficiência expressiva, derivada, sobretodo, de umha falta de desenvolvimento coerente do léxico. Demonstraçom rápida e inapelável disso é a seguinte: todo o galego culto conhece as palavras ou expressons castelhanas destello e pulla (título do nosso livro!), e gajes del oficio, potito e tumbona, e aguafiestas, hortera e «se ha roto la cadera», mas quantos desses galegos cultos conhecem os correspondentes equivalentes funcionais em galego?! Tais equivalentes estám disponíveis, de forma perfeitamente idiomática para o galego, nas variedades lusitana e brasileira do nosso idioma, mas esse conhecimento, emancipador para o galego, nom foi socializado na Galiza.

Após 40 anos de oficialidade e com os estarrecedores dados atuais de uso do galego, achas que é possível normalizar a língua sem a normativizar bem primeiro?

Apesar daquilo que com freqüência se ouve em círculos do nacionalismo galego, que assim mostram umha assustadora ingenuidade, é princípio lógico e elementar da política lingüística o de se normativizar bem para se poder normalizar. Pois se normalizar umha língua (autóctone e menorizada), no nosso caso o galego, implica, necessariamente, socializá-la, promover e estender o seu uso no seio da sociedade, até nesta torná-la veículo geral e hegemónico de comunicaçom (o estado de normalidade), para tal revela-se indispensável que a língua subalterna objeto de promoçom social seja dotada, de início e sem demora, mediante umha normativizaçom (ou codificaçom ou padronizaçom) adequada, de umha ortografia, de um modelo gramatical (morfossintaxe, fonologia) e de um modelo lexical que se revelem genuínos, coerentes, estáveis e funcionais, e na mesma medida, ou superior, em que aqueles o som na língua menorizadora. Além disso, ficaria fora de toda a racionalidade (ou honestidade) que essa normativizaçom capacitante, podendo enveredar por umha via que multiplicasse a eficácia comunicativa e o prestígio social (capacidade de seduçom) do idioma subalterno, o nom figesse, e tanto mais quando o idioma menorizador apresentasse enorme potência comunicativa. Nesta linha, e à vista dos dados atuais de uso do galego, nom parece que a codificaçom efetuada polo oficialismo tenha contribuído para umha efetiva promoçom social do nosso idioma.

Dada a precária situação da nossa língua, que estratégias podemos adotar se a quisermos regenerar?

É indispensável umha intervençom decidida sobre o corpus do galego, de um modo que o regenere cabalmente do ponto de vista formal, que o capacite do ponto de vista funcional, que o emancipe ontologicamente do castelhano e que o prestigie socialmente. Essa intervençom é a mais natural possível e já foi enunciada há bem tempo: a coordenaçom ortográfica, morfossintática e lexical do galego com as suas covariedades lusitana e brasileira, plenamente desenvolvidas e socialmente estabilizadas, ou seja, mediante a osmose galego-portuguesa de que Carvalho Calero falava. Quaisquer medidas de promoçom ou normalizaçom do galego que nom incluírem essa coordenaçom e osmose estarám condenadas ao fracasso e, de facto, nem sequer merecem ser tomadas a sério. É como tentar defender um anho das acometidas de um tigre brandindo umha vara de vime, quando se dispom de umha lança bem aguçada.

Este livro tem uma perspetiva crítica em relação ao isolacionismo oficialista que mal temos a oportunidade de ver. Qual é a importância de termos acesso a canais de difusão e de falarmos sem papas na língua?

Os artigos reunidos em Farpas e Lampejos Regeneradores, como o subtítulo da coletánea declara, som peças de análise e de intervençom concebidas para se combater a degradaçom do galego. Tal intervençom pode e deve ser efetivada por cada um de nós de forma individual, e eventualmente grupal, convenientemente instruídos, com a utilizaçom da ortografia galego-portuguesa e com a regeneraçom, convergente com o luso-brasileiro, dos nossos léxico e morfossintaxe; no entanto, a esse respeito, a maior responsabilidade e a maior eficácia social correspondem, naturalmente, às autoridades políticas e às autoridades lingüísticas da Galiza. Como estas (RAG=ILG), até agora, com as suas inibiçons e intervençons despropositadas, tenhem desempenhado um papel nefasto, extremamente nocivo, em prejuízo da regeneraçom formal e funcional do galego e da sua normalizaçom social, a análise efetuada nos artigos deste livro tem de ser, e é, pungentemente crítica com as pessoas e instituiçons diretamente responsáveis. Em qualquer caso, a crítica, pungente até um grau, com efeito, pouco habitual neste campo, é sobejamente argumentada e justificada, socialmente útil e construtiva, no sentido de ela apontar para umha alternativa funcional. A este respeito, umha circunstáncia extremamente significativa, e de significado pouco lisonjeador para o nosso sistema académico-científico e sociopolítico, é que nunca, até agora, algumha autoridade oficialista intervéu em público para contra-argumentar e contrariar as teses críticas destes artigos (os quais, tenhamos em conta, surgem no único jornal impresso editado hoje integralmente em galego). Muito significativo.

Queria concluir agradecendo ao Nós Diario ter-me cedido um espaço mensal para a divulgaçom de temas de língua, mediante os artigos reunidos agora neste livro, à Através Editora polo convite para publicar esta coletánea, e ao PGL por realizar e difundir esta entrevista.

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