Sempre pensei que Bieito Lobeira é um dos políticos mais carismáticos e com maior poder de comunicaçom. A veemência com que, no parlamento galego ou através da plataforma Nunca Mais, defendia a gente do mar e as suas problemáticas é algo que comove. Filho de mariscadora e de marinheiro, sabe bem o que significa, viver do mar.
Quando lhe falei duma possível entrevista, aceitou sem o menor reparo. Combinamos na esplanada duma cafetaria do Cantom de Ferrol. A ideia: falarmos de reintegracionismo e de nacionalismo. Noutras palavras: da situaçom geral da nossa língua e do nosso país.
Bieito resultou ser o que aparenta: uma pessoa próxima, amável e divertida, de olhar curioso e sorriso aberto. Consegue falar duma maneira entretida e pedagógica da situaçom da nossa língua e da luita que mantemos a diário as pessoas que decidimos viver em galego.
Este é o resultado da conversa.
Bieito, como nacionalista que és, tés uma história de luita pola língua galega. Conta-nos como viveste a repressom linguística durante os anos da infância e da adolescência.
Nacim e crescim numa família galego-falante. Foi aos cinco anos, aproximadamente, quando me decatei, em carne própria, do conflito linguístico nada mais entrar na escola. Era um colégio religioso, e zoupavam em nós quando escutavam alguma palavra em galego.
Assim me decatei, deste jeito tam violento, da existência do espanhol. O mais triste foi comprovar como no meu ambiente social e familiar essa substituiçom linguística tam agressiva e brutal sobre as crianças era justificada com o razoamento de que o galego nom valia para nada, que só com o espanhol poderia ser algo na vida.
Num contexto em que o galego era ambientalmente hegemónico, através da escola o espanhol passou a ser o meu idioma de uso habitual. Tronçou essa realidade conflitual quando, já adolescente, acompanhando a minha mãe a realizar uma gestom burocrática no concelho de Marín, nom aturei os risos e a burla que provocárom num funcionário os esforços em vão da minha mãe por se dirigir a ele em espanhol. Foi um antes e um depois na minha toma de consciência linguística: provavelmente por amor à minha mãe e em defensa dela, e por me abrir os olhos a uma realidade objetiva que estava aí, que também padecia, e que já advertira como completamente injusta, abusiva, e que ninguém merecia. Há feitos concretos que em ocasions fam mudar radicalmente a percepçom da realidade, e provocam mudanças de atitude. Esse foi o meu caso.
Tronçou essa realidade conflitual quando, já adolescente, acompanhando a minha mãe a realizar uma gestom burocrática no concelho de Marín, nom aturei os risos e a burla que provocárom num funcionário os esforços em vão da minha mãe por se dirigir a ele em espanhol. Foi um antes e um depois na minha toma de consciência linguística.
Obrigada pola tua generosidade ao contar-nos esta experiência de repressom, porém, também de amor e dignidade. Seguindo com o tema linguístico, sei que és consciente de que há muitas críticas ao BNG por parte de certos sectores do reintegracionismo (por nom dar passos em utilizar de maneira continuada e oficial a norma histórica). Qual é a tua opiniom a respeito destas críticas?
Som consciente dessa realidade. E também de que numa situaçom sociolinguística tam complexa e confusa como a que padece o nosso idioma as soluçons nom som doadas. Para nós é importante garantir a recepçom social das nossas mensagens e evitar coartadas no debate essencial: o da plena normalizaçom social do galego. Em qualquer caso, o BNG tem uma posiçom política de fundo, aprovada em várias assembleias nacionais, que assume como próprio o objetivo reintegracionista e o nosso idioma como parte do mesmo sistema linguístico galego-português. Essa dimensom internacional da nossa língua fundamenta a aposta pola incorporaçom na CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa), substanciada mesmo em iniciativas parlamentares do BNG e, em geral, na lusofonia. Estas som algumas das pautas de atuaçom visíveis do nacionalismo no âmbito linguístico. Quero dizer com isto que o BNG é aliado da causa reintegracionista.
O BNG tem uma posiçom política de fundo, aprovada em várias assembleias nacionais, que assume como próprio o objetivo reintegracionista e o nosso idioma como parte do mesmo sistema linguístico galego-português. Essa dimensom internacional da nossa língua fundamenta a aposta pola incorporaçom na CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa), substanciada mesmo em iniciativas parlamentares do BNG e, em geral, na lusofonia.
Desculpando a falta de modéstia, acho que é o seu melhor aliado no plano político. E mesmo o facto de se darem avanços (tímidos, reconheço-o) na normativa oficial tem a ver com a posiçom mantida polo BNG neste assunto.
Cumpre ser crític@ com os dous posicionamentos. Ao mesmo tempo que o nacionalismo galego deve dar passos em normalizar o uso da norma reintegrada, o movimento reintegracionista deve ser consciente que nunca poderá alcançar objetivos salientáveis graças as organizaçons políticas estatais.
Subscrevo plenamente a tua análise. Basicamente porque o conflito linguístico existente na Galiza está absolutamente ligado à situaçom de dependência, anulaçom política e subordinaçom económica que padecemos há séculos. É, daquela, um problema estrutural. Como estrutural é a situaçom de submissom deste país.
Nega-se um idioma porque se nega a existência dum povo, duma naçom. Por tanto, a língua nom é um compartimento estanco, alheio à realidade social e política, senom que se insere claramente nela. Assim, estou convencido de que o processo de normalizaçom do uso social do nosso idioma e de reintegraçom ao sistema linguístico estám ligados ao avanço no processo de libertaçom nacional. E a história demonstra que esse processo só caminha da mão das forças próprias, galegas e nacionalistas, sem dependências alheias.
Coincidimos em que a situaçom do reintegracionismo nom é algo alheio à realidade política do país.
Naturalmente. Por o debate ser político, de fundo, e nom exclusivamente filológico. Em qualquer caso, sociolinguístico. Está ligado às relaçons de domínio que se verificam também no âmbito linguístico, como componente básico da existência da naçom.
Pertences à organizaçom maioritária dentro do BNG, a Unión do Povo Galego, que está acompanhada por certa lenda negra… Gostarias de contradizer esta visom?
Som militante do BNG, mas estou também orgulhoso de pertencer à UPG. Com acertos e com erros, nos seus já quase 60 anos de história, este partido tem demonstrado a sua utilidade prática para a vertebraçom social do nacionalismo nom só no âmbito político, também no sindical, cultural, juvenil, rural, ecologista, e tantos outros.
É provavelmente por essa razom, a do contributo essencial à auto-organizaçom do povo galego, à determinaçom por fazer do nacionalismo um movimento de base popular vivo e atuante a nível político e social, e a de nunca claudicar à hora de erguer a bandeira da naçom baixo premissas marxistas e anti-imperialistas, que padeceu – padece – essa “lenda negra”. Também tenho que dizer que me parece uma caricatura profundamente injusta e imerecida, falsa e mesmo torpe.
Enlaçando com esta última pergunta, devemos dizer que a UPG define-se como uma organizaçom nacionalista e comunista. Embora o termo e o conceito “comunismo” estejam em desuso, acho que o comunismo e o socialismo poderám aportar soluçons, enquanto este capitalismo feroz e o imperialismo sigam criando problemas como o da repressom às culturas e às línguas dos povos, entre elas a nossa.
No combate ideológico, e olhando para o mundo, do mais próximo ao mais afastado, acho que as bases em que assenta o seu poder o capitalismo na esfera mundial, isto é, o imperialismo, representam uma ameaça à pura sobrevivência da humanidade. A aposta por um mundo nom hierarquizado, de povos livres, das trabalhadoras e dos trabalhadores, da justiça, da democracia, da dignidade e da liberdade, segue a ser uma nobre aspiraçom humana. Se mo permites, nunca foi um objetivo tam necessário para os povos do planeta. Uma República galega e uma sociedade sem classes, sem amos, nem escravas: velaí o meu ideal e a minha inspiraçom.
Deste sistema imperialista de que estamos a falar, faz parte o heteropatriarcado. Apesar da luita que mantemos a diário e de tantos objetivos conseguidos, ainda há muito machismo na sociedade. As organizaçons políticas de esquerda nom som alheias a esta situaçom. Ainda há trabalho que fazer neste sentido.
E muito há que sachar aí. Poderia encher peito e proclamar que o BNG é diferente (e penso que si o é), que as suas máximas referentes som mulheres, que é uma organizaçom que se define expressamente como feminista há já quase 30 anos, que muitas companheiras ao longo da sua história tivérom responsabilidades-chave, que possuímos protocolos internos específicos aprovados em assembleias nacionais…
Mas também devemos ser autocríticos e sobretudo, realistas. O BNG, entendido como corpo humano organizado, nom é alheio à realidade, ao contexto, e a umas pautas sociais de comportamento hegemónicas que som profundamente machistas. Fomos educad@s nesta sociedade, nom noutra. De facto, na nossa própria realidade organizativa, apenas 30% da militância som companheiras. É certo que essa percentagem é diferente na composiçom dos órgãos de direçom ou na presença nos parlamentos, contudo, é evidente que a militância (entendida como implicaçom ativa) é mais dificultosa para as mulheres do que para os homens. Também os roles nas juntas som diferentes e muito cumpre avançar na direçom da igualdade real e plena dentro do BNG. Esse é o caminho.
O BNG, entendido como corpo humano organizado, nom é alheio à realidade, ao contexto, e a umas pautas sociais de comportamento hegemónicas que som profundamente machistas.
Muito trabalho temos por diante e para ter azos para tanta luita, podemos lembrar o Castelao de Sempre en Galiza, que segundo me dixeste foi fundamental para ti. “A nossa galeguidade provém da fortaleza do espírito, e ainda que carecemos de vontade ofensiva somos inexpugnáveis na resistência.”
Bieito Lobeira Domínguez, nado o 22 de outubro de 1968 em Seixo (Marim), começou a sua vida política na asociaçom de estudantes ERGA com dezasseis anos.
Integrou Galiza Nova desde a sua fundaçom e foi o seu secretário-geral desde 1992 até 1998.
Trabalhou como estivador de porto até os 26 anos e em 25 de março de 1996 acedeu ao parlamento de Galiza em substituiçom de Guillerme Vázquez e continuou como deputado desde a quinta à oitava legislatura.
Foi membro do Conselho de Contas e da comissom legislativa que analisou a catástrofe do Prestige e porta-voz do BNG para assuntos pesqueiros e marítimos. Vice-porta-voz e presidente da Comissom de Educaçom e Cultura do Parlamento Galego, foi também um dos coordenadores da Plataforma Nunca Mais.
O seu compromisso ativo trouxo-lhe problemas por mor de declarar-se insubmisso e polos atos de ocupaçom, para reivindicar que a família Franco devolva ao povo a Casa de Cornide e o Paço de Meirás. De todos estes problemas com a justiça ficou absolvido.
Na atualidade faz parte do Conselho Nacional do BNG, ocupando desde há anos o cargo de secretário de organizaçom.