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aRi[t]mar: mais que arte

A Escola Oficial de Idiomas festejou o passado 31 de novembro no Auditório de Galiza (Santiago de Compostela) a terceira gala dos Prémios da Música e da Poesia Galego-Portuguesas aRi[t]mar. Estes prémios têm por objetivo achegar estes dois países, que gozam de um passado histórico comum, assim como dar a conhecer a música e poesia que produzem.

Além disso, é uma forma de ter presente a Lei Paz-Andrade aprovada em 2014, que difunde a língua portuguesa na Galiza e os vínculos com a lusofonia.

Arranca a noite com os apresentadores Carlos Meixide (escritor, jornalista e humorista galego) e Íria Pinheiro (atriz, roteirista e apresentadora de televisão, conhecida particularmente pelo seu trabalho em Luar). Juntos os dois, abrem a gala com brincadeiras sobre a imposição galego e português sobre o castelhano, que faz a tentativa de sobreviver porque como todos sabem, está a piques de morrer, comenta Meixide.

O ambiente torna-se ágil e engraçado. A gente que estávamos a escutar não parávamos de rir com o pequeno sketch que montaram os dois apresentadores, no qual, Carlos fazia com as mãos como que o castelhano estava nas últimas, e Íria punha as suas mãos por cima para terminar de matá-lo. Uma história muito real e próxima, sim!

Depois de um pequeno instante de risadas, os apresentadores deixam-se de besteiras e começa o reparto de prémios: o certame divide-se em quatro categorias: melhor poema galego, melhor poema português, melhor tema musical galego e melhor tema musical português.

Os ganhadores são escolhidos em primeiro lugar pelo júri, que escolhe 10 poemas em galego e 10 poemas em português, 10 canções em galego e 10 canções em português, e finalmente, é o público geral quem toma o poder de voto e decide os ganhadores.

MELHOR POEMA

Abriu o certame com a entrega do prémio ao melhor poema em galego. Os finalistas foram “Arróstrasme Ítacas”, de Eli Rios e “Tira a roupa”, de Marta da Costa”. Mas finalmente, o ganhador foi Lois Pérez com “Blues do rei Bergman=B.B. King”, quem atuou não só com o seu poema e a sua voz, mas também acompanhado por músicos que tocavam a melodia da típica canção Stand by me, de B.B. King de fundo.

Este homem, quem às primeiras parecia muito sério e formal com seus óculos de cristais pretos, as suas calças pretas, a camisa preta e a sua gravata country de cor esperadamente preta, resultou ser um tanto brincalhão, mas dentro sempre da seriedade: agradeceu às pessoas que tinham lido e votado pelo seu poema, e mais más às pessoas que votaram sem lê-lo, “que tem mais mérito”, comentou Lois Pérez entre risos.

Foi então à vez para o melhor poema em português. Os finalistas foram “Sou mulher de vestígios fáceis e dignos”, de Cláudia R. Sampaio, e “Aprendizagens”, de Ana Luísa Amaral, e o ganhador foi “Com o ritmo da chuva”, de Alexandre Brea, homem que nos seus agradecimentos aludiu à importância da difusão da lusofonia e da Lei Paz Andrade, e alegou que a escrita reintegracionista abriu-lhe as portas de um mundo mais amplo.

Depois de tantos agradecimentos, por fim, tivemos o prazer de escutar as obras ganhadoras: os poemas. Mas, contudo, a atuação que mais teve êxito foi a que ambos fizeram juntos: uma canção com parte cantada por Lois Pérez, e parte poética recitada por Alexandre Brea, chamada “Ladyglosia”. Esta canção tratava sobre a língua minimizada do país: o castelhano. É claro que tem uma grande força satírica, onde tentavam ridiculizar todos esses “espanholitos” que fazem uma tentativa de terminar com a nossa língua, afirmando que os que não falamos castelhano somos incultos e não sabemos falar (a mim no momento, mirando a gala, até me recordou o texto de Agualusa, A Propós de la Lusophonie).

Por exemplo, mencionaram as assinaturas dos madrilenhos para retira o ensino do galego das aulas, e meteram palavras ou frases mau traduzidas como “el vino Alvarito, passar las vacaciones em el Grueve”, “centuellos”, “somos bien mas finos ca ellos, que nojo!!” e claro, não podia faltar a palavra estrela: Sanjenjo.

Toda a gente nas poltronas estava a chorar de riso com o que ouviam, mas faltava a cúspide da canção, a frase final, na que optaram pelo uso do inglês:

the classis shit of the imposition speech”.

Levantamo-nos todos a despedi-los com aplausos, gritos, assobios e até algum piropo se ouviu diante de tal obra de arte satírica com um fim explosivo.

MELHOR MÚSICA

Da euforia que nos deixara a atuação de Lois Pérez e Alexandre Brea, deu-se passo aos prémios à melhor música. Os finalistas do prémio à melhor música em galego foram De Vacas, com “Amodiño” e MJ Pérez com “Casandra”. Mas finalmente, as ganhadoras foram A banda da Loba com o tema “Bailando as rúas”, que entraram em palco com uma grande salva de palmas por parte do público.

Agradeciam à gente que apostou por elas, pois nem elas apostaram. “Somos uma banda de 5 mulheres e pensávamos que era impossível dar o salto. Obrigado por esta vivência inesquecível”, diz Xiana Lastra, vocalista do grupo.

E, não diz nenhuma mentira: é um facto que chegar ao sucesso é mais difícil para uma mulher que para um homem (sem ser sexualizada, quer dizer). Portanto, estas meninas têm o duplo de parabéns pela minha parte.

Mas, por fim, e sem quitar mérito aos demais artistas, chegava o prato forte da noite: o prémio á melhor música em português.

Os finalistas desta categoria foram Amodiño e Tiago Bettencourt, com “Se me deixasses ser”, Ana Bacalhau com “Leve como uma pena” e Carolina Deslandes com “A vida toda”.

Mas como todos sabiam naquele dia, e como todos sabem agora, o ganhador deste certame foi o mesmo que ganhou Eurovisão no ano 2017 com a canção “Amar pelos dois”: Salvador Sobral.

Salvador sobe ao palco e quando o conselheiro de Cultura, Román Rodriguez, pega o prémio para ele, o que diz é “oh, obrigado, não estava nada à espera”. Ninguém também não esperava que tomasse o tema de brincadeira, mas parecia ser que ele é assim, brincalhão. Tornou-se sério um bocado para agradecer o prémio à sua irmã, Luísa Sobral, que é a compositora da canção, mas rapidamente voltou à brincadeira: pergunta se os galegos meteram algo da nossa terra dentro da estatueta (referindo-se à droga). Ficamos todos divertidos com estes comentários do cantante.

Deu-se um intervalo entre os agradecimentos de Sobral e as atuações, em que se entregou o Prémio amizade Galiza-lusofonia, o prémio especial do júri do certame, às ConverXGências Portugal Galiza, recolhido por Jaime da Silva.

As Convergências dão nome a uma semana de encontro cultural, musical e literário entre as dois margens do Minho que reúnem em Braga, Padrão e Santiago de Compostela, artistas que queiram ampliar horizontes entre Galiza e Portugal. Nasceram co objetivo de fazer homenagem a dois figuras históricas importantes dos dois países: Rosalia de Castro e José Afonso.

Assim se retiraram do cenário, apareceram Carlos Meixide e Íria Pinheiro para pôr fim à gala antes de dar passo às atuações musicais. Aproveitaram para agradecer à equipa técnica e produção (Xavier Varela), à chefe de prensa, Íria Méndez, e a todo o auditório e escola que leva trabalhando nisso um ano inteiro. A gente rompe em aplausos e berros para os apresentadores que tanto nos fizeram rir e passar um bom bocado da gala.

A seguir, A banda da Loba, após um par de afinações, começa as quatro canções que decidiram tocar: poemas de Célia Parra e Rosalia Fernández Rial convertidas em música, e outra chamada Anagnorise, inspirada numa novela em reconhecimento do dia das letras galegas. Uma das integrantes explica “A história do nome do grupo é por uma bandoleira, figura na qual nos identificamos: Pepa Loba, quem ultrapassou todos os obstáculos que a vida lhe pus por. E aqui nós, as suas filhas: A Banda da Loba.”

Deste jeito começam as canções que nos impressionaram a todos os que estávamos presentes na sala. Na verdade, são moças tão jovens que ficas abrumada pela boa qualidade de som que elas têm. Uma atitude que desprende uma boa vibração incrível e umas letras maravilhosas entre as quais deixam estas frases que anotei quando escutava:

O perigo é um momento, vamos juntas viajar”

Anagnorise, conhecer, descobrir quem és”

Se o seu nome Pepinha era, desconhecia o seu pai, era filha de solteira… moi mal o ia passar.”

De seguido, entrou o artista Salvador Sobral, junto com o pianista Abe Rábade, que Salvador apresenta como “grande amante da sua terra, de ser galego do norte, e eu sou galego do sul”. Deixa esta grande frase com a que todos os galegos ficamos profundamente apaixonados (sabe-se isto, porque no momento em toda a sala se ouviu um grande ooooooh).

Continua a noite não só com a atuação deles dois com a conhecida canção Amar pelos dois, mas também eles converteram um poema de Pessoa em música “O amor quando se revela”. A sala inteira do Auditório calada. Não se escuta nem um respiro e ele começa a cantar.

Nenhuma pessoa olha para outro lado que não fosse Salvador, e o único que se pode escutar finalmente antes de que a gente rompa em aplausos, é como secam as lágrimas na manga da camisola. Ele acaba e a gente fica louca. Mas, antes de que se torne uma turba, ele começa a falar e todos ficamos calados. Ele, como nervoso, explica o que agora vem: o poema “Eu em ti” de Celso Emílio Ferreiro, feito canção.

Ninguém esperava uma homenagem assim desse artista, que mais facilmente poderia ter cantado qualquer das suas canções do seu álbum em português, fazer promoção e ficaria igual de bem. Mas depois disto ele ficou mais que bem. Mais do que poderia ter ficado ainda cantando a sua discografia inteira.

Começa a cantar. De novo, nem um chio se ouve. A gente olha para ele como se não pudesse conter a emoção, mas tinha, porque estávamos num espaço fechado. Salvador tentando cantar em galego sem inclinar-se para o português. Precioso. Ele termina e agora sim, o tumulto rompe estrondoso.

As pessoas todas levantamo-nos do sítio. A sala inteira aplaudindo levantada, berrando, chiando, chorando, falando, dizendo-lhes piropos aos gritos. Turbulência total.

E posso assegurar que jamais na minha vida uma pessoa que desfrutasse tanto do que faz, como faz ele. A ele não lhe interessa se rim dele pelos seus gestos repentinos e exagerados, pelos seus passeios enquanto Abe Rábade fazia um solo, as suas imitações de instrumentos utilizando a boca, ou os golpes que dá no seu corpo para levar o ritmo. Não interessa. Ele vive a música e por isso é tão bom, por isso é capaz de emocionar à gente. Porque não só se trata da letra que canta, que também é coisa importante, mas sim do que ele sente.

Despediram-se e acenderam as luzes.

Assim terminou um dos projetos com mais importância linguística e cultural sem fins lucrativos deste século. Terceira gala que o ano que vem se repetirá e que, certamente, será igual de boa que esta.

Algumas pessoas foram embora para casa, com um sorriso e uma noite distinta, e outras que participavam dentro do certame (organização e espetáculo), estavam convidadas a aperitivos e vinhos por conta da Escola Oficial de Idiomas de Santiago de Compostela, dentro do próprio Auditório de Galiza.

Quanto a nós ficamos também mais um bocado, partilhando o mesmo sorriso com todos eles. Mas esta parte da crónica fica na privacidade dos melhores deleites vividos neste ano…

 

GALA aR[t]mar 2018

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