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António Gil: “Biqueira era doutrinalmente mais radical que Carvalho”

A Através Editora lança novo livro: Johán Vicente Viqueira / João Vicente Biqueira (1924-2024). Poemas e ensaios, coincidindo com o 100 aniversário da morte de Johán Vicente Viqueira, a chancela editorial da AGAL publica uma seleção dos seus textos editados e comentados pelo académico da Academia Galega da Língua Portuguesa António Gil.

Falamos com ele para entender melhor o pensamento linguístico, educativo e filosófico dum dos primeiros defensores da convergência ortográfica galego-portuguesa.

O livro recolhe as ideias de V/Biqueira em diversos âmbitos. Fica HOJE algo de V/Biqueira no pen­samento atual galego?

Para o comum das pessoas e mesmo das associações, acho que as ideias biqueiranas ficam esque­cidas, se nalgum momento foram conhecidas, e ignoradas. Porém, há pessoas, como José L. do Pico Orjais, que se preocuparam com o conhecimento e expansão da pessoa e ideias de Biqueira, tam­bém e mesmo familiar, através, por exemplo, da esposa Ja­cinta Landa e familiares, hoje mexicanos. Aí está o volume e CD que recolhe as canções (galegas, portuguesas e extremeñas) que Jacinta manteve vivas na memória.

Tempos atrás, estudiosos do krausismo (Ángel Porto Ucha e Purificación Mayobre) também se preocuparam com o conhecimento de Biqueira como protótipo do krausismo na Galiza e Portugal

Para quem deveria ser uma leitura imprescindível?

Depende dos textos, dos artigos. Cumpre dizer que bastantes dos artigos ou série de artigos que Biqueira escreveu são consultáveis na rede, mormente no Boletim da Institución Libre de Enseñan­za. Eu tenho recolhidos no volume Obra Seleta todos os artigos publicados em ANT. Neste de Através, Poemas e Ensaios, retomo alguns deles.

Interessantes para os especialistas são os textos, abundantes em proporção aos anos que Biqueira vi­veu, sobre psicologia, pedagogia e mesmo filosofia; transcrevo alguns traduzidos para português (galego) neste mesmo volume, Poemas e Ensaios.

Estamos no centenário da morte de Viqueira e, ligando com a pergunta anterior, achas que ainda im­porta a sua figura 100 anos depois?

Sem dúvida. Por exemplo, a sua proposta, esclarecida, da criação de uma faculdade ou, antes, universidade galega, verdadeiramente galega, em que a cultivação do idioma “próprio” seja primor­dial. Ou a criação de estabelecimentos educativos de “formação profissional” adequados às necessi­dades da sociedade galega. Ou apenas (?), referida aos processos comunicativos na Galiza, a prática do idioma coerente com a meta que Biqueira resumiu: “Viver no português é viver no mundo”, en­quanto se afastar do português equivale a morrer como idioma e como comunidade singelamente humana. Esta é ideia forte que Castelão explicou generosamente no Sempre em Galiza. (Não para­doxalmente esta “bíblia do nacionalismo galego” pode ser considerada expansão das ideias e escri­tos de Biqueira sobre o Galego e a Galiza.

Este livro une-se à tua produção prévia sobre o filósofo, que novas abordagens traz o livro?

O meu trabalho, nos três volumes que dediquei à divulgação do pensamento biqueirano, cingiu-se a isso, a divulgar a sua conceção da Galiza, ele madrileno de nação e educado e formado na Institu­ción Libre de Enseñanza. No primeiro volume, editado pelas Irmandades da Galiza e Portugal, em particular graças a José Luís Fontenla, ape­nas procurei divulgar o seu pensamento, genericamente; no segundo, destaquei textos sobre tema musical, originais e traduzidos; neste saliento ideias e escritos sobre psicologia, pedagogia e filosofia.

Qual é a faceta menos explorada ou divulgada do escritor?

Com certeza não vos sei bem. Na minha procura achei artigos sobre Viqueira como introdutor ou estudioso ou divulgador da avançada Psicologia experimental, mormente alemã, embora com alguma detenção se ocupe de W. James, norteamericano, em diversos escritos. Também assistiu as aulas de H. Bergson, francês, cuja influência reflete em diversos artigos. Teve relação cordial, segundo parece, com L. Coimbra, português, filósofo do Criacionismo. Mas, salvo Porto Ucha e outras poucas investigadoras (sic), mal se estudaram as “crenças” krausistas de Biqueira, esperáveis, aliás, pela sua pertença “de toda a vida” à Institución Libre de Enseñanza e pela familiaridade com Giner de los Ríos, um dos seus fundadores, e Bartolomé Cossío, emparentado com os Viqueira López Cortón. Tanto que o “paço” de Vijói (Betanços) pode ser considerado residência de verão dos institucionistas.

O livro é o primeiro em sair durante o centenário do seu passamento. Lendo o liv­ro entende-se a importância da personalidade de Viqueira, mas o silêncio oficial tem alguma razão de ser?

Espero que reeditados ou não sejam publicados mais livros sobre Biqueira (Porto Ucha, Blanco Trejo, Mayobre, …) e de Biqueira referidos quer à Galiza, quer a filosofia e psicologia. Biqueira tem um meio artigo póstumo sobre Unamuno e a sua “filosofía patriótica española”, publicado em Alfar (Crunha) e no Boletin de la I.L.E. Acho que merece atenção particular, apesar de ser inconcluso, porque expõe a sua conceção nacionadora da Galiza e sobretudo porque critica sem reviravoltas o nacionalismo patriótico, nada filosófico, do pensador basco, converso ao nacionalismo espanhol apesar deste não lhe ter reconhecido tal conversão sincera (sic). Cito do artigo em causa:

O pensamento de Unamuno nasceu sob influências que podem ser esclarecida­mente de­terminadas: as tendências nacionalistas de carácter liberal, a influência do dinamar­quês Ki­erkegaard e de alguns tipos literários e, afinal, o seu carácter, o qual não deve estranhar dada a sua tendência subjetivista. Como no pensador dinamarquês citado, Unamuno descortina-se plenamente na sua filosofia.

Quanto ao nacionalismo, baste lembrar os nomes de Costa e Ganivet. Em Unamuno, por afini­dade de carácter, parece ter influído mais o primeiro. Procura­vam esses pensadores adentrar-se na alma espanhola pela qual decerto enten­diam que era a alma da Espanha Cen­tral e do Sul. O facto de a Espanha não constituir uma unidade evidencia-se (cumpre lem­brar) em que não existe nacio­nalismo espanhol, mas, tudo o mais, nacionalismo central cas­telhano e, junto deste, nacio­nalismo catalão, basco, etc. Ora, o nacionalismo de Unamuno, que se baseia naqueles pensado­res, é nacionalismo imperialista castelhano. [Em nota de ro­dapé Biqueira explica: “Apesar de ser basco o sr. Unamuno. Este pensa que o basco é a quinta-essência (alcalóide) do castelhano.”]] Mas esse nacionalismo não pôde substanciali­zar-se, porquanto não há tradição filo­sófica espanhola; pôde apenas orientar para alguns conteúdos.

E numa secção III, de título “Nacionalismo”, apenas iniciada, Biqueira diz:

Com isso enlaça o seu nacionalismo castelhano imperialista, que o leva até a exalçar Inácio de Loiola, Filipe II [de Castela; I de Portugal] e o fanatismo popular. El sentimento trágico da vida, núcleo da re­ligião, resposta ao único problema vital no homem, vale por tudo. Sem isso, que vale o resto? “Que inventem os outros, se quiserem; nós pregaremos a volta à verdadeira religião.” Portanto, o distintivo da alma espanhola é, para Unamuno, o melhor que há no mundo.

Unamuno creu achar em D. Quixote um símbolo. Dom Quiote é a encar­nação do senti­mento trágico da vida.

Por causa da suas ideias e decisões podemos dizer que é um vulto incómodo para o lobby autonómico?

Sem dúvida. Em 1974 pôde lhe ser dedicado o Disa das Letras Galegas; hoje, muito dificilmente, dada a experiência (ou experimentação) sofrida com Carvalho Calero ou contra Carvalho Calero. Biqueira era doutrinalmente mais radical que Carvalho.

Para concluir, duas questões:
Porque recomendarias ler esta edição da obra de Viqueira?

Sem dúvida deve ser lida por todas aquelas pessoas que tentarem chegar a um conhecimento certo da teoria e práticas do nacionismo (não apenas nacionalismo) da Galiza, da corrente ideal e ideológica que procure fazer de “Galicia interior e exterior” uma nação (com estado) ou uma secção da Nação que já é Estado, Portugal, no seio da Federação Ibérica. Digam o que disserem, esta futurível Federação acha-se com bastante frequência tratada nos escritos biqueiranos e castelanianos (Sempre em Galiza).

O que tem que de especial com respeito a outras, se as houver?

Tem de particular o facto de abordar assuntos bastante precisos e particulares, não só relativos à Galiza, nação ou segmento de nação estadualizável e estadualizanda, mas também breves notícias encerradas nos apêndices, mormente as referidas ao pensador Viqueira “em expansão” do krausismo ao criacionismo, ao bergsonismo, à psicologia experimental, ao marcelianismo e, por fim, à profundização, com Pessoa, no ser e estar da galeguidade completa neste mundo e no futuro. E tudo isso, perspectivado desde o lirismo, mas cum mica salis retranqueiro.

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