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Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990) : o desfecho indispensável de uma história interminável (I)

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Rolf Kemmler é Sócio Correspondente Estrangeiro da Classe de Letras da Academia das Ciências de Lisboa (ACL), investigador do Centro de Estudos em Letras da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) e do Centro de Linguística da Universidade do Porto (CLUP).

É especialista nas áreas da história da ortografia da língua portuguesa desde o século XVI até ao século XXI e da história das tradições gramaticográficas portuguesa e latino-portuguesa dos séculos XVI-XIX.

O presente trabalho constitui uma versão ligeiramente retocada da síntese apresentada em forma de comunicação oral no âmbito do Colóquio realizado na Academia das Ciências de Lisboa (9-10 de novembro de 2015). Para a versão escrita, cf. Kemmler (no prelo).

Do PGL ficamos obrigados ao autor pela oportunidade de publicar este interessante contributo inédito.

Devido tamanho publicaremos em duas partes, hoje 29 e 2 de janeiro.

 

1 Introdução

Durante os quase 105 anos da existência da República Portuguesa, poucos objetos de legislação ou de decisão governamental têm sido tão intensamente discutidos como a questão sobre a norma gráfica que o Estado Português foi adotando como resultado de duas reformas e dos quatro acordos ortográficos que efetivamente chegaram a entrar em vigor em Portugal.

Por ter dedicado ao assunto quase duas décadas e largas centenas de páginas com investigação científica, estou convencido de que os maiores problemas na discussão acerca do Acordo de 1990 na atualidade se devem à profunda ignorância que existe em largos segmentos da população académica e civil, quer sobre a própria natureza de uma medida ortográfica como tal, quer sobre o fio condutor histórico que fez com que o Acordo de 1990 efetivamente deve ser considerado como indispensável para a ilustração e defesa da língua comum dos países que ora estão reunidos numa CPLP (1996) cada vez mais atrativa, até para países não primariamente lusófonos.

2 A reforma de 1911 e o início da questão ortográfica luso-brasileira

Se bem que conste ter havido contactos informais entre sócios da Academia Brasileira de Letras (ou ABL) e da Academia das Ciências de Lisboa (ou ACL) por ocasião da discussão do Questionário apresentado por Aniceto dos Reis Gonçalves Viana (1840-1914) em 1900, não cabe dúvida de que o projeto de uma ‘simplificação’ e ‘unificação’ do sistema gráfico português resultou de uma iniciativa do próprio Governo Provisório Português, sem qualquer consulta dos irmãos transatlânticos. Na parte dispositiva da portaria de nomeação de 15 de fevereiro de 1911, o Ministro do Interior António José de Almeida (1866-1929) encarregou a comissão:

[…] de fixar as bases da ortographia que deve ser adoptada nas escolas e nos documentos e publicações officiaes e bem assim de organizar uma lista ou vocabulario das palavras que possam offerecer qualquer difficuldade quanto á maneira como devem ser escritas (Portaria 1911a: 606).

É sabido que a ABL, enquanto os trabalhos da co­missão republicana ainda estavam a decorrer, chegou a abordar a ACL para negociar a possibilidade de um acordo interacadémico luso-brasileiro. Mas a desejada deslocação do académico brasileiro José Veríssimo Dias de Matos (1857-1916) para Lisboa nunca se realizou. Com efeito, o único resultado tangível que este episódio de correspondências interacadémicas produziu, foi uma ‘disputa interacadémica’ que viria a dominar o dis­curso em matéria ortográfica durante décadas.

Considerando que tal medida somente era vinculativa dentro da ABL e das suas publicações, pouco importa que em 11 de novembro de 1915 o académico José Júlio da Silva Ramos (1853-1930) tenha convencido os seus consócios a adotarem o sistema simplificado português, já que esta adesão chegou a ser revogada em 24 de novembro de 1919 por iniciativa de Osório Duque-Estrada (1870-1927).

Já em Portugal, o linguista António Cândido de Figueiredo (1846-1925) julgou conveniente resolver algumas questões do sistema simplificado que tinham ficado pendentes, antes que viessem a falecer também os restantes elementos da comissão de 1911. Assim, contactou os outros elementos da comissão em 25 de novembro de 1919, solicitando ainda a opinião de outros colegas. Comunicado ao então Ministro da Instrução Pública em 1 de setembro de 1920, o resultado destas deliberações foi mandado publicar por Júlio Dantas (1876-1962) na portaria 2 553 de 29 novembro de 1920. Mesmo que Figueiredo tenha envolvido o académico brasileiro Silva Ramos, bem como o seu conterrâneo, o linguista e gramático Mário Castelo Branco Barreto (1879-1931), é de notar que esta reforma, mais uma vez, foi elaborada à revelia da ABL e dos demais órgãos políticos e culturais brasileiros então existentes.

3 O Acordo Ortográfico Luso-Brasileiro (1931) e o acordo resultante da Conferência Interacadémica Luso-Brasileira de Lisboa(1945)

Como resultado de uma sequência algo confusa de mudanças do sistema gráfico ao longo dos anos 1920, a ABL tomou a iniciativa de propor à ACL um primeiro Acordo Ortográfico Luso-Brasileiro. O fruto das negociações interacadémicas foi assinado por representantes dos dois países no dia 30 de abril de 1931, preconizando a adoção do sistema simpli­ficado de 1911 e 1920 pelo Brasil, ao passo que introduzia leves alterações ao sistema português.

Um dos assuntos que não tinha sido considerado devidamente nas negociações entre as duas academias foi a elaboração de um formulário ortográfico completo, cujo papel seria o de reunir as bases das reformas de 1911 e 1920, junto com as regras novamente introduzidas pelo acordo de 1931. Foi por isso que surgiu o que na altura era apelidado de ‘desacordo ortográfico luso-brasileiro’ – um desacordo, aliás, que somente viria a ter fim com o Acordo de 1990. Ao passo que a ACL de imediato não tenha desenvolvido qualquer protagonismo, o filólogo Laudelino Freire (1873-1937) procedeu, no Brasil, à elaboração e publicação de um formulário ortográfico.

Devido aos desencontros entre o formulário brasileiro e o subsequente Vocabulário Ortográfico e Ortoépico da Língua Portuguesa, publicado em 1933 pela ABL em nome de ambas as academias, este não podia ser encarado como verdadeiramente representativo, pois era natural que a ABL atendesse às suas próprias necessidades e às circunstâncias linguísticas e prosódicas próprias ao português do Brasil, estabelecendo, pela primeira vez, uma ‘dupla grafia’ – que não consta do acordo.

Como sabemos, a adesão brasileira à ortografia simplificada não duraria muito tempo, já que o artigo 26° das disposições transitórias da Constituição brasileira de 16 de julho de 1934 ‘decretou’ o retrocesso à ortografia usual como se usava em 1891 (Kemmler 2011b: 23). Longe de ser pacífica, esta medida foi ‘revogada’ pouco depois, através do Decreto-Lei 292 de 23 de fevereiro de 1938.

No entanto, as duas academias deram continui­dade aos trabalhos que visavam a elaboração de vocabulários ortográficos adequados. Assim, apesar de ser uma obra coletiva da ACL, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa de 1940 deve-se ao empenho do filólogo clássico Francisco da Luz Rebelo Gonçalves (1907-1982). No outro lado do Atlântico, a ABL contou com o empenho do filólogo baiano José de Sá Nunes (1889-1955), que ficou incumbido da redação final do formulário ortográfico de 53 pontos que serviria como base ideológica do Pequeno Vocabulário Ortográfico da língua portuguesa que a ABL viria a publicar em dezembro de 1943.

O surgimento dos dois vocabulários levou a nova iniciativa rumo a uma unificação ortográfica. Assim, presumivelmente devido a uma sugestão pelo ministro Gustavo Capanema Filho (1900-1985), poucos dias após a saída do prelo do PVOLP, foi em 29 de dezembro de 1943 que o ditador português António de Oliveira Salazar (1889-1970) e o embaixador brasileiro João Neves da Fontoura (1887-1963) assinaram a Convenção Ortográfica Luso-Brasileira.

Ora, ao contrário do que têm vindo a afirmar estudiosos menos bem informados da ortografia luso-brasileira, a Convenção Ortográfica Luso-Brasileira de 1943 não constitui nenhuma medida em matéria ortográfica. Pelo contrário: trata-se de um convénio bilateral de quatro artigos, cujo papel é a criação de um enquadramento legal para uma estreita colaboração luso-brasileira em matéria linguística, especialmente no atinente a um futuro acordo, sendo as duas academias declaradas como órgãos consultivos dos respetivos governos.

A resultante Conferência Interacadémica de Lisboa para a unidade ortográfica da língua portuguesa, cujos trabalhos começaram aos 12 de julho de 1945, contava com a presença de vários académicos brasileiros, entre os quais merecem destaque os autores dos vocabulários, Rebelo Gonçalves e Sá Nunes. Após 27 sessões de trabalhos, foi aos 10 de agosto de 1945 que se assinaram as «Conclusões Complementares do Acordo de 1931», que constituem o primeiro dos três documentos de que se compõe o Decreto (35 228, 1945: 1038-1042).

Em Portugal, o acordo foi publicado e mandado implementar por três das principais figuras do Estado Novo português, nomeadamente o presidente António Óscar de Fragoso Carmona (1869-1951), o presidente do Conselho de Ministros António de Oliveira Salazar e o Ministro da Educação Nacional José Caeiro da Mata (1877-1963).

Já no Brasil, a publicação do Decreto-Lei 8 286 de 5 de dezembro de 1945 (Kemmler 2011b: 30) pelo presidente José Linhares (1886-1957) acabou por não ter os efeitos desejados pelos académicos envolvidos na Conferência Interacadémica, uma vez que a amarga polémica ‘antiacordo’ culminou na lei 2 623 de 21 de outubro de 1955, através da qual o Presidente João Augusto Fernandes Campos Café Filho (1899-1970) promulgou o regresso ao sistema do PVOLP, ao revogar o Decreto-Lei 8 286 (Kemmler 2011b: 31).

[Continuará…]

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