Leitura pública d’A República dos Sonhos aconteceu no emblemático Petit Trianon da ABL (Rio de Janeiro) entre as 9h30 e as 12h, momento a partir do qual continuou em Santiago de Compostela
Primeiro leitor foi Merval Pereira, presidente da Academia Brasileira das Letras
O tributo a Nélida Piñon uniu durante dois dias a terra de origem e a de adoção da família da autora d’A República dos Sonhos, um romance no qual o vínculo entre a Galiza e o Brasil se faz precisamente através da emigração.
Os primeiros três capítulos foram lidos no Rio de Janeiro por 23 leitores e leitoras, num evento que contou com a presença da grande dama da dramaturgia brasileira, Fernanda Montenegro, e que começou às 9h30 locais (14h30 de Santiago) do dia 3 e pôde ser acompanhado presencialmente ou em streaming via Youtube ou Facebook.
Leituras brasileiras
O evento no Brasil começou com uma breve apresentaçom do presidente afitrião, o conhecido jornalista Merval Pereira, seguido do secretário segundo, o escritor Antônio Torres, amigo da escritora, que depois de emocionadas palavras a Nélida Piñon, leu um texto cheio de referências eruditas à obra dela. Torres foi o principal contacto da AGAL na ABL desde que o evento começou a organizar-se, quando ainda era presidente da associaçom galega Eduardo Maragoto. Já na qualidade de ex-presidente e membro do Conselho da AGAL, Maragoto foi o seguinte a proferir o seu discurso, em galego, ou, como disse, no seu sotaque “da língua comum”, que dedicou a reivindicar a Nélida como autora merecente das Letras Galegas, antes de convidar Merval Pereira a ler o primeiro dos 386 fragmentos em que tinha sido dividido o romance para esta homenagem. E assim, com as famosas palavras “Eulália começou a morrer na terça-feira”, começou a leitura continuada que já não iria para até à noite do dia seguinte no outro lado do Atlântico.
Dr. Merval Pereira Dr. Antônio Torres Sr. Académicos e amigos e amigas da saudosa Nélida Piñon Daqui a pouco vamos dar começo à leitura pública continuada de um dos romances em língua portuguesa mais lidos na Galiza: A República dos Sonhos. Lógica retribuiçom a uma autora que amava a Galiza com devoçom. Nom foi a única. Entre outros reconhecimentos, Nélida recebeu a medalha Castelao. Na Galiza, isto é tanto como dizer que só falta que lhe seja dedicado o Dia das Letras Galegas, mas para isso têm de passar 10 anos após a sua morte… para entom, esperemos que esse reconhecimento esteja já aberto aos escritores e escritoras em língua portuguesa, porque não se poderia entender que a Nélida nom concorresse a tal distinçom. A AGAL, que eu represento neste evento, nom quixo deixar passar a oportunidade de comemorar, nom só a Nélida, mas principalmente o facto de existir uma obra que descreve de forma tão magistral o contributo da emigraçom galega para a história recente do Brasil. Poderia haver melhor forma de proclamar a amizade entre duas terras que já estavam para sempre unidas por esta velha língua galego-portuguesa? Hoje, dia 3 de abril, aniversário da Nélida, nós vamos voltar a proclamar essa amizade interlusófona, lendo em conjunto e de forma continuada as mais de 700 páginas desta obra na sua versom original, sem necessidade de traduçom alguma: simplesmente, nos diferentes sotaques da nossa língua comum. E aproveito para cumprimentar quem já nos está a ouvir do outro lado do atlântico à espera de nos revezarem a partir do meio-dia. Não quero que a leitura comece sem agradecer a mera presença de Fernanda Montenegro e sem mostrar o meu profundo agradecimento aos interlocutores da AGAL na casa de Machado de Assis desde que o evento começou a organizar-se: os doutores Antônio Torres e Merval Pereira, o Márcio Castorino, a Ana Paula e a Jussara. Também não quero deixar de trazer a este evento de homenagem a Karla Vasconcellos, que continua eficiente secretária da Nélida tantos meses após ela nos ter deixado, garantindo que cheguem a acontecer até os eventos em que outros compromissos não lhe deixam participar. Devolvo agora a palavra a Merval Pereira, mas nesta ocasiom para que dê começo à leitura do romance que já nom parará até que o último leitor, Dario Villanueva, reitor da USC quando Nélida recebeu o honóris causa em Santiago de Compostela, leia o último fragmento do romance, o 372, já às portas do dia 5 de maio, dia da Língua Portuguesa. Muito obrigado |
Após Merval Pereira leram três grandes amizades da Nélida: o prestigioso advogado Roberto Halbouti, Vivianne Falcão e o académico e jurista Joaquim Falcão. A leitura continuou com vários representantes do Programa de Estudos Galegos (PROEG) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, liderados por Thayane Gaspar, secretária da Associación Internacional de Estudos Galegos: Cláudia Amorim, Julianna Sellman, Bárbara Patoléa, Téo Vianna. O PROEG foi, a seguir à própria ABL, a principal contribuição de leitores para a parte do evento que se desenvolveu no Brasil. Depois subiram ao leitoril o historiador e académico Arno Wehling e os já referidos Eduardo Maragoto e Antônio Torres, seguidos de mais duas amizades da escritora: a conhecida atriz Beth Goulart e Carlos Della Paschoa, responsável pola biblioteca do Instituto Cervantes do Rio que leva o nome da homenageada. Seguiram-se a escritora Lilian Fontes, o presidente da Academia Carioca de Letras, Sérgio Fonta, a educadora Valéria Querido e o linguista Ricardo Cavalieri, considerado por muitos o sucessor do gramático Evanildo Bechara na Academia Brasileira de Letras. Encerraram a leitura brasileira o professor da UFRJ Godofredo de Oliveira Neto, a coordenarora de comunicação da ABL Ester Lima e o académico poeta Domício Proença Filho, revezado já na Galiza por Lino Piñon, primo da autora.
Da mesma forma que na Galiza, a cada pessoa leitora foi entregue uma brochura sobre a escritora e um dossiê de imprensa relativo às diferentes viagens que ela fez à Galiza.




Atividade no Rio
O representante da AGAL na leitura continuada aproveitou a sua presença no Rio para visitar a UERJ, o Instituto Cervantes e para conhecer em profundidade as impressionantes instalações da ABL, das quais, para além do prédio principal, faz parte o Petit Trianon, um palacete que lhe foi cedido pelo governo francês na década de 20 do século passado e em cujo salão nobre decorreu a leitura pública.
Na visita guiada por Carlos Della Paschoa à biblioteca Nélida Piñon do Instituto Cervantes conheceu o acervo da filha predileta de Cotobade, que contém milhares de livros dedicados e muito fundo galego que este organismo, e principalmente o seu responsável, catalogam e protegem com grande dedicação.

Já no PROEG da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Maragoto conferenciou sobre o futuro do galego na Lusofonia a convite de Thayane Gaspar, leitora de galego na UERJ e professora convidada de literatura galega infantil e juvenil na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) para além de secretária da AIEG, como já foi referido. À palestra assistiram estudantes e professorado vinculado à UERJ, nomeadamente à área de língua portuguesa, como Cláudia Maria de Souza Amorim, Jefferson Evaristo e André Conforte, e ainda de outras universidades, como Xoán Lagares, conhecido linguista da UFRJ especialista no processo de padronização do galego (e ainda do português e do espanhol).
Eduardo Maragoto também tivo a oportunidade de conhecer pessoalmente Christian Salles, sócio da AGAL e um dos mais importantes criadores de conteúdo reintegracionista do último lustro. Com ele pôde conhecer alguns dos lugares mais emblemáticos da emigração galega no Rio, nomeadamente a Casa Villarino, um dos lugares de predileção da Nélida, como recolheu o próprio Salles na sua conta de facebook:
“Na despedida do Eduardo Maragoto, na icônica Casa Vilarinho. Um bar e restaurante fundado em 1º de junho de 1953 por galegos, localizado em frente à Academia Brasileira de Letras e próxima a embaixadas, jornais e emissoras de rádio contribuiu para que suas pequenas mesas reunissem intelectuais, músicos, diplomatas, juristas, jornalistas e poetas em busca do uísque no final do dia. Considerada um dos berços da Bossa Nova, a Casa Villarino é famosa por ter sido o local onde, em 1956, Tom Jobim e Vinicius de Moraes se conheceram, por intermédio de Lúcio Rangel O ambiente está repleto de muitas lembranças de seus ilustres frequentadores. Mas o acaso não parou por aqui. Dividimos a mesa justamente onde sentava-se a escritora Nélida Pinhão. Isto nos pegou de surpresa pois não tinhamos mencionado no nome dela, mas o testemunho foi feito pelo gerente do estabelecimento. Essa é a minha pequena República dos Sonhos. Uma Galiza reconhecida na Lusofonia. AGAL deu largos passos e muitos ainda não conseguiram entender o valor institucional deste encontro com a ABL.” |
Leitura na “midia”
A leitura foi divulgada polo site da ABL e será incluída no seu anuário, que conta com ampla divulgação pelas bibliotecas do país. Também tivo destaque na edição on-line e na contracapa da edição impressa do jornal O Globo, o mais lido do Brasil.

Maragoto também foi entrevistado sobre a homenagem à Nélida por Valéria Saccone para a @RTVE (emissão em português). A conversa, que inclui referências ao reintegracionismo linguístico galego e ao estudo do português nas Escolas Oficiais de Idiomas da Galiza, emite-se não só no Brasil, mas também noutros países de língua portuguesa.