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Abraham Herrero: “Imagino Galáxia e Gerais”

frouseiraAbraham, de Alhariz, foi educado em castelhano para poder comunicar-se com a família não galega mas a sua irmã já o foi em galego. No centro escolar Padre Feijó fazia parte do “grupo de abaixo”. Começou no antireintegracionismo, depois rumou para o reintegracionismo assintomático e agora tirou o a- a essa palavra. É um aprendiz de tudo e um mestre de nada e julga o binormativismo uma boa estratégia.

Abraham nasceu e cresceu em Outeiro de Orraca, Alhariz. Foi educado em castelhano em parte polo temor a que não se pudesse comunicar com a família residente na Catalunha. Como visualizas esse processo na maturidade?

Foi nos meus primeiros anos.
Ao ver com os olhos de hoje esse processo entendo que os meus pais, e aliás eu próprio, fomos vítimas desse tradicional discurso de “o galego não vale para fora da Galiza” parelho ao mito de “o castelhano é a língua de todos”. Meu pai e minha mãe falavam em galego entre eles, além de serem cientes da identidade própria do povo galego, mas tinham medo de eu não me poder fazer entender quando íamos ver a família na Catalunha (a família da minha mãe foi exilada económica na década de 60).

O certo, e aliás engraçado, é que ao chegarmos à Catalunha, meus primos e primas falavam catalã e castelhano, quando não apenas catalã, facto que também fez mudar a perspetiva dos meus pais.

Na EGB entras em contacto com o galego e passas a fazer parte do grupo de abaixo para acabar tornado-te monolingue na nossa língua.

O “grupo de abaixo” era, naquele tempo, o edifício do CP Padre Feijó que funcionava como concentração escolar para o alunado procedente das aldeias enquanto o “grupo de arriba” era o colégio do alunado da vila. E, embora seja um tópico, o certo é que a população infantil do concelho de Alhariz cumpria aquilo de “os de vila são hablantes e os de aldeia são falantes”.
A socialização em galego na escola mais a mudança de trato linguístico por parte dos meus pais favoreceu que o trânsito do castelhano ao galego fosse rápido. De facto, a minha irmã, cinco anos mais nova, já foi criada plenamente em galego.

O “grupo de abaixo” era, naquele tempo, o edifício do CP Padre Feijó que funcionava como concentração escolar para o alunado procedente das aldeias enquanto o “grupo de arriba” era o colégio do alunado da vila. E, embora seja um tópico, o certo é que a população infantil do concelho de Alhariz cumpria aquilo de “os de vila são hablantes e os de aldeia são falantes”.

Foste sociabilizado, como quase todos os galegos, no isolacionismo mas na Universidade consegues sacudir essa limitação. Num primeiro momento tiveste uma fase assintomática de reintegracionismo até tirar esse a- à palavra. Como foi o processo?

Antes de mais nada, vejo preciso indicar que durante anos, e se calhar devido ao próprio “dogma” aprendido na etapa escolar, a minha postura foi mesmo contrária ao reintegracionismo sem maior fundamento que a crença que galego e português tinham seguido caminhos diferentes e não eram mais a mesma língua, além dum chauvinismo linguístico que me fazia acreditar que o galego ou tinha uma norma de seu ou não era galego.

Se calhar devido ao próprio “dogma” aprendido na etapa escolar, a minha postura foi mesmo contrária ao reintegracionismo sem maior fundamento que a crença que galego e português tinham seguido caminhos diferentes e não eram mais a mesma língua, além dum chauvinismo linguístico que me fazia acreditar que o galego ou tinha uma norma de seu ou não era galego.

A universidade, nomeadamente após começar a estudar História (previamente tinha feito um par de cursos de Ciências Empresariais), permitiu-me ampliar a estante de referências leitoras, incluindo uma data de artigos em galego do sul em que fui vendo que além da ortografia, pouca diferença havia entre aquele e o galego do norte. Além disso, naqueles anos fizemos muitas viagens, de estudos e de prazer, a Portugal de maneira que o meu ouvido foi acostumando-se ao sotaque português. Quando criança tinha ido com a minha família, mas sempre com essa ideia de “irmos ao estrangeiro”, sem chegar nunca a me formular a questão que a criança fazia ao avô na beira do Minho naquele desenho de Castelão.

faragulhaÉ assim que fui transitando do isolacionismo ao reintegracionismo assintomático, quer dizer, reconhecer galego e português serem variedades duma mesma língua, tendo sofrido o galego um processo de depauperação devido à pressão do castelhano, mas na praxe continuar a escrever na atual norma oficial com muito pequenas concessões ao galego internacional.

A mudança definitiva ao reintegracionismo sintomático foi quase providencial (dum jeito laico), devido a um episódio com o Padre Fontes. Aconteceu quando, como parte duma intervenção teatralizada da cooperativa de gestão do património Xeitura sobre o Couto Misto em Rubiães, eu atuava como um português que tinha vivido os últimos anos do Couto. Como reintegracionista assintomático o que fiz foi falar galego mudando o sotaque sem praticamente mudar o léxico, e ao acabar, na conversa de depois, o Padre Fontes veio perguntar-me de que parte era de Portugal.

Se calhar, parece uma  parvoíce, mas essa conversa definiu um marco no meu jeito de atuar respeito à língua.

Como foi recebido na tua rede familiar, amical e social essa mudança para o lado escuro da norma?
Nem muito bem… imagino que como lhe acontece a qualquer pessoa ao começar a escrever empregando a norma internacional, a mudança gerou muita controvérsia, muita conversa (nem sempre amigável), muita necessidade de me justificar… também não era nada que não tivesse esperado.
Além disso, é preciso dizê-lo, com a família ainda emprego a norma da RAG nas mensagens escritas.

O certo é que, mais duma vez, cheguei a acreditar que a política de extermínio linguístico contra o galego, na verdade, fez um bom trabalho isolando-o, fazendo dele aos olhos dos seus utentes uma língua local, uma língua aparentemente inútil para uma sociedade movida cada vez mais pelo utilitarismo.

O certo é que, mais duma vez, cheguei a acreditar que a política de extermínio linguístico contra o galego, na verdade, fez um bom trabalho isolando-o, fazendo dele aos olhos dos seus utentes uma língua local, uma língua aparentemente inútil para uma sociedade movida cada vez mais pelo utilitarismo.

Contudo, a mim tinham dito que a norma internacional era o sabre de luz dos jedi da língua…

Abraham diz que é “aprendiz de tudo e mestre de nada”. Explica-nos essa auto-imagem.

É muito singelo. Sou uma pessoa de mente muito dispersa, com interesses que vão desde a música ao desenho, mas sempre com dispersão mental e uma espécie de síndrome do impostor preventiva que me torna numa pessoa com uma forte tendência ao autoboicote. De facto, poderia abrir um museu de espinhos cravados com o gaveta de sapateiro que tenho cheia de projetos inacabados, ideias de romances, ideias de romances que tornaram em guiões para banda desenhada, bandas desenhadas que ficaram pelo caminho, partituras e técnica que estudar…
Gostava é de acabar algum deles, por exemplo, uma adaptação à banda desenhada de lendas galegas a partir da retranca e o humor e inclusive virá-las do revés. Tempo ao tempo.

Os teus trabalhos estiverem muitas vezes ligados à arqueologia e na atualidade estás a trabalhar na Fundação Vicente Risco. Onde gostarias de estar laboralmente a médio prazo?

Gostaria de estar a trabalhar a jornada completa…
Falando a sério, na atualidade estou a preparar o concurso de acesso ao corpo de mestres de ensino secundário. Dito isso, gostaria de estar a lecionar num liceu.

Qual julgas que devia ser o foco, ou os focos, para o reintegracionismo avançar socialmente?

ponteloucoO trabalho que se está a fazer desde o reintegracionismo é o correto. Acho que nada do que eu possa dizer vai ser o descobrimento da pólvora quando organizações como a AGAL levam mais anos dos que eu conto a bater a cabeça contra a parede da intolerância e todas as travas que os “inimigos” do reintegracionismo, muitas vezes disfarçados de defensores do galego, põem no caminho.

Contudo, no curto prazo acho a via da defensa do binormativismo para o galego ser um caminho, se calhar, mais singelo de andar pelo conjunto da sociedade galega. Nessa linha, e embora suponha um esforço editorial acrescentado, acho que a publicação de livros “binormativos” pode ter um valor pedagógico à hora de facilitar às pessoas uma plataforma em que redescobrir a unidade da língua e conhecer a norma internacional.

Além disso, é preciso profundar na aplicação da lei Paz-Andrade, além da oferta do português como língua optativa no ensino secundário e “Morangos com Açúcar” na TVG (sempre recorrendo ao discurso oficial de línguas irmãs, jamais a mesma língua), e para isso é precisa a implicação daquelas forças políticas que se proclamarem partidárias da reintegração da língua.

Vou colocar um simples exemplo. O facto de lá onde essas forças terem capacidade de governo, nomeadamente em câmaras municipais, a simples incorporação da norma reintegrada nas suas páginas web e no seu funcionamento administrativo, aplicando de facto o binormativismo, seria um passo de gigante.

Que te motivou a te tornar sócio da Agal e que esperas do trabalho da associação?

Simplesmente a vontade de contribuir com o meu pequeno grau de areia em prol do espalhamento da proposta reintegracionista no meu âmbito mais próximo enquanto cada pessoa desse círculo tem à sua vez um âmbito em que atuar. Em resumo, viver o galego, e o galego viver internacionalmente.

Em 2021 somamos 40 anos de oficialidade do galego. Como valorarias esse processo? Que foi o melhor e que foi o pior?

Acho que é um processo ainda em processo. Quer dizer, boa parte da sociedade galega não percebe o galego como uma língua oficial ao mesmo nível que o castelhano. De facto, não é estranho ouvirmos muitas pessoas dizer “o galego só é cooficial”, como se  a cooficialidade fosse menos oficial.

Sem dúvida alguma, a oficialidade do galego e a sua incorporação ao ensino foi no seu momento um passo importante para a língua, mas décadas depois continuamos a ter uma importante percentagem de população moça que não se sabe exprimir na língua própria da Galiza, e a cada vez maior perda de falantes com o galego como primeira língua  é um facto que considero fora de qualquer dúvida.

Dito o anterior, o melhor foi a oficialidade do galego. O pior foi que essa oficialidade na maior parte dos âmbitos ficou apenas no papel.

Imagina a Galiza em 2050. Como gostarias que fosse a “fotografia linguística” naquela altura

Gostaria de ver um povo galego a falar a sua língua própria. Uma língua, é claro, definitivamente no marco da galeguia-lusofonia.

Gostava de ver a fotografia dum povo galego formado por famílias utentes de galego que também falam sem complexos, em galego, às crianças. Um povo galego que não põe em dúvida o emprego da sua língua como idioma veicular no ensino.

Imagino um 2050 com a RAG aceitando a norma internacional, tornando certas aquelas palavras do seu primeiro presidente no preâmbulo do seu cancioneiro inédito, “El gallego y el portugués, me dije, son uno mismo en el origen, gramática y vocabulario. Por qué no aceptar la ortografía portuguesa? Si nos fue común en otros tiempos, por qué no ha de serlo de nuevo?”

Imagino Galáxia e Gerais.

Conhecendo Abraham Herrero Menor

Um sítio web: nosdiario.gal

Um invento: A flauta transversal (prévia ao desenho de Böhm)

Uma música: O álbum “Outras vidas” de Né Ladeiras

Um livro: O longo Halloween

Um facto histórico: A saída do prelo da primeiro número da revista Nós

Um prato na mesa: Uma boa costeleta de vitela barrosã

Um desporto: Canoagem

Um filme: Seachd: the Inaccesible Pinacle (que toda utente de galego deveria ver)

Uma maravilha: O cabo Ortegal

Além de galego/a: Existente

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