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‘A imagem de Portugal na Galiza’ – Resenha (Carlos Quiroga, Através, 2016)

extraído do BAGLP-10, sob a licença Creative Commons

A obra de Carlos Quiroga (Savinhao, 1961), como explica o professor compostelano na “Advertência”, nasceu a partir de um projeto para a elaboração de um dicionário sobre Portugal segundo os países e nações da Lusofonia.

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O livro –de 119 páginas, acompanhadas de numerosas imagens ilustrativas ou explicativas–, forma parte de uma iniciativa da Através Editora como contributo à análise das imagens cruzadas entre galegos e portugueses. A outra face do projeto seria A imagem de Portugal na Galiza (2016), da autoria de Carlos Pazos-Justo. Contudo, não é possível ler os dois livros como duas partes de uma mesma obra. São complementares não iguais, pois as abordagens e, consequentemente, os conteúdos são diferentes.

A obra tem como capa uma imagem nebulosa onde aparece uma folha de bacalhau e o o Padrão dos Descobrimentos em Lisboa. Já a própria capa é significativa das funções que as imagens podem representar segundo os conhecimentos individuais ou coletivos. Apresentar um monumento de estética fascista inaugurado em plena ditadura salazarista e equipará-lo ao bacalhau pode ser tão atrevido ou inocente como qualquer outra escolha.

E eis que numa simples capa de um breve livro se representa toda a complexidade de explicar a imagem que Portugal e os portugueses podem representar na Galiza e para os galegos. Repare-se que o sentido de imagem seria na teoria incompatível com as imagens, quando o conhecimento real ou mediatizado, direto ou indireto, aponta para um grande leque de imagens contraditórias sobre Portugal na Galiza.

Por isso é preciso dar os parabéns ao autor, pelo desafio e pelo contributo. Pois todos os leitores galegos –sem descartarmos outras leituras, a recepção aqui encarada é a de um leitor galego–, à medida que avançam na leitura, vão contrastar o escrito com as suas próprias experiências, com as suas próprias imagens.

A obra é organizada numa “Advertência”, já referida, num “Preâmbulo”, em cinco capítulos –“A idade antiga”, “Os Séculos Obscuros”, “O Ressurgimento do séc. XIX”, “Século XX” e “Olhares Contemporâneos” –, uma “Síntese final” e a Bibliografia.

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O preâmbulo, mesmo sendo breve, já apresenta e representa a grande dificuldade de tratar a questão da imagem de Portugal na Galiza. O autor explica com honestidade intelectual que: “Se a proximidade física, sim, pode ser causa da distorção do objeto e da perspectiva, na apreciação do presente caso não deixaremos de admitir que também concorre o problema do autor e a sua afinidade com o tema […]. Sobre todos estes riscos só se pode advertir que se conhecem e que se vai demandar o caminho mais honesto. Busca-se a História, procuram-se representações, ordenam-se no tempo. E há o melhor empenho por usar lentes diversas e ângulos complementares. Incluindo tomadas de espetadores isentos. Quanto ao real, confira quem ler” (p. 14).

Repare-se no possível problema de pôr apenas os olhos nas elites culturais, âmbito ao que pertence o autor, e desligar outros planos, fundamentalmente o humano e o económico. A mesma dificuldade encontramos quando se pode perceber que apenas as pessoas que têm uma visão positiva de Portugal, pertencem a uma percepção da Galiza como espaço lusófono.

Por exemplo, esse “Sempre vos encantaron as portuguesadas”, trecho da obra Rastros, de Roberto Vidal Bolaño, com que o autor inicia a secção “Sequências imagéticas” apenas pode ser percebido num determinado sentido –político ou linguístico– por um setor muito concreto da sociedade galega.

De resto, a imagem da “portuguesada” tem um sentido imagológico muito mais alargado no conjunto geral da sociedade galega nem sempre presente nos dicionários: “Dito ou feito em que se exagera a importância de uma cousa”, para o Estraviz; “Grupo de portugueses”, “Os portugueses” ou “Dito ou acto que se reputa próprio de português”, no Priberam; “Dicho o hecho en que se exagera la importancia de algo”, no RAE, sem que o dicionário da RAG registe a palavra. Neste sentido, o livro aqui resenhado procura, intuímos, certa ambiguidade explicativa à volta da imagem de Portugal na Galiza, sem conclusões sobre o significado definitivo da “portuguesada”.

No segundo capítulo, “A idade antiga”, é realizado um percurso mais históricolinguístico do que de análise das diferentes imagologias na altura ou recepcionadas a posteriori. Como afirma o autor: “Para outros países/nações será possível realizar recolhas imagéticas referidas a Portugal num espaço razoável de 500 anos. No caso da Galiza até a cronologia se complica” (p. 15). Para tentar explicar estas complicações é feita uma análise sucinta da história da Península Ibérica, a romanização, o reino Suevo, o período visigótico, chegada dos povos muçulmanos, e processo de criação dos reinos cristãos, em confronto com os muçulmanos, mas também em confronto com os outros reinos. Assim, é sublinhado a tentativa da historiografia espanhola em apagar o papel e o nome da Galiza nesse processo de criação de espaços sócio-políticos autónomos.

A partir da criação de Portugal, o autor continua em percurso linear a explicar o processo de consolidação do reino português face à Galiza e, sobretudo, a Castela: “Ao contrário do Portugal expansivo e difusor, que leva a sua cultura e a língua comum pelo mundo, a Galiza entra num longo ciclo radiado, ainda hoje operativo” (p. 28).

Na seguinte secção, o autor assume o conceito de “Séculos Obscuros”, uma concepção de imagens cada vez mais posta em causa, onde o apagamento do mundo literário em galego é trasladado a todo o âmbito político, social, cultural e artístico.

“Os três séculos que seguem ao esplendor da lírica medieval são denominados na cultura galega de «Séculos Obscuros». O referencial idiomático é evidente nesta e noutras denominações, e convém deixarmos constância, a par das circunstâncias históricas, do estado da Literatura e da Língua, vínculo substancial em futuros entendimentos de Portugal por parte da Galiza”. Contudo, achamos que esta ideia força, a do vínculo com Portugal através da literatura e da língua, pode acabar por ser uma miragem do que uma realidade constatável.

Na secção “Portugueses de palco”, é feita uma abordagem sobre as representações imagéticas no âmbito dramatúrgico da altura: “O Português sedutor”, “o amor português”, “a arrogância portuguesa”, “o bom português” e especialmente centra a análise imagológica no Entremez Famoso Sobre a Pesca no Rio Minho, onde aparecem imagens ainda hoje perenes: o português com bigode, que diz palavrões ou com falsa coragem. Porém, como é sabido, o entremez tem final feliz em forma de reconciliação, festa e baile.

Contudo, o autor alinha com o historiador Ramón Villares ao sinalar o século XVII como início de um período de especial ignorância mútua entre Galiza e Portugal e, consequentemente, a elaboração de imagens negativas sobre Portugal, a língua portuguesa e o português, com a sua versão imagológica feminina, a portuguesa.

O terceiro capítulo é “O Ressurgimento do séc. XIX”. Nele, o professor Quiroga sublinha como o despertar da consciência popular como povo diferenciado obriga as elites intelectuais a procurar em Portugal um referente de soberania e autoafirmação face ao poder centralizador espanhol.

De modo consequente esta aproximação, este conhecimento, por vezes idealizado, que promovem intensamente vai mudar de maneira eficaz a imagem de Portugal, pelo menos “ao nível de elites culturais e galeguistas”. Pois ao nível popular a elaboração de imagens de afinidade é mais complexa.

Ora, é nessa elite galeguista que nasce a imagem de Portugal como referente imagológico essencialista do que Galiza foi ou pôde ter sido, especialmente da descoberta da tradição literária galego-portuguesa: “O papel que a lírica galegoportuguesa terá na recuperação de uma incipiente consciência da identidade galega […] vai ser importante na aparição imagológica da comunhão com um simbolismo positivo e até redentor de Portugal em termos políticos” (p. 62).

Assim, e em contraste com a invisibilidade e o apagamento progressivo da imagem da Galiza em Portugal que a obra de Pazos-Justo (A imagem da Galiza em Portugal) trata, não se passa o mesmo ao contrário pois: “A diferença está na imagem que as elites culturais elaboram, no caso galego cada vez mais entusiasta e necessitada da legitimação identitária” (p. 64).

O quarto capítulo, “Século XX”, é o maior capítulo do livro, e pode ser o capítulo onde o leitor galego se pode sentir mais desorientado, primeiro porque é um período mais próximo e, segundo, porque há um tratamento, achamos, descompensado no tratamento de fenómenos culturais de massas.

Para o autor, se no período do Ressurgimento se produz uma descoberta da imagem de Portugal, no século XX Portugal passa a ser central na construção do discurso cultural e político. Nomes incontornáveis da história de Portugal e a Galiza, jornais, revistas produzem todo um discurso, uma imagem positiva, sobre a relação entre os dois povos. A ideia da Galiza como terra irmã, a língua galega florescendo em Portugal, os dois namorados que não os deixam namorar, etc. Porém, ao mesmo tempo que é construído esta imagem referencial positiva, consolida-se e espalha-se a imagem negativa sobre Portugal, o português e os portugueses.

A Guerra Civil espanhola, a repressão da ditadura do General Franco e o colaboracionismo Salazarista (lembrem-se os republicanos fugidos para Portugal entregues pelas autoridades salazaristas para serem fuzilados), provocou que os intelectuais que conseguiram fugir como os que ficaram em silêncio no interior não tivessem em Portugal um referente. O mesmo se passou do lado português sob a ditadura de Salazar.

É já nos anos finais da ditadura e com a democracia que se voltam a estabelecer relações, mas construídas em outros parâmetros. É aqui o maior ponto de discordância entre o relato e as imagens transferidas. O autor traslada uma ideia de história imposta à sociedade galega como um ente passivo, em vez de tentar explicar o porquê de não se atingirem objetivos que na teoria deviam ser alcançados.

Estes desafios realçam o valor da obra, pois tenta explicar a produção de imagens e o seu significado a partir de um percurso histórico, o que o leva a equiparar, às vezes, fenómenos minoritários, mesmo marginais, com processos sociais mais abrangentes.

No último capítulo, “Olhares contemporâneos”, é tratada a convergência das imagens positivas negativas sobre Portugal. Também neste capítulo, achamos que é possível apresentar algum senão a certas afirmações, segundo as experiências e o horizonte de expectativas de cada leitor. Por outro lado, obvia-se uma realidade cada vez mais comum, o estabelecimento de relações entre Portugal e a Galiza em espanhol e em parâmetros exclusivamente hispano-lusos.

Contudo, a perspectiva de que o português seja uma porta para o mundo para os galegos, facilitou muitas iniciativas descritas pelo autor: música, televisão, teatro, literatura, desportos, etc., até à aprovação em 2014 da Lei Paz Andrade por unanimidade no Parlamento galego.

O livro –de escrita enérgica e leitura rápida–, termina com uma síntese final ilustrativa da dificuldade em tratar as imagens em espaços humanos tão próximos: “Portugal para a Galiza ou é indiferente ou é uma espécie de Paraíso perdido”. Ora, se o autor fizesse confusão com o sujeito o leitor teria reparado? “Galiza para Portugal ou é indiferente ou é uma espécie de Paraíso perdido”.

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