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“A aplicação da Lei Paz-Andrade pelo Governo galego reflete uma escassa vontade política”

Em maio de 2018 foi apresentado na Faculdade de Filologia da Universidade da Corunha (UdC) o Trabalho Fim de Grau (TFG) intitulado «Análise e Balanço do Quadro Legislativo para o Relacionamento Intercomunitário: o caso da Lei Paz-Andrade [LPA]». Realizado por Elias Rodríguez Fernández, este trabalho académico estuda os discursos e as ações da administração autonómica galega e das associações promotoras da Lei, e tira importantes conclusões sobre o nível de aplicação da LPA e o grau de satisfação dos grupos com ela relacionados.

Falamos com Elias Rodríguez aproveitando que o passado 24 de março cumpriram-se cinco anos da publicação da LPA no Diário Oficial da Galiza [DOG] e que o texto completo do primeiro trabalho académico que estuda este texto legislativo foi disponibilizado publicamente e está acessível no Repositório da Universidade da Corunha.

ELIAS RODRIGUEZ

Com este trabalho graduas-te na Universidade da Corunha em Galego e Português: Estudos linguísticos e literários, um grau este, conjunto em galego e português, único na Galiza. Conta-nos por que decides fazer estes estudos e por que escolhes estudar a Lei Paz-Andrade no teu trabalho final de graduação?

Decidi escolher estes estudos no último ano do liceu e um pouco apressado pela iminência das provas para entrar na universidade. Devo reconhecer que a minha ideia nunca fora a de cursar um grau universitário, mas durante os últimos anos no ensino secundário, e motivado por certos professores do departamento de galego do meu liceu, o IES Agra do Orzán, na cidade da Corunha, comecei a valorizar a possibilidade de estudar algo relacionado com a língua e a cultura galega. Depois, o facto de ter escolhido o grau oferecido pela Universidade da Corunha veio, por uma parte, da proximidade, mas também de ter a possibilidade de cursar um grau conjunto em galego e português, ao contrário da opção da Universidade de Santiago de Compostela. No meu caso, embora fosse de maneira muito tímida, já tivera algum contacto com o âmbito reintegracionista graças a alguns professores do liceu que, ou bem eram reintegracionistas ou bem tinham posições favoráveis com este movimento. Foi assim que eu me interessei pela ideia do galego-português como um mesmo idioma e não como duas línguas irmãs, mas diferentes, como é habitual que se descrevam.

Por outra parte, quanto à decisão de ter escolhido a Lei Paz-Andrade para realizar o trabalho final de graduação, devo reconhecer, mais uma vez, que as pressas também estiveram aí. Na verdade, eu não decidi a linha temática até o último momento, principalmente porque durante o grau mudei várias vezes de opiniões e interesses, e o de ter um tema decido desde muito antes não ia comigo. Porém, isto não quer dizer que eu realizasse o trabalho com menos ímpeto, ou com a ideia de ter sido a única opção que me ocorreu mas ao contrário, a Lei Paz-Andrade era um tema que me interessara bastante durante o grau e sobre o que eu vi uma possibilidade de estudo. Assim, e embora fosse um bocado distinto aos TFG doutros anos na licenciatura, já que o habitual era escolher entre linguística ou literatura, decidi realizar uma análise sobre o grau de aplicação de uma lei em vigor e com poucos anos de vida, o que para mim supunha ser talvez um pouco inconsciente, porque as minhas capacidades para um tema assim eram limitadas e não se ajustava aos trabalhos tipo realizados no grau, mas, ao mesmo tempo, também representava uma motivação adicional para o fazer.

Para além do ponto de partida em que se encontrava o relacionamento galego-português antes da LPA, o teu trabalho foca o grau de aplicação da Lei e o nível de satisfação dos agentes envolvidos. Uma das principais conclusões que se derivam da tua investigação tem a ver com o impulso dos grupos promotores perante a passividade do governo galego; podes, por favor, desenvolver este assunto? Que tipo de ações realizam uns e outro?

Bom, essa é basicamente a ideia principal do meu estudo, que a iniciativa para o desenvolvimento da Lei Paz-Andrade descansa maioritariamente nos grupos promotores. No entanto, também não devemos obviar que houve, sim, atuações a partir do Governo galego, em qualquer dos três âmbitos que recolhe a Lei. Aliás, em seu favor, podemos mencionar que para o Governo a Lei Paz-Andrade é de caráter processual (i.e., sem metas nem prazos) e não substantivo. Na sucessão de ações desenvolvidas pela Administração vimos que estas foram predominantes no âmbito do relacionamento (convénios, acordos ou memorandos) e no apoio e participação em foros lusófonos, embora a maior parte das vezes fossem por iniciativa alheia. Em relação ao ensino houve vagas e cursos para a formação do pessoal público, mas no Secundário, apesar do aumento relativo de estudantes, não conhecemos campanhas de promoção da língua portuguesa. Finalmente, houve também ações no audiovisual, entre a CRTVG e a RTP, mas marcadas pela dobragem e a emissão em canais secundários. No entanto, embora houvesse um certo desenvolvimento da Lei Paz-Andrade pelo Governo galego, pudemos comprovar que durante os quatro anos de análise não teve cumprimento o último artigo da Lei, que impõe a obriga de o Governo realizar um relatório anual e pormenorizado sobre as atuações realizadas. Em substituição deste podemos citar as comparecências anuais em comissão parlamentar do Secretario Xeral de Política Lingüística, Valentín García, marcadas pela dispersão e a falta de rigor no relatório das ações desenvolvidas. Assim, comprovámos que, apesar de ter a responsabilidade legal e as competências para a execução da Lei, o modo de agir da Administração transmitia uma escassa vontade política, refletida na ausência de planificação, orçamentos e objetivos concretos para o seu desenvolvimento.

“Também não devemos obviar que houve, sim, atuações a partir do Governo galego, em qualquer dos três âmbitos que recolhe a Lei. Aliás, em seu favor, podemos mencionar que para o Governo a Lei Paz-Andrade é de caráter processual (i.e., sem metas nem prazos) e não substantivo”

Por outra parte, os grupos promotores, com menos recursos e possibilidades, trabalharam desde o primeiro momento no desenvolvimento da Lei Paz-Andrade. As suas ações concretizaram-se sobretudo nos campos do ensino e das relações diplomáticas, para além de acompanharem a oposição política no controlo e na crítica da atuação do Governo galego. A respeito do relacionamento intercomunitário destacaram os trabalhos de organização, participação, mediação e assessoria desenvolvidos pela AGLP. Quanto ao âmbito do ensino, destacámos a atuação da AGAL e da DPG, instituições que controlaram as ações empreendidas pela Administração e que desenvolveram campanhas destinadas ao encorajamento dos centros de ensino para lecionarem português.

Em relação com a pergunta anterior, que resultados concretos se derivam do teu trabalho em relação com o grau de aplicação da LPA, e de satisfação com o seu desenvolvimento, pola administração autonómica? E ainda, que papel estão a jogar agora, cinco anos depois da publicação da LPA, os grupos promotores da Iniciativa Legislativa Popular (ILP) que deu origem à Lei?

Como já mencionei, na Administração autonómica alegam que a Lei Paz-Andrade é um texto de caráter processual e não substantivo, o que lhes permite afirmar que realmente houve desenvolvimento, embora fosse a um ritmo lento. Para o Governo não existem objetivos concretos de aplicação da Lei, mas ao contrário, uns objetivos gerais que simplesmente têm de ir atingindo. Tendo isto em consideração, podemos entender que na Administração estejam satisfeitos com a execução da Lei, mas ao mesmo tempo, não apresentaram nenhum relatório pormenorizado desde a sua aprovação, facto que dificulta a avaliação do trabalho realizado e simultaneamente permite questionar se realmente houve uma aplicação concreta da Lei. Por outras palavras, e como já disse, a aplicação da Lei Paz-Andrade pelo Governo galego reflete uma escassa vontade política, afirmação esta compartilhada pelos grupos promotores e os partidos políticos, encarregados do controlo e crítica às ações do Governo nas comissões parlamentares em que compareceu Valentín García para dar conta do grau de aplicação da Lei.

Quanto ao papel dos grupos promotores cinco anos depois, não posso falar com a mesma certeza que sobre o período em que baseei o meu trabalho, mas acho que a situação continua a ser a mesma. Ao igual que antes da Lei Paz-Andrade, instituições como a AGAL ou a AGLP, cada uma dentro dos campos em que agem, continuam a desenvolver um trabalho constante para o estreitamento dos vínculos entre a Galiza e a lusofonia. Aliás, e desde que a sua iniciativa virou lei, têm mais uma responsabilidade: controlarem e exigirem ao Governo galego o cumprimento de uma lei aprovada por unanimidade do Parlamento da Galiza em benefício de toda a sociedade galega.

“Acho que a Lei Paz-Andrade é uma ferramenta muito valiosa para o movimento reintegracionista, porque legitima o trabalho realizado durante as últimas décadas, mas também de interesse para a sociedade galega em geral”

Com posterioridade à apresentação do teu trabalho, em 2018, a LPA foi objeto de alguma das propostas de resolução do debate de política geral no Parlamento Galego. Qual é a tua opinião sobre as possibilidades ou o percurso futuro duma Lei que, em geral, foi percebida polo reintegracionismo como uma vitória e uma oportunidade?

Acho que a Lei Paz-Andrade é uma ferramenta muito valiosa para o movimento reintegracionista, porque legitima o trabalho realizado durante as últimas décadas, mas também de interesse para a sociedade galega em geral. Para mim o vínculo entre a Galiza e Portugal, para além de com o resto de países com que compartilhamos a nossa língua, em qualquer das suas variantes, é um aspeto importante que imprime um valor acrescentado à nossa cultura. Portanto, a meu ver, é importante que a aplicação da Lei continue em linha ascendente e assim podermos aproveitar as vantagens de uns vínculos fortes com a lusofonia em geral e com Portugal em particular. Acho que termos a possibilidade de sintonizar as emissões da RTP na Galiza serviria para tombar uma barreira importante quanto à consideração de galego e português como duas coisas distintas, pois seria simplesmente educar o ouvido a uma outra forma de falar a nossa língua. Do mesmo modo, torna-se fundamental que exista a opção de português no ensino, porque revelaria as semelhanças entre galego e português e, enfim, abriria vias de comunicação com milhões de pessoas. Portanto, espero poder ver nos próximos anos um maior desenvolvimento da Lei Paz-Andrade, já que em teoria é apoiada unanimemente pelos grupos políticos da Galiza, pelo menos por aqueles que cinco anos atrás aprovaram a proposta de lei.

O teu trabalho atingiu a máxima qualificação (matrícula de honra), para além disto, estás satisfeito com o trabalho realizado? Onde achas que reside a utilidade social duma investigação como esta?

Com certeza fiquei contente com o resultado do meu trabalho, mas isto é independente da qualificação que obtive. Não lhe dou muito valor à qualificação porque sei que poderia ter tirado outra pontuação, sem chegar a ser tão alta, e eu estaria igualmente orgulhoso, porque sei o tempo que lhe dediquei e o muito que aprendi com o processo, quer em positivo quer em negativo. Para mim, como já disse antes, este trabalho supunha um desafio porque para além de ser o trabalho de final de graduação, em que supostamente tinha de demonstrar o aprendido durante os quatro anos da licenciatura, tratava sobre um tema atual e distinto do habitual no grau. Com isto, e avaliando pessoalmente o resultado final, acho que o produto do nosso trabalho —e digo nosso porque a ajuda do professor Roberto Samartim foi fundamental, sem a qual, sem dúvida, o trabalho não teria sido o que foi— esteve por cima do esperado, pelo menos para mim. Gostaria de que alguns aspetos tivessem saído melhor, já que a elaboração do TFG foi um pouco apressada, ao ter de compaginar com as últimas tarefas do grau e, em fim, pela inexperiência com trabalhos desta magnitude, mas em geral estou satisfeito.

A respeito da utilidade de uma investigação assim, acho que neste caso a utilidade está em ver o processo de desenvolvimento da Lei, isto é, eu tratei de mostrar se a Lei Paz-Andrade, vendo-a a partir do germe da proposta até o momento em que eu a avaliei, tivera algum impacto e conseguira resultados. Já não só pelo interesse da matéria em questão, o relacionamento entre a Galiza e a lusofonia, mas também como análise da lei em si. Por outras palavras, saber se esta iniciativa legislativa popular, vista como uma ferramenta com que conta a população para lograr mudanças sociais, está a ter utilidade ou não.

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