Para muitas das pessoas mais jovens afins ao soberanismo e outros movimentos sociais críticos, a SCD Condado é basicamente a entidade que organiza todos os anos o Festival da Poesia, evento que assinala o final do verao no calendário político-cultural galego. No entanto, a SCD Condado tivo, desde os seus inícios em 1973, umha atividade muito diversificada em que o desportivo, o cultural, o social e o lúdico convergiam num mesmo horizonte de intervençom ideológica, com o nacionalismo e o empoderamento popular como norte.
A partir de umha campanha de financiamento colaborativo, a SCD promoveu a ediçom de um livro que desse conta dos seus cinquenta anos de vida. A obra, apresentada no 25 de julho, está estruturada em três grandes áreas. A primeira, “As portas da muralha”, recolhe um breve texto introdutório da própria SCD (“O nosso caminho”) em que, com a humildade e clareza habitual, avalia o trabalho feito e faz promessa de continuidade do seu singularíssimo projeto. Completam a secçom um conjunto de até sete textos breves em que diferentes personalidades ligadas ao Festival da Poesia e à SCD (Marga do Val, José Viale Moutinho, Manuel Rivas, Jose Luis Otamendi e Íñigo Aranbarri, Gustavo Luca e Ricardo Gurriarán) evocam a sua relevância em termos pessoais, mas também históricos.
A segunda parte é a mais significativa no plano histórico e documental. Ao longo de quase duzentas páginas, Carlos Barros elabora umha completa crónica da trajetória da SCD Condado, desde os seus inícios, a partir de umha equipa de futebol, até o funcionamento da associaçom no século XXI. Com a escrita ágil e eficaz de que tantos anos pudemos desfrutar no Novas da Galiza, combina a perspetiva diacrónica com o desenvolvimento dos diferentes focos que tivérom mais importância na atividade da SCD.
Carlos Barros elabora umha completa crónica da trajetória da SCD Condado, desde os seus inícios, a partir de umha equipa de futebol, até o funcionamento da associaçom no século XXI.
Quanto ao desporto, destaca a criaçom de várias equipas de futebol, assim como a introduçom na Galiza do hoje muito estendido futebol de salom ou as tentativas por criar secçons e eventos de outras modalidades como a canoagem, o ciclismo ou o atletismo. No plano cultural, umha extensa e diversificada programaçom musical (que tentou privilegiar a música galega e a conexom com outras tradiçons musicais sentidas como próximas) foi acompanhada pola organizaçom de atividades teatrais, cinematográficas ou literárias. Durante muitos anos, o propósito foi espalhar a cultura polas diferentes paróquias do concelho de Salvaterra e do resto da comarca, como umha forma de levá-la a aqueles espaços em que era mais difícil aceder a ela.
Das atividades literárias, como sabemos, a mais expressiva e continuada tem sido o Festival da Poesia, nascido em 1981 como tentativa de dar umha dimensom popular e comunitária à que era, tradicionalmente e naquel momento histórico concreto, umha das formas artísticas que melhor contribuía para afirmar a existência de umha cultura galega autónoma e legitimada. Como é referido na obra, os recitais poéticos estivérom sempre acompanhados de outras vertentes culturais, como a musical ou a do humor gráfico.
Também nesta segunda parte do livro encontramos um capítulo dedicado a explorar o compromisso da SCD com várias luitas populares levadas a cabo na comarca do Condado (e ainda de outras próximas, como a da Lourinha), como as relativas às celuloses e às graveiras. Neste âmbito, é muito valiosa a informaçom fornecida sobre modos de organizaçom popular que excediam a SCD, como a criaçom em finais da década de 70 dumha Xunta de Veciños do Condado ou a ediçom do jornal A Voz do Condado entre 1977 e 1979.
É muito valiosa a informaçom fornecida sobre modos de organizaçom popular que excediam a SCD, como a criaçom em finais da década de 70 dumha Xunta de Veciños do Condado ou a ediçom do jornal A Voz do Condado entre 1977 e 1979.
A seguir, Barros detém-se na figura do histórico cantor de intervençom Suso Vaamonde, muito ligado à atividade da SCD e ao qual se rendeu umha sentida homenagem em Salvaterra em 1999, pouco antes do seu falecimento. Já a atividade da associaçom no século XXI, que fecha a reconstruçom histórica, é mais conhecida para o público atual, mas a narrativa oferecida é igualmente interessante, ao conseguir ligar o devir da SCD com as mudanças da sociedade galega das últimas duas décadas (da crítica à globalizaçom capitalista aos efeitos da Grande Recessom, sem esquecer momentos pontuais de agitaçom política como o Nunca Mais).
A terceira e última parte do livro, “O percurso no horizonte”, está integrada, em primeiro lugar, por umha selecçom de cinquenta poemas, feita a partir das antologias publicadas com ocasiom do festival. Nela fôrom privilegiados os textos só publicadas nestas obras, de maneira que temos poemas que nom aparecem em publicaçons convencionais, tanto de autores decisivos na história do festival (Manuel María, Méndez Ferrín, Alfonso Pexegueiro, Xela Arias, Margarita Ledo Andión…), como de vozes galegas mais recentes e poetas de língua portuguesa, basca e catalá. A antologia vai seguida por umha listagem de poetas participantes em todas as coletâneas do festival, mais de 300 no total, e por um breve texto do investigador da Universidade de Vigo Xian Naia, que está a elaborar a sua tese sobre as convergências entre o poético e o político no Festival da Poesia, e que também presta atençom às funçons sociais e comunitárias do evento no âmbito da SCD.
Embora o livro assuma necessariamente umha dimensom coletiva, há alguns nomes que aparecem com muita frequência nas suas páginas, dada a sua relevância no devir da SCD. Um deles é o de Manolo Soto, de que se nos oferece um conto inédito, escrito durante a sua estadia no cárcere em finais da década de 1980. Outra das pessoas que aparece com algum destaque na obra é Carlos Bértolo, a quem devemos umha boa parte das múltiplas fotografias que ilustram o livro, sendo esta umha dimensom –a da reconstruçom de umha história gráfica da SCD– que dota de especial interesse e brilho o volume que estamos a comentar. O livro fecha-se com o epílogo “Medre a poesia!”, assinado, com o entusiasmo habitual, por Xurxo Souto.
De todo o dito podemos reitirar a ideia de que estamos ante umha obra extremamente valiosa em vários planos. Tem a riqueza, no âmbito mais concreto, de reconstruir a história de umha comunidade humana –política, associativa– que ao longo de cinco décadas conseguiu levar para a frente, com acertos e com erros, com dificuldades e incertezas, umha atividade de intervençom social largamente admirada. Estamos, por outro lado, perante um livro extremamente cuidado na elaboraçom do discurso, no acompanhamento visual, no desenho gráfico, absolutamente excecional no conjunto dos nossos movimentos sociais críticos. Este empenho da SCD na celebraçom dos seus cinquenta anos de vida constitue-se, enfim, como exemplo do que pode ser feito a partir do trabalho comunitário de proximidade e inserçom local, sem que por isso se careça de umha perspetiva transformadora concreta em termos nacionais e globais. Estamos a precisar, portanto, de mais SCD um pouco por todo o país, e de mais histórias –concretas, humanas– como esta que nos reconciliem com a nossa gente ou com aquelas gentes e aqueles projetos que sentimos como os nossos.
[Este artigo foi publicado originariamente no galizalivre.com]