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Joseph Ghanime: “Somos capazes de aceitar que outras pessoas não projetem sobre as línguas os valores quase transcendentes que nós lhes outorgamos?”

Em 2021 figerom-se 40 anos desde que o galego passou a ser considerada língua oficial na Galiza, passando a ter um status legal que lhe permitiria sair dos espaços informais e íntimos aos que fora relegada pola ditadura franquista. Para analisarmos este período, estivemos a realizar ao longo de todo 2021 umha série de entrevistas a diferentes agentes. Agora, entrado 2022 queremos continuar reflexionando sobre isto, mas focando num ámbito em particular, de importáncia estratégica: o ensino.
Hoje entrevistamos o professor da Escola Oficial de Idiomas de Ferrol, Joseph Ghanime.

Que avaliaçom fás dos resultados do ensino do galego após 40 anos como matéria troncal?
Sou um desorientado nestas e em muitas outras questões. Dei-me ao trabalho de pensar nas respostas, mas nove em cada dez cousas que responda serão disparates. Se alguém aproveitar o 10% restante, pois bem-haja, aqui assumo o papel de quem quer explorar e até brincar com algumas ideias. Por isso é claro que não vou responder exatamente ao que me perguntam; irei dar ao assunto só muito indiretamente, por veredas tortas, como quem anda à toa por esta cidade. Se o resultado não der para ser publicado, pois não faz mal, deixai estar.

A pergunta refere-se à avaliação do papel atribuído ao galego no sistema de ensino ou da qualidade desse ensino? Conheço o ensino secundário só de forma indireta, imprecisa, condicionada polas minhas experiências de há muitos anos. Só consigo fornecer quatro impressões:

A primeira é que o galego encontrou nas escolas um espaço mais acolhedor do que noutros lugares. É verdade que nalguns casos a língua apenas é usada de forma ritual ou simbólica – porém, há outras áreas profissionais em que nem isso aconteceu.

O galego encontrou nas escolas um espaço mais acolhedor do que noutros lugares. É verdade que nalguns casos a língua apenas é usada de forma ritual ou simbólica – porém, há outras áreas profissionais em que nem isso aconteceu.

A segunda é que teria preferido um modelo de língua confluente com o português ou mais permeável a ele. Mas águas passadas não movem moinhos, e eu sou otimista quanto a essa aproximação.

A terceira é que o trabalho dos docentes de galego, feito de cotio em condições adversas, não terá sido debalde. Por cima de debates sobre estratégias está o testemunho humano de quem resolveu dedicar a vida profissional a uma língua fragilizada. A professora transmitiu amor pola língua? O professor deu alguma confiança a quem quer usá-la habitualmente ou aprendê-la? Pois parabéns, o descanso da reforma é bem merecido. Para os pícaros, no meio da brêtema, ficou uma candeia acesa.

É um bocado injusto formular uma relação de causa-efeito entre a perda de falantes e o trabalho feito no ensino. A escola deve, si, atuar a partir da situação sociolinguística, mas não tem capacidade para ir em contramão das correntes mais fundas em que assenta a hegemonia linguística do castelhano.

É um bocado injusto formular uma relação de causa-efeito entre a perda de falantes e o trabalho feito no ensino. A escola deve, si, atuar a partir da situação sociolinguística, mas não tem capacidade para ir em contramão das correntes mais fundas em que assenta a hegemonia linguística do castelhano.

Por fim, queria destacar o trabalho benéfico das bibliotecas escolares e clubes de leitura nas escolas galegas. A promoção da leitura tem um impacto direto no ensino da língua e no próprio sistema literário. Só é pena que os livros em galego reintegrado fossem marginalizados nesse empenho.

E da presença do galego como língua veicular no ensino público?

Falo a partir de um conhecimento impreciso da realidade do ensino primário e secundário.
Se o que se pretende é uma suposta igualdade de duas línguas, a atribuição atual de horas letivas ao galego não parece que seja a adequada. Também é mui pouco flexível dar sempre as mesmas disciplinas em cada língua, sem considerar o contexto dos centros ou a idoneidade dos docentes para lecionarem numa ou noutra. Em suma, no que concerne ao galego, a arquitetura linguística do sistema de ensino assenta sobre alicerces precários.
É simples imaginar soluções para esta questão numa Galiza que não existe — mais complicado procurar caminhos que tenham em conta a nossa complexidade linguística e social. Que condições poderiam facilitar mudanças para o galego no nosso contexto?
Em primeiro lugar, acredito que o discurso em relação ao ensino deve apelar a princípios compreensíveis e capazes de ser assumidos pola maioria da sociedade. É natural que qualquer mensagem parta das convicções e expetativas dos emissores, mas a estação de chegada fica noutras latitudes. Reiterar lugares-comuns para receber o aplauso dos correligionários dá satisfação, mas faz ficar todos os marcos onde estavam.

Mais audaz é sair à rua e perguntar-se: em que mesa, ao pé de que janela, de que café, eu e essa pessoa podemos sentar-nos e falar à vontade enquanto bebemos este pingo? Vamos levar para a casa um pouco do cheiro do café do outro? Temos paciência para escutá-lo, escutá-la, de forma genuína antes de matraquear os nossos slogans? Somos capazes de aceitar que outras pessoas não projetem sobre as línguas os valores quase transcendentes que nós lhes outorgamos?

Nesta imperfeitíssima Galiza que acorda cada manhã, um discurso alicerçado nas vantagens da diversidade linguística porventura abriria mais cancelas do que outro focado no tipo de país que a Galiza devia ser e não é. A primeira hipótese deixa mais espaço para o jogo no campo; a segunda, com o foco na identidade, garante mais paixão nas bancadas do estádio, mas menos ferrados de relvado para driblar com a bola.

Nesta imperfeitíssima Galiza que acorda cada manhã, um discurso alicerçado nas vantagens da diversidade linguística porventura abriria mais cancelas do que outro focado no tipo de país que a Galiza devia ser e não é.

Em segundo lugar, creio que será benéfico olhar para o galego como uma língua viva, não como um ente moribundo. Miguel Anxo Murado, numa entrevista de 2008, alertava para o «pessimismo existencial» que gera o discurso «apocalíptico» em volta da língua. Concordo em que essa é, como ele próprio dizia, uma «má propaganda».

Há conflito linguístico e perda de falantes? Há, é claro. No entanto, daí não se conclui que as batalhas simbólicas e os discursos carregados de dramatismo sejam o mais benéfico para a saúde da língua. A equipa que anda nas posições baixas da tabela precisa de siareiros e siareiras para os próximos jogos, não de assobios para falhar o penálti.

Há conflito linguístico e perda de falantes? Há, é claro. No entanto, daí não se conclui que as batalhas simbólicas e os discursos carregados de dramatismo sejam o mais benéfico para a saúde da língua. A equipa que anda nas posições baixas da tabela precisa de siareiros e siareiras para os próximos jogos, não de assobios para falhar o penálti.

Por outro lado, as confrontações por questões linguísticas não são um cenário desejável. Uma sociedade maldisposta por causa das línguas perde muita energia em desencontros, impossíveis de resolver se cada idioma for atrelado a imaginários de identidade pré-cozinhados e inflexíveis. Se as divisões em termos de identidade se acentuarem, a sociedade vira sectária. No meu entender, esse sectarismo é um dos espelhos mais turvos em que uma comunidade humana se pode ver refletida. Em contraste, uma sociedade que valoriza a diversidade linguística aproveita essa voltagem com sabedoria.

O conflito linguístico é uma circunstância verificável e os dados sociolinguísticos devem, si, ser usados para reclamar direitos. Ora, pô-los no foco discursivo permanentemente não contribui para sair do círculo vicioso. Velaqui a pergunta que eu colocaria como ponto de partida: «Como é que podemos fruir da riqueza linguística e cultural da Galiza?». Em vez de orientar o espelho para o corredor das urgências do hospital, deixemos que se pinte nele uma ilha mais venturosa além do oceano. Anunciar reiteradamente a morte do galego é um ENORME erro, a meu ver. Se a língua estiver na sua agonia, para que perdemos o tempo a falar tanto dela? Ocorrem-me cousas mais prazenteiras que fazer do que contabilizar os litros do azeite que já foi, e virá a ser, derramado.

Somos peritos em fazer-lhe diagnósticos letais à língua; dispomos de um mapeamento pormenorizado das suas gangrenas; temos-lhe o raios-X, o scanner, a Tomografia Axial Computorizada, a análise ao sangue e à urina, o prognóstico faseado da sua agonia, refletido em gráficos de barras, de setores e linhas; em infografias, histogramas e cronogramas — mas à beira dos 50 anos uma pessoa quer viver o tempo que lhe resta; pede alta voluntária e — fogo! — vai-se do hospital se não lha derem; arromba com a porta se tal for preciso para moinar por essas ruas de Monelos e da Gaiteira fora, como Pedro Bala baixava polas ladeiras de Salvador da Bahia.

Por isso, não alinho nas conversas que se recreiam no lado escuro da nossa realidade. Não é possível desenhar uma paisagem ideal das nossas cabeças se não se suporta a cartografia real que vemos com os nossos olhos, por mais imperfeita que ela seja. Não se parte para um país idealizado se estivermos em quebra afetiva com as ruas que percorremos e as pessoas que encontramos todos os dias.

Não alinho nas conversas que se recreiam no lado escuro da nossa realidade. Não é possível desenhar uma paisagem ideal das nossas cabeças se não se suporta a cartografia real que vemos com os nossos olhos, por mais imperfeita que ela seja. Não se parte para um país idealizado se estivermos em quebra afetiva com as ruas que percorremos e as pessoas que encontramos todos os dias.

Numa entrevista — e já nem sei se a li ou a sonhei —, o escritor napolitano Erri de Luca afirmava gostar da sua cidade com todas as virtudes e os defeitos. Identifico-me com as palavras desse Mestre no que toca à Corunha e a outros lugares da Galiza que me são caros. Agradam-me com as suas contradições e paradoxos, aprazem-me enquanto geografias oblíquas em que algumas peças não encaixam — estou à vontade onde as cousas não acabam de quadrar. Apraz-me esta paisagem rururbana e desnorteada, conjugada em presente do indicativo. Por isso tenho dificuldades para me comunicar com quem só fala do país em pretérito imperfeito, mais-que-perfeito ou futuro do conjuntivo.

Insisto, o único ponto de partida capaz de gerar mudanças é a confiança em que a língua tem porvir. Tão empírico como os dados sociolinguísticos é o facto de que as ladainhas não põem em movimento os rodízios dos moinhos. A energia renovável que temos de passar a essa moçada é o entusiasmo das músicas dos Diplomáticos de Monte Alto; ou essa «vontade de rir que nasce do fundo do ser», com que o Zé Pedro dos Xutos & Pontapés tocou no baixo até o fim — tive a sorte de assistir a um dos últimos concertos, no da Feira de São Mateus de Elvas, e ainda me aquece aquela faísca.

Por isso, queiramo-nos dar ao esforço de gizar propostas viáveis e razoavelmente consensuais para o galego no ensino. Essas propostas devem ir para além dos pressupostos do nacionalismo espanhol e do galego, tendo como referência uma sociedade assumidamente diversa. Habitamos uma geografia com alma de polvo, um cefalópodo de sabores e possibilidades divergentes. Procurar que todos os tentáculos se mexam da mesma maneira, nem é possível, nem é desejável.

Um princípio norteador no ensino poderia ser garantir a competência linguística e cultural efetiva — e não apenas ritual — em galego e castelhano, com consciência do potencial comunicativo internacional das duas línguas. Além disso, a escola devia facilitar a transmissão das línguas de herança de migrantes, refugiados e crianças adotadas; podia-se ainda procurar que os colegas de turma aprendessem algo dessas línguas e culturas. Também a língua gestual precisa de ter uma visibilidade muito maior nas escolas do que aquela que lhe é atribuída.

A escola devia facilitar a transmissão das línguas de herança de migrantes, refugiados e crianças adotadas; podia-se ainda procurar que os colegas de turma aprendessem algo dessas línguas e culturas. Também a língua gestual precisa de ter uma visibilidade muito maior nas escolas do que aquela que lhe é atribuída.

Polo contrário, reitero que focar um discurso para o ensino em questões identitárias ou em imaginários de país contrapostos, não só impede que se resolvam as questões linguísticas, como pode conduzir a novos problemas e divisões. As batalhas em volta de questões icónicas e simbólicas são fogos tão fáceis de atear como difíceis de apagar, pois as imagens e a repetição de clichés acabam por abafar os argumentos.
No nosso caso, o equilíbrio na atenção dada às línguas e dos recursos mobilizados em prol delas passa por alguma discriminação positiva do galego, com uma presença do ensino polo menos nas linhas que estavam previstas no decreto de 2007. Creio, no entanto, que seria pouco realista no nosso cenário político esperar programas ambiciosos de imersão. Por isso, a abertura ao português é um ingrediente essencial para que o galego, num enquadramento pouco favorável logo à partida, adquira maior poder de sedução.
E mesmo assim, não será fácil explicar a necessidade de maior cuidado da língua mais fragilizada, porquanto a ideologia do «bilinguismo harmónico» preconiza que essa igualdade já existe de facto. Daí que haja que contar com a oposição a qualquer medida de proteção para o galego por parte de setores abertamente hostis à língua, os quais, por serem minoritários, não deixam de ter alguma influência.
Como evitar que os atritos impeçam um jogo limpo?
Uma das hipóteses que se tem sugerido é a criação de linhas diferenciadas. Eu não apostaria em impulsionar esses percursos divergentes, claramente prefiro que a sociedade não se polarize nesses termos. Remeto, aliás, para os argumentos fornecidos na entrevista ao professor Luís Fontenla, que com conhecimento direto do ensino secundário assinala a inviabilidade dessas linhas no enquadramento legal vigorante na Galiza.

Ora, fornecer — de formas que não consigo concretizar — alguns ingredientes dessa fórmula a quem procura ativamente modelos mais marcadamente inclinados para o galego ou o espanhol, creio que seria um possível caminho para minimizar as tais batalhas simbólicas, fazendo viável, no centro do campo, uma dança razoavelmente consensual e não sujeita a contínuas revisões e questionamentos — barulho esse que só se traduz no cansaço das famílias com a questão da língua.

Por outro lado, seria interessante que as entidades que promovem a língua tivessem um diálogo mais direto com as escolas chamadas «concertadas» e com as privadas. Quem isto diz, apostou no ensino público para escolarizar as filhas e acredita que o ensino com contrato de associação e privado não deve ser subsidiado polo estado. No entanto, não convém misturar os alhos do financiamento do ensino com os bugalhos da promoção do galego. Quem luta contra o preconceito linguístico precisa de falar com a sociedade no seu conjunto. Creio que desse diálogo com todo tipo de escolas podem resultar iniciativas benéficas para a língua, que não se conseguem intuir até o tal diálogo se tornar efetivo. E os estudantes de um tipo ou outro de ensino, independentemente das escolhas dos pais, não deixam de ser jovens com similares inquietações, expetativas e predisposição para se interessarem por um abano amplo de referências.

Quem luta contra o preconceito linguístico precisa de falar com a sociedade no seu conjunto. Creio que desse diálogo com todo tipo de escolas podem resultar iniciativas benéficas para a língua, que não se conseguem intuir até o tal diálogo se tornar efetivo.

Em terceiro lugar, cumpriria imaginar a Galiza de maneira descentralizada, dando maior protagonismo às zonas rurais e geograficamente periféricas, que habitualmente coincidem com as de maior presença de galego-falantes. Isto, não apenas em termos de setor primário e serviços, mas ainda de distribuição de capital cultural. É necessário que a vida nos lugares em que a língua é mais falada seja uma opção viável para uma pessoa jovem, não um ato de heroísmo. Também as maneiras de encarar o ensino, em termos linguísticos, deveriam diferir na zonas em que o galego continua a ser língua materna de percentagens significativas dos estudantes, e naquelas em que é visto quase como uma língua estrangeira.
Esperar que o Governo — estatal ou autonómico — e as grandes empresas adotem em breve uma visão descentralizada é iludir-se. Ora, cabe às entidades da sociedade civil interiorizar e adotar na sua praxe uma geografia crítica que olhe mais além do eixo Corunha-Compostela-Vigo e da arrogância da Cidade da Cultura.

E em quarto lugar, a receita da nossa realidade linguística já não se fica pola dupla galego-castelhano.

Como já foi referido, há muitos falantes doutras línguas nas escolas galegas — refiro-me às línguas de herança dos migrantes, refugiados e filhos/as adotados/as noutros países. Existem iniciativas para que esses estudantes potenciem também as suas línguas maternas? E nós, estamos a fazer algum esforço para aprender essas línguas? Teríamos muito a ganhar com esse conhecimento. A atribuição de direitos linguísticos tem, consequentemente, que incluir na medida do possível as línguas de herança. Sem a conhecer de perto, estou certo que experiências como a de Burela serão um referente ótimo nesse sentido. Aproveito, ainda, para recomendar a leitura de Fusta d’eucaliptus queimada, de Ennatu Domingo, que nos traz o relato e as reflexões de uma jovem de origem etíope adotada por uma família na Catalunha.

A receita da nossa realidade linguística já não se fica pola dupla galego-castelhano. Como já foi referido, há muitos falantes doutras línguas nas escolas galegas — refiro-me às línguas de herança dos migrantes, refugiados e filhos/as adotados/as noutros países. Existem iniciativas para que esses estudantes potenciem também as suas línguas maternas? E nós, estamos a fazer algum esforço para aprender essas línguas?

Tampouco queiramos esquecer a própria emigração galega, a encher de vogais abertas e fechadas os aviões de Santiago para Basileia. Está na hora de que os migrantes tenham o protagonismo que merecem no discurso sobre a língua e nos materiais usados para o seu ensino. Muitos são bilingues francês-galego, alemão-galego, etc. Essa Galiza exterior ajuda a quebrar montes de preconceitos, pois nela transparece a ideia de que o galego nos liga diretamente a outras línguas e outros mundos, e de que essa ligação internacional não costuma partir do centro das urbes galegas.

E a todo isso acresce, ainda, a procura de programas de imersão noutras línguas — sobretudo em inglês —, através de diversas fórmulas (secções bilingues, programas específicos de colégios privados, etc.), que já colocaram o discurso sobre os idiomas no ensino num outro cenário, independentemente das discrepâncias que pudermos ter com a ideologia linguística que transparece nalgumas destas iniciativas.

Em suma, referi quatro eixos: discurso que facilite mudanças viáveis; confiança no porvir da língua; imaginário e praxe descentralizados; adaptação a um enquadramento plurilingue, com visibilidade para as línguas de herança de migrantes e refugiados, bem como das experiências dos galegos no exterior.

Em suma, referi quatro eixos: discurso que facilite mudanças viáveis; confiança no porvir da língua; imaginário e praxe descentralizados; adaptação a um enquadramento plurilingue, com visibilidade para as línguas de herança de migrantes e refugiados, bem como das experiências dos galegos no exterior.

Sou consciente, estas propostas ficam-se por uma mera declaração de intenções, pois em última análise são as dinâmicas de poder que condicionam todo o que for feito em volta da língua. No entanto, isso não nos isenta da obriga de tentar gizar cenários possíveis e de apurar um discurso que nos ajude a dar passos efetivos. Se não o fizermos, a derrota é já logo no início.

E enquanto olhamos para a ilha venturosa ao longe, o que é pode ser feito desde já?

Bom, se quadra, na prática das escolas, o foco pode ser posto na qualidade e abrangência da língua ensinada. Isto já não seria pouco. Se o galego tem uma presença aquém do desejável em termos de horas de ensino, queiramos polo menos garantir que os estudantes partem da escola com um bom nível de língua, e consciência do potencial comunicativo da mesma — polo menos quanto baste para que depois possam fazer escolhas conscientes. Isto, quer no caso do galego, quer no do castelhano, creio que não teria que incomodar ninguém.

Achas que esta presença guarda relaçom com a sua presença como língua ambiental nos centros educativos?

No que toca a esta questão, não consigo acrescentar nada ao já referido nas anteriores respostas.

Pensas que deveria mudar alguma cousa no ensino da matéria de Língua Galega e Literatura?

Não sei em primeira mão como é que esse ensino evoluiu ao longo dos anos, daí a resposta estar condicionada pola minha experiência de há várias décadas. Essa aprendizagem teve aspetos benéficos e, si, algumas imperfeições — mas sem ela talvez não teria acabado por falar galego de forma habitual.
Debruço-me, então, sobre o tipo de ensino que julgaria desejável se voltasse a ser aluno, e desculpai se o que vou referir é óbvio ou já está a ser feito. Na verdade, quase todo o que vou dizer seria extensível a qualquer ensino de língua.

Independentemente da concretização ortográfica, imagino essas aulas como uma telefonia a apanhar em simultâneo as ondas do galego falado nas diversas áreas da Galiza e as de um português também ele diverso. Isto é, duas janelas sempre abertas e com ar a circular entre uma e outra — neste caso para propiciar o contágio.

Quanto aos conteúdos estritamente linguísticos, apostaria nos seguintes aspetos: pronúncia e entoação; domínio de uma sintaxe rica (colocação pronominal, infinitivo pessoal, futuro do conjuntivo); vocabulário amplo do mundo tradicional e do moderno, maçaricos a voar e maçaricos a soldar; estratégias para resolver questões lexicais de forma autónoma, incluindo o recurso a fontes lusófonas.

Quanto aos conteúdos estritamente linguísticos, apostaria nos seguintes aspetos: pronúncia e entoação; domínio de uma sintaxe rica (colocação pronominal, infinitivo pessoal, futuro do conjuntivo); vocabulário amplo do mundo tradicional e do moderno, maçaricos a voar e maçaricos a soldar; estratégias para resolver questões lexicais de forma autónoma, incluindo o recurso a fontes lusófonas.

Em qualquer aula de língua, agradava-me que se desse um salto do nível da frase para o do parágrafo e o do texto, reforçando a coerência, coesão e clareza dos mesmos. Seria bom desenvolver a capacidade de redigir textos diversos, com foco no Bacharelato galego para os argumentativos ou expositivos, porquanto as lacunas linguísticas nesta área limitam a capacidade de formular ideias complexas. Em paralelo, faria falta reforçar os aspetos linguísticos necessários na comunicação audiovisual e em suportes tecnológicos, capacidades para as quais, nós, nascidos na década de setenta do século passado, costumamos ter grandes lacunas. Sublinhe-se ainda que a escrita clara e eficaz exige muito mais esforço do que inspiração.

Aposto na leitura extensiva e no protagonismo dos livros nas escolas. Não me refiro aos «manuais» — que julgo prescindíveis, datados e economicamente abusivos —, mas a livros de consulta de todo tipo, literatura, ensaio e divulgação científica, com presença não só na biblioteca, mas em todas as salas de aula e espaços da escola. E cativar para a leitura, ainda, através de clubes e outras atividades não letivas. Nas aulas, podia-se trabalhar a passagem de uma compreensão superficial ou focada no entretenimento para outra analítica e visando a compreensão profunda e a aproveitamento do lido para outros fins. Alguns estudantes só vão ter contacto estreito com os livros na escola, e é promovendo hábitos leitores que se podem atenuar um pouco as diferenças sociais.

No currículo da literatura, gostava de ver incorporadas obras lusófonas em versão original, ou apenas com pequenos esclarecimentos lexicais a rodapé, como já foi feito na edição do Mandarim do Eça de Xosé Manuel Sarille. Creio que também se devem incorporar traduções ao corpus literário de forma muito mais resoluta e desinibida, tornando visível o trabalho das e dos tradutores, e insistindo em que o galego-português é também uma janela à literatura universal.

No currículo da literatura, gostava de ver incorporadas obras lusófonas em versão original, ou apenas com pequenos esclarecimentos lexicais a rodapé, como já foi feito na edição do Mandarim do Eça de Xosé Manuel Sarille. Creio que também se devem incorporar traduções ao corpus literário de forma muito mais resoluta e desinibida, tornando visível o trabalho das e dos tradutores, e insistindo em que o galego-português é também uma janela à literatura universal.

A nível da língua falada, defendo a exposição e prática da narração oral. Acredito que os contos, as lendas, os poemas e as lengalengas são muito eficazes na hora de reforçar a expressividade, a memória e a eloquência. Creio que ser capaz de narrar e descrever é a melhor preparação possível para, posteriormente, construir discursos argumentativos e expositivos eficazes.

Além disso, julgo importante relacionar as aulas de galego com as de línguas estrangeiras. Os estudantes estabelecem naturalmente relações entre a língua que aprendem e a materna, porém receio que quase nunca se recorre ao galego ou português neste caso. Não defendo, obviamente, que se aprenda francês em galego, mas que se conheçam, si, fontes de consulta bilingues, e que se comparem pontualmente analogias entre as duas línguas. Fazer a ligação direta do inglês, do francês ou alemão para o galego reforçaria muito a sensação de que temos uma língua internacional.

O mesmo raciocínio é aplicável às línguas dos filhos de migrantes. Podem-se estabelecer ligações entre palavras ou aspetos concretos dessas línguas e o galego, para lhes dar visibilidade e realizar uma troca genuína de conhecimento entre uns e outros.

Ainda neste sentido, muito queria que se deitassem abaixo os muros mentais entre diversas línguas. Em vez de dedicar tanto tempo a fazer análise sintática em paralelo em castelhano e galego (falo na minha própria experiência, desculpem se já não é assim), parecia-me adequado otimizar esforços, porventura através de umas noções comuns de linguística. O tempo poupado aproveitava-se para consciencializar os e as estudantes de que de facto conseguem perceber bastante de textos noutras línguas românicas sem necessidade de as estudarem formalmente, com auxílio de ferramentas como tradutores automáticos, dicionários online, etc. As línguas estão aí para fruírem logo delas, a partir do conhecimento de que já dispõem na materna, e se forem línguas próximas essa fruição pode começar desde já, sem passar necessariamente por um estudo formal e exaustivo.

Muito queria que se deitassem abaixo os muros mentais entre diversas línguas. Em vez de dedicar tanto tempo a fazer análise sintática em paralelo em castelhano e galego (falo na minha própria experiência, desculpem se já não é assim), parecia-me adequado otimizar esforços, porventura através de umas noções comuns de linguística.

Por fim, rever alguns aspetos do ensino do espanhol também ajudaria a lutar contra preconceitos linguísticos. Estou curioso em saber como tem evoluído esta matéria nos últimos anos. Sou a favor de levar às aulas um espanhol mais descentralizado e descolonizado, aberto à América, aos sotaques mais periféricos do próprio estado, e aberto, si, à própria Galiza. As sonoridades galegas do espanhol merecem alguma atenção isenta de preconceitos negativos — a linguística não deveria varrer para debaixo de tapete as variantes linguísticas que de facto de se ouvem nas ruas. Além disso, na Galiza as pessoas não precisam de consumir passivamente o espanhol «em código fechado» que chega através dos meios, podendo fazer uso consciente de um um espanhol «em código aberto», com tonalidades da sua própria cartografia e dos horizontes que se espreitam a partir dela.

No que toca ao discurso sobre o espanhol, em vez de focar a ideia de que a língua veio de fora, faria notar que Castela já não é a morgada ou proprietária em exclusivo do idioma. Não é dona do espanhol falado aqui, no Uruguai ou no Texas, bem como — salvando as distâncias — os londrinos não possuem o inglês da Irlanda ou da Índia; nem os lisboetas o português dos Açores, do Brasil ou de Moçambique. O centros de poder dos estados que — com visões imperiais, coloniais ou centralistas — expandiram as suas línguas, precisam de aceitar a perda de direito de posse única sobre as mesmas; se o trator ficou na nossa leira, disponhamos dele à nossa maneira.

No que toca ao discurso sobre o espanhol, em vez de focar a ideia de que a língua veio de fora, faria notar que Castela já não é a morgada ou proprietária em exclusivo do idioma. Não é dona do espanhol falado aqui, no Uruguai ou no Texas, bem como — salvando as distâncias — os londrinos não possuem o inglês da Irlanda ou da Índia; nem os lisboetas o português dos Açores, do Brasil ou de Moçambique.

Por isso, analogamente, e sem me importar o rótulo que se lhe ponha — ocorre-me «hispano-galega», como «anglo-irish» —, defendo que no ensino se valorize a literatura escrita na Galiza em espanhol, no passado e atualmente, como se faz na Irlanda com a literatura ali escrita em inglês, bem cultural a que nem por sombras se pensa renunciar.

Qual deve ser o papel do português no ensino? Ampliar a sua presença como segunda Língua Estrangeira? Ser lecionada dentro das aulas da matéria troncal de galego? Ambas?

Quanto ao português, creio que a presença em aulas de galego e a presença como segunda língua são caminhos complementares, havendo neste esquema espaço, quer para o professorado especialista em português, quer para o professorado de galego ou doutras áreas com formação complementar acreditável em português.
Do ponto de vista do discurso, a ideia-força, a meu ver, é que o acesso direto ao português permite a todos os estudantes terem uma língua a mais, uma sorte de presente ou vantagem no ponto de partida, ao passo que se reforça a língua materna.

Do ponto de vista do discurso, a ideia-força, a meu ver, é que o acesso direto ao português permite a todos os estudantes terem uma língua a mais, uma sorte de presente ou vantagem no ponto de partida, ao passo que se reforça a língua materna.

Polo contrário, creio que o discurso não deve focar a ideia de que o ensino do português vem substituir o ensino doutras línguas. E digo isto com inteira sinceridade, para mim não se trata de «português em vez de», mas de «português, além de».
Parece-me que isto se poderia concretizar numa fórmula dupla: português para a comunicação e português abrangente.

Por «português para a comunicação» ou «português-ponte» entendo aquele que permite que as pessoas se desenvolvam em todas as situações habituais da vida quotidiana, que fruam do acervo cultural e ainda que acedam diretamente ao mercado laboral ou centros de ensino em países lusófonos, em postos para os quais não se requeira um uso, por assim dizer, «especializado» da língua. Uso a palavra «comunicação» não no sentido redutor de mera transmissão de mensagens, mas no de construção de significando em comum, envolvendo capacidades culturais e pragmáticas ao lado da gramática, pronúncia e vocabulário.

Este português para a comunicação deveria ser um «agasalho» (no sentido galego e no português) para todos os galegos, quer através das aulas de galego, do próprio português, ou de atividades intensivas. Poderia, ainda, traduzir-se numa certificação oficial de nível, no mínimo um A2. O discurso norteador deste tipo de ensino seria o da facilidade ou imediatez de acesso por causa da proximidade linguística.

Este português para a comunicação deveria ser um «agasalho» (no sentido galego e no português) para todos os galegos, quer através das aulas de galego, do próprio português, ou de atividades intensivas. Poderia, ainda, traduzir-se numa certificação oficial de nível, no mínimo um A2. O discurso norteador deste tipo de ensino seria o da facilidade ou imediatez de acesso por causa da proximidade linguística.

Entendo por «português abrangente» ou «português-rádio-oceânico» o dos estudantes que decidem por vontade própria aprofundar no conhecimento da língua, idealmente acompanhados por docentes especialistas em português. O objetivo seria atingir uma competência mais alargada, bem como fornecer conhecimentos amplos sobre os países de língua portuguesa. Idealmente, permitiria inserir-se num contexto laboral ou académico lusófono com segurança no domínio da língua. Também, numa perspetiva menos utilitarista — mas que eu julgo imprescindível — visaria o enriquecimento humanístico e a pura fruição do idioma.

Aprazeria-me que se insistisse na ideia de que o português não é só uma língua dos estados com o português como língua oficial (nem a única língua neles), mas dos falantes no seu conjunto, com destaque para as comunidades de migrantes e, ainda, para todas as pessoas que decidem aprender português em qualquer lugar do mundo. O conceito de «língua estrangeira» parece-me reacionário, qualquer pessoa pode aprender a língua dos outros, e desse o momento que decide fazê-lo começa a integrar de alguma forma essa comunidade linguística.

O conceito de «língua estrangeira» parece-me reacionário, qualquer pessoa pode aprender a língua dos outros, e desse o momento que decide fazê-lo começa a integrar de alguma forma essa comunidade linguística.

O discurso em volta deste português abrangente não seria no meu entender o da «facilidade» nem «dificuldade», mas o das vantagens que decorrem de aprofundar na língua. Concordo com a ideia de que aprender português na Galiza, idealmente, também é melhorar a própria competência linguística através do português. Mas é precisamente por isso que o desafio não é pequeno, e a complexidade não se deve esconder. Porquê? Porque escrever, falar ou mediar a partir da própria língua de forma rica e coerente obriga a realizar um grande esforço — maior ainda numa sociedade governada polo imediatismo dos teclados e o colorido dos ecrãs.

Concordo com a ideia de que aprender português na Galiza, idealmente, também é melhorar a própria competência linguística através do português. Mas é precisamente por isso que o desafio não é pequeno, e a complexidade não se deve esconder. Porquê? Porque escrever, falar ou mediar a partir da própria língua de forma rica e coerente obriga a realizar um grande esforço — maior ainda numa sociedade governada polo imediatismo dos teclados e o colorido dos ecrãs.

Se a isto acresce a familiarização e contacto com as variedades geográficas do idioma, bem como os diversos registos, o tamanho da tarefa é ainda maior. Por isso, a maneira de prestigiar o ensino do português neste nível deve focar-se nos ganhos que poderão resultar do empenho. Nesta aprendizagem abrangente, bater demasiado na ideia da «facilidade» pode conduzir a que o bem em causa seja pouco prezado.
Além disso, na minha visão o português é muito mais do que uma ferramenta para reforçar a posição do galego. Para haver um autêntico diálogo — no intuito de fugir a esquemas coloniais — devemos olhar e ouvir com muita atenção antes de lançar os nossos lugares-comuns a quem está do outro lado. Há que aceitar que o que vamos encontrar nos países de língua portuguesa e nas comunidades de migrantes não condiz necessariamente com as hipóteses e desejos que projetamos sobre a língua — e, aliás, no meu conceito é bom que assim seja, porquanto entendo que a comunicação se torna mais rica e mais humana quando se aceita a exposição ao imprevisível como estação de partida. Portanto, a palavra de ordem, antes de atravessar o caminho de ferro, sempre será o «Parem, Escutem, Olhem» — que aliás, nos saúda desde logo em Valença ao atravessar a Ponte Internacional.

Por isso, não me revejo num ensino do português que se limite a instrumentalizar a língua só a partir do nosso miradouro. Os angolanos, moçambicanos, timorenses e luso-canadenses não estão aí para alimentar o nosso ego linguístico e identitário, não são meios para esse fim; antes, o que eles nos brindam é a possibilidade de descolonizar um bocadinho as nossas mentes, se fizermos um esforço genuíno nesse sentido, o esforço de aceitar a deslocação dos nossos marcos iniciais na sequência desse diálogo.

O ensino do português nesta focagem conviveria com o de outras línguas, e espero que bons entendimentos entre uns e outros, pois afinal todo docente de línguas deve torcer pola diversidade linguística em primeiro lugar, aí precisamos de ser aliados e não concorrentes. Da minha boca nunca sairá «estuda português em vez de…»; de facto, com ou sem êxito, tento encorajar que os estudantes se interessem também por outros idiomas e queiram aprendê-los, fazendo questão em não mostrar as línguas como realidades isoladas umas das outras.

Pensas que implementar linhas educativas diferenciadas (uma com imersom linguística em galego) poderia ser útil para o galego voltar aos pátios?
Como já indiquei anteriormente, discordo dessa abordagem no ensino público, nomeadamente no secundário. É possível que nalguns pátios se falasse algo de galego, mas os falantes de espanhol teriam ainda menos referentes da língua, e aí viríamos a criar alguns problemas novos. Satisfeita a procura das famílias que optassem por esse tipo de ensino, o resto da sociedade poderia desresponsabilizar-se ainda mais em relação à língua. Queremos duas comunidades linguísticas com limites muito claros, ou valorizamos as posições intermédias, os vasos comunicantes? Eu aposto nesse contacto, em valorizar as zonas intermédias, em que todos tragamos algum cheirinho dos ingredientes com que os outros cozinham os seus pratos, mesmo sendo consciente, sei bem, de que o espanhol desagua aí com um caudal muito maior.

Queremos duas comunidades linguísticas com limites muito claros, ou valorizamos as posições intermédias, os vasos comunicantes? Eu aposto nesse contacto, em valorizar as zonas intermédias, em que todos tragamos algum cheirinho dos ingredientes com que os outros cozinham os seus pratos, mesmo sendo consciente, sei bem, de que o espanhol desagua aí com um caudal muito maior.

Ainda a partir de meras impressões e intuições, vejo com maior simpatia a inclusão dessas linhas nas creches e infantários, uma vez que a língua está num processo intenso de aquisição. O que obviamente também vejo muito positivo é que exista o referente das escolas Semente no exterior do ensino público, e em diálogo com ele. Não estando inserindo no sistema, esse modelo de imersão tem maior liberdade e evitam-se debates viscerais no próprio sistema, o que impede que inspire práticas do mesmo.

De resto, mais do que linhas diferenciadas, creio que se poderiam promover atividades de tempos livres ou de lazer com o galego como língua veicular. Se essas atividades fossem ao encontro das necessidades de conciliação familiar, creio que teriam muito sucesso. Em Portugal, por exemplo, existem os ATL, centros de Atividades de Tempos Livres, em que pais com horários pouco flexíveis podem deixar as crianças por uma horas, e por preços razoáveis. Outras possibilidades seriam as colónias de férias com o galego como língua veicular, ou imersão linguística em zonas com mais falantes de galego, o qual ajudaria de passagem a dinamizar económica e culturalmente estas áreas.

De resto, mais do que linhas diferenciadas, creio que se poderiam promover atividades de tempos livres ou de lazer com o galego como língua veicular. Se essas atividades fossem ao encontro das necessidades de conciliação familiar, creio que teriam muito sucesso.

Se a esses reforços se juntar uma boa qualidade de ensino, que garanta um domínio satisfatório quer do galego, quer do castelhano, os estudantes terão polo menos ferramentas para adotar o galego como língua habitual quando forem mais crescidos, se essa for a sua escolha.

Essas escolhas estão, si, socialmente condicionadas, sei-o bem, mas não inteiramente determinadas. Confiar no futuro da língua é também confiar na possibilidade de uso dessa liberdade em favor do galego, apesar das imperfeições do sistema de ensino, que não tem meios para dar a volta ele soinho aos fatores em que assenta a hegemonia social do castelhano.

Que papel atribuis ao modelo educativo inaugurado polas escolas Semente?
O meu conhecimento do modelo é através de foros como este do Portal Galego da Língua ou conversas com pessoas envolvidas. Por isso, as minhas apreciações poderão ser algo superficiais e imprecisas.
O modelo educativo das escolas Semente é um referente benéfico para o galego. Manter com vitalidade uma língua menorizada é um desafio complexo, que requer de propostas diversas e tão corajosas como a destas escolas. Por isso, acredito na complementaridade, convivência e diálogo entre a escola pública, as escolas Semente, e outros tipos de ensino.

Entendo que o papel principal do modelo das escolas Semente é viabilizar a transmissão do galego entre gerações, reforçando a qualidade da língua e diversificando os seus usos sociais. Não por acaso, outras comunidades linguísticas sentiram previamente a necessidade de criar escolas similares. As pessoas que impulsaram as escolas Semente tiveram o bom juízo de estudar bem esses precedentes, como se refere no documentário 1981, Ano Zero da Língua. É admirável o empenho que puseram na tarefa e os riscos que assumiram.

Entendo que o papel principal do modelo das escolas Semente é viabilizar a transmissão do galego entre gerações, reforçando a qualidade da língua e diversificando os seus usos sociais. Não por acaso, outras comunidades linguísticas sentiram previamente a necessidade de criar escolas similares.

Por outro lado, a abordagem da Semente poderá inspirar práticas e iniciativas concretas noutras escolas, nomeadamente no que toca a questões linguísticas. Idealmente, esse diálogo será nos dous sentidos, pois acredito que no ensino público também há iniciativas de que a Semente saberá tirar proveito. Por isso, a diversidade de modelos creio que traz vantagens para todos, e desde já me considero beneficiário indireto daquilo que a Semente faz, e polo que fico grato.
Não quero, no entanto, esconder que a nossa opção pessoal foi inscrever as filhas na escola pública. De forma sincera e partir do meu reconhecimento à Semente, tentarei descrever as motivações que, polo menos no que a mim toca, influíram na decisão.
A Semente procura criar as bases para a construção de uma escola nacional galega, ideário em que não me revejo. Simplesmente, não estou nessa onda, creio que mostraria alguma dissensão a esse respeito nas reuniões com pais e docentes; discrepância, essa, que seria pouco legítima no interior do projeto, uma vez que os princípios pedagógicos do mesmo foram honestamente formulados.
Valorizo da escola pública a presença de pessoas de muito diversas proveniências geográficas, condições sociais, usos e costumes. Essa diversidade social é um valor que coloco por cima de muitos outros. Isto não é uma crítica ao modelo da Semente, pois sou ciente da consciência social dos seus impulsionadores, e estou certo de que também acarinham e procuram essa diversidade. No entanto, polas circunstâncias em que nascem os projetos em volta de uma ideia comum, é natural que acabem por juntar pessoas com graus de afinidade maior entre elas — e nós queríamos mesmo que as miúdas estivessem com pessoas de hábitos e costumes bastante diferentes dos nossos, e isto não apenas no plano linguístico.

Por outro lado, não seria triste que os galego-falantes desaparecessem das escolas públicas da Corunha?
Creio que também podemos vestir a camisola da língua a partir das escolas desta cidade-navio. E não me refiro a estar sempre numa barricada, eu polo menos não tenho paciência nem boa madeira para isso. Do que falo sobretudo é da presença, do mero facto de haver famílias a falar galego à porta da escola.
Esse referente é humilde, si, mas muito necessário. Para alguns pais e estudantes será a primeira prova de que o galego é uma língua possível na vida quotidiana, fora das disciplinas e atividades realizadas em galego na própria escola ou das conversas de alguns avós nos bancos do jardim.
Por mais que a língua do pátio seja o espanhol, o galego terá polo menos a sua luzinha no horizonte, como o farol de uma ilha a que sempre se pode virar o olhar, porventura ao fim de vários anos. A luzinha que eu tive como referente na escola ainda era mais fraca do que a que têm hoje as minhas filhas — e vários dos que por lá andávamos falamos galego habitualmente hoje em dia. É por isso que tenho alguma confiança nessa faísca.

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