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AMÍLCAR CABRAL E A SUA LUITA PELA INDEPENDÊNCIA DA GUINÉ-BISSAU E CABO VERDE

Dentro da série que estou a dedicar às mais importantes personalidades da Lusofonia, onde a nossa língua internacional tem uma presença destacada, e, por sorte, está presente em mais de doze países, sendo oficial em oito, dedico o presente depoimento, que faz o número 130 da série geral, a um grande luitador pela independência no seu dia da Guiné-Bissau e Cabo Verde. Em 1924 nascia na Guiné-Bissau Amílcar Cabral. Engenheiro agrónomo e escritor, é considerado como o ideólogo da independência de Cabo Verde e da Guiné-Bissau, então colónias portuguesas. Durante a sua carreira, destaca-se no cargo de secretário-geral do PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde) em 1956, e como fundador da Assembleia Nacional do Povo da Guiné em 1972, grande passo para a independência. Inicialmente, Cabral tentou que o seu movimento de libertação conseguisse a independência por meios pacíficos, pedindo a Portugal para reconhecer a autodeterminação da Guiné e de Cabo Verde. No entanto, o indeferimento do pedido e o início de manifestações e acontecimentos sociais desencadeou uma luita armada. Foi em 1975 que foi proclamada a independência, mas Cabral já não pôde viver essa vitória. Tinha sido assassinado dous anos antes na sua casa em Conacri, capital da Guiné-Conacri, onde o partido tinha estabelecido a sua sede principal. Com este depoimento, a ele dedicado, completo o número dezoito da série lusófona.

PEQUENA BIOGRAFIA

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Filho do professor cabo-verdiano de ascendência guineense, Juvenal Lopes Cabral, e da guineense de ascendência cabo-verdiana Iva Pinhel Évora, Amílcar Lopes Cabral nasceu em Bafatá (Guiné-Bissau) a 12 de setembro de 1924, onde seu pai exercia na altura a docência. O dia 20 de janeiro de 1973, com 48 anos de idade, foi assassinado na cidade de Conacri, facto que ainda hoje em dia tem muitos pontos obscuros, ainda sem desvelar.

Aos oito anos de idade, a sua família mudou-se para Cabo Verde, estabelecendo-se em Santa Catarina, na ilha de Santiago, que passou a ser a cidade da sua infância, onde terminou os seus estudos primários. De seguida mudou-se com sua mãe e seus irmãos para Mindelo, na ilha de São Vicente, onde em 1943 finalizou no Liceu Gil Eanes os seus estudos secundários. Durante a sua adolescência houve na ilha um período de intensa seca, com graves problemas de fome nos seus povoadores. Que nos anos 40 provocou a morte de umas 50 mil pessoas, além da imigração em massa de muitos cabo-verdianos.

Em 1944 mudou-se para a cidade da Praia, na ilha de Santiago, hoje capital de Cabo Verde, e começou a trabalhar na Imprensa Nacional, embora só por um ano, pois, tendo conseguido uma bolsa de estudos, no ano de 1945 ingressou no Instituto Superior de Agronomia, em Lisboa. Único estudante negro da sua turma, Cabral logo se envolveu em reuniões de grupos antifascistas e, ao lado de outros estudantes vindos da África, tais como Mário de Andrade, Agostinho Neto e Marcelino dos Santos, que conheceu na Casa dos Estudantes do Império, chega a conhecer vetores culturais da reafricanização dos espíritos do movimento da negritude que dirigia Léopold Sédar Senghor. Após graduar-se em 1950, trabalhou por dous anos na Estação Agronómica de Santarém.

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Contratado pelo Ministério do Ultramar como adjunto dos Serviços Agrícolas e Florestais da Guiné, regressou a Bissau em 1952. Iniciou o seu trabalho na granja experimental de Pessube percorrendo grande parte do país, de porta em porta, durante o Recenseamento Agrícola de 1953 adquirindo um conhecimento profundo da realidade social do país na altura. As suas atividades políticas, como a criação da primeira Associação Desportiva, Recreativa e Cultural da Guiné, aberta tanto aos “assimilados” quanto aos indígenas, reservam-lhe a antipatia do governador da colônia, Melo e Alvim, que o obriga a emigrar para Angola, país em que se vai unir ao MPLA.

Em 1955, Cabral participa na Conferência de Bandung e toma conhecimento da questão afro-asiática. Em 1959 juntamente com Aristides Pereira, seu irmão Luís Cabral, Fernando Fortes, Júlio de Almeida e Elisée Turpin, funda a organização clandestina Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC). Em 3 de agosto de 1959, o partido teve participação na greve de trabalhadores do porto de Pidjiguiti, fortemente reprimida pelo governo colonial, resultando na morte de 50 manifestantes e no ferimento de outras centenas. Em 1963 o partido sai da clandestinidade ao estabelecer uma delegação na cidade de Conacri, capital da República de Guiné-Conacri. Em 23 de janeiro deste ano tem início a luita armada contra a metrópole colonialista, com o ataque ao quartel de Tite, no sul da Guiné-Bissau, a partir de bases na Guiné-Conacri.

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Em 1970, Amílcar Cabral, fazendo-se acompanhar de Agostinho Neto e Marcelino dos Santos, é recebido pelo Papa Paulo VI em audiência privada. Em 21 de novembro do mesmo ano, o governador português da Guiné-Bissau determina o início da Operação Mar Verde, com a finalidade de capturar ou mesmo eliminar os líderes do PAIGC, então aquartelados em Conacri. A operação não teve sucesso.

Em 20 de janeiro de 1973, Amílcar Cabral é assassinado em Conacri, por dous membros do seu próprio partido. Ele profetizara seu fim, ao afirmar: “Se alguém me há de fazer mal, é quem está aqui entre nós. Ninguém mais pode estragar o PAIGC, só nós próprios”. Aristides Pereira substituiu-o na chefia do partido. Após a morte de Cabral, a luita armada se intensifica e a independência de Guiné-Bissau é proclamada, unilateralmente, em 24 de setembro de 1973. Seu meio-irmão, Luís de Almeida Cabral, é nomeado o primeiro presidente do país.

FICHAS DOS DOCUMENTÁRIOS

  1. Amílcar Cabral, o Pai da Nação.

     Duração: 17 minutos. Ano 2018.

     

2. Amílcar Cabral, a luta continua.

     Duração: 15 minutos. Ano 2011.

     

3. A morte de Amílcar Cabral.

     Duração: 71 minutos. Ano 2018.

     

4. Amílcar Cabral: Último discurso (Jan. 1973).

     Duração: 32 minutos. Ano 2016.

     

5. Amílcar Cabral na Residência no CENTA em 2008.

     Duração: 6 minutos. Ano 2008.

     Ver aqui.

6. Os 95 anos de Amílcar Cabral, aniversário recordado em Cabo Verde.

     Duração: 3 minutos. Ano 2019.

     

7. Amílcar Cabral, herói mitigado: entre o desejo e o ressentimento.

     Duração: 21 minutos. Ano 2018.

     

8. Amílcar Cabral.

     Duração: 52 minutos. Ano 2000.

     Realização, roteiro e fotografia: Ana Lúcia Ramos (Coprodução Portugal-Cabo Verde, 2000).

     Argumento: Este documentário apresenta vários aspetos do gigante revolucionário da Guiné-Bissau e Cabo Verde, como homem, pai, político, humanista e poeta.

AMÍLCAR CABRAL NAS SUAS PALAVRAS

Para entender bem o seu pensamento sociopolítico e refletir sobre o mesmo, nada melhor que fazer a oportuna leitura de muitos dos seus discursos, das suas frases e das suas palavras. Tiradas entre outros dos livros A arma da teoria e Um povo que se liberta. Apresentamos das mesmas a seguir uma escolha:

  1. “Perguntar-nos-ão se o colonialismo português não teve uma ação positiva na África. A justiça é sempre relativa. Para os africanos, que durante cinco séculos se opuseram à dominação colonial portuguesa, o colonialismo português é o inferno; e onde reina o mal, não há lugar para o bem”.
  2. “Como sabe, nós temos uma longa caminhada juntamente com o povo português. Não foi decidido por nós, não foi decidido pelo povo português, foi decidido pelas circunstâncias históricas do tempo da Europa das Descobertas e pela classe de “antanho”, como se diz em português antigo; mas é verdade, é isso! Há essa realidade concreta! Eu estou aqui falando português, como qualquer outro português, e infelizmente melhor do que centenas de milhares de portugueses que o Estado português tem deixado na ignorância e na miséria. (…) Nós marchamos juntos e, além disso, no nosso povo, seja em Cabo Verde seja na Guiné, existe toda uma ligação de sangue, não só de história mas também de sangue, e fundamentalmente de cultura, como o povo de Portugal. (…) Essa nossa cultura também está influenciada pela cultura portuguesa e nós estamos prontos a aceitar todo o aspeto positivo da cultura dos outros”.
  3. “Nós, em princípio, o nosso problema não é o de nos desligarmos do povo português. Se porventura em Portugal houvesse um regime que estivesse disposto a construir não só o futuro e o bem-estar do povo de Portugal mas também o nosso, mas em pé de absoluta igualdade, quer dizer que o Presidente da República pudesse ser de Cabo Verde, da Guiné, como de Portugal, etc., que todas as funções estatais, administrativas, etc. fossem igualmente possíveis para toda a gente, nós não veríamos nenhuma necessidade de estar a fazer a luta pela independência, porque todos já seriam independentes, num quadro humano muito mais largo e talvez muito mais eficaz do ponto de vista da História. (…) Mas infelizmente, como sabem, a coisa não é essa; o colonialismo português explorou o nosso povo da maneira mais bárbara e mais criminosa e quando reclamamos um direito de ser gente, nós mesmos, de sermos homens, parte da humanidade”.
  4. “Mas nós nunca confundimos o “colonialismo português” com o “povo de Portugal”, e temos feito tudo, na medida das nossas possibilidades, para preservar, apesar dos crimes cometidos pelos colonialistas portugueses, as possibilidades de uma cooperação eficaz com o povo de Portugal, numa base de independência, de igualdade de direitos e de reciprocidade de vantagens seja para o progresso da nossa terra, seja para o progresso do povo português. (…) O povo português está submetido há cerca de meio século a um regime que, pelas suas características, não pode ser deixado de ser chamado fascista. (…) A nossa luta é contra o colonialismo português. Nós somos povos africanos, ou um povo africano, lutando contra o colonialismo português, contra a dominação colonial portuguesa, mas não deixamos de ver a ligação que existe ente a luta antifascista e a luta anticolonialista”.
  5. “Nós estamos absolutamente convencidos de que, se em Portugal se instalasse amanhã um governo que não fosse fascista, mas fosse democrático, progressista, reconhecedor dos direitos dos povos à autodeterminação e à independência, a nossa luta não teria razão de ser. Aí está a ligação íntima que pode existir entre a nossa luta e a luta antifascista em Portugal; mas também, vice-versa, estamos absolutamente convencidos de que, na medida em que os povos das colónias portuguesas avancem com a sua luta e se libertem totalmente de dominação colonial portuguesa, estarão contribuindo de uma maneira muito eficaz para a liquidação do regime fascista em Portugal. (…) Nós queremos entretanto exprimir claramente o seguinte: nós não confundimos a nossa luta, na nossa terra, com a luta do povo português; estão ligadas, mas nós, no interesse do nosso povo, combatemos contra o colonialismo português. Liquidar o fascismo em Portugal, se ele não se liquidar pela liquidação do colonialismo, isso é função dos próprios portugueses patriotas, que cada dia estão mais conscientes da necessidade de desenvolver a sua luta e de servir o melhor possível o seu povo”.
  6. “No movimento de libertação, como em qualquer outro empreendimento humano – e sejam quais forem os fatores materiais e sociais que condicionem a sua evolução -, o homem (a sua mentalidade, o seu comportamento) é o elemento essencial e determinante”.
  7. “O nosso povo africano sabe muito bem que a serpente pode mudar de pele, mas é sempre uma serpente”.

OPINIÕES SOBRE A PERSONALIDADE DE CABRAL

Rui Lopes, da Universidade Nova de Lisboa:

“A luta pela libertação da Guiné-Bissau e Cabo Verde foi travada não só na costa ocidental africana, mas também no plano internacional (apoio diplomático, económico e militar de múltiplos países a ambos os lados em conflito), bem como a nível transnacional (cooperação e circulação de ideias e pessoas entre grupos não-estatais). Permite-nos, portanto, refletir sobre o papel de amplas dinâmicas regionais, continentais e globais, quer na formação de sujeitos políticos nacionais, quer na projeção das suas causas além-fronteiras. A minha comunicação abordará duas tendências evidenciadas por pesquisas recentes sobre a articulação da luta do PAIGC com espaços tão distantes como o Grande Salão do Povo em Pequim ou as barricadas de Paris, envolvendo agentes tão díspares como os serviços secretos checoslovacos, movimentos afro-americanos e comités da ONU. Por um lado, discutirá o contributo destes estudos para um “descentramento” da história da Guerra Fria, apresentando a competição geopolítica simultaneamente como um obstáculo omnipresente e um enquadramento onde atores supostamente periféricos forjaram um percurso autónomo. Por outro lado, analisará este caso enquanto exemplo particularmente frutífero de um movimento Sul-Norte, no qual discursos e ações oriundas do chamado Terceiro Mundo foram apropriadas no seio das maiores potências ocidentais”.

O historiador José Neves opina:

“A partir da história da globalização de uma ideologia política de proveniência europeia, o marxismo, a minha comunicação pretende contribuir para os debates atuais acerca da possibilidade de descolonização do conhecimento e da teoria política. Para este efeito, toma-se como fonte de estudo – mas também enquanto apoio teórico a esse mesmo estudo – o discurso proferido por Amílcar Cabral em 1966, em Havana, no quadro da Tricontinental, e o seu texto “Alguns tipos de resistência”, resultado de palestras destinadas a quados do PAIGC, em 1968. Em discussão estará, por um lado, a crítica cabraliana à filosofia marxista da história, que nos oferece pistas importantes para a elaboração de uma concepção não-progressista da história, por outro, a persistência da sensibilidade científica de Cabral, devedora do que poderíamos chamar uma epistemologia do norte”.

O professor da Guiné-Bissau Sumaila Jaló opinou:

“Olhando para a vida e luta do homem que foi um combatente exemplar para a libertação dos povos africanos da dominação colonial, particularmente dos povos da Guiné e Cabo-Verde, percebemos que, se por um lado temos Cabo-Verde empenhado a cumprir o “Programa Maior” do PAIGC, o progresso, por outro, temos a Guiné aquém de pelo menos começar “a pensar pela sua própria cabeça”. É preciso revisitar Cabral sempre!”

DEPOIMENTOS DEDICADOS A CABRAL

O português Sérgio Ribeiro dedicou a Amílcar Cabral em 2003 um interessante depoimento, lembrando os 30 anos da sua morte, que foi publicado no nº 262 de O Militante, em janeiro-fevereiro de 2003. Pode ler-se entrando nesta ligação.

Pela sua parte, a brasileira Patrícia Villén, em 2014, publicou sob o título de “Cultura, resistência e transformação na teoria de Amílcar Cabral” um artigo de 16 páginas no nº 1, vol. 1 da Revista de Humanidades e Letras. Pode ler-se entrando nesta ligação.

A revista digital Voa Português publicou o 20 de janeiro de 2019 um interessante depoimento intitulado “Amílcar Cabral, herói lembrado na Guiné-Bissau e Cabo Verde”. Pode ler-se nesta ligação.

O próprio Amílcar Cabral, sob o título de “Alguns princípios do Partido”, publicou um amplo depoimento escrito em 1969, que se pode ler entrando nesta ligação.

TEMAS PARA REFLETIR E REALIZAR

Vemos os documentários citados antes, e depois desenvolvemos um cinema-fórum, para analisar o fundo (mensagem) dos mesmos, assim como os seus conteúdos.

Organizamos nos nossos estabelecimentos de ensino uma amostra-exposição monográfica dedicada a Amílcar Cabral, um político, agrónomo e teórico marxista da Guiné-Bissau e de Cabo Verde. Na mesma, ademais de trabalhos variados dos escolares, incluiremos desenhos, fotos, murais, frases, textos, lendas, livros e monografias.

Podemos realizar no nosso estabelecimento de ensino um Livro-fórum, em que participem estudantes e docentes. Podemos escolher para a sua leitura o livro de Cabral A arma da teoria: unidade e luta, publicado por Seara Nova de Lisboa em 1978, ou a sua obra Textos políticos, editada em 1974 pela Afrontamento do Porto.

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