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Valores educativo-didáticos do teatro, segundo a ampla filmografia de Alejandro Casona

Casona Filme A dama da alva2O dia mundial do teatro, que se celebra em muitos países do mundo no dia 27 de março, foi criado em 1961 pelo Instituto Internacional do Teatro (ITI), data da inauguração do Teatro das Nações, em Paris. O marco principal do surgimento do teatro foi a reunião de um grupo de pessoas numa pedreira, que se reuniram nas proximidades de uma fogueira para se aquecer do frio. A fogueira fazia refletir a imagem das pessoas na parede, o que levou um rapaz a se levantar e fazer gestos engraçados que se refletiam em sombras. Um texto improvisado acompanhava as imagens, trazendo a ideia de personagens fracos, fortes, oprimidos, opressores e até de Deus e do diabo, segundo conta Margarida Saraiva, da Escola Superior de Teatro e Cinema, de Portugal.

Considero o teatro como uma das mais importantes atividades com valores educativos que existe. Possivelmente a mais valiosa, o que já tenho comentado em ocasiões anteriores. E quero hoje, desde Santiniketon-Bengala-Índia, onde me encontro, falar de novo do tema. Porque em toda a Bengala, e quando falo desta terra estou a referir-me às duas Bengalas, a ocidental indiana e a oriental Bangladesh, o teatro (em Bangla “Natok”), é a atividade mais venerada, junto com a música. Aqui não existe lugar, por pequeno que seja, que não tenha um espaço teatral. Ademais o clima permite fazer teatro ao ar livre, sob as grandes árvores, existindo amplos cenários para as representações.

Casona Filme A dama da alva1O outro dia fui ver no novo teatro construído recentemente em Santiniketon, no campus da universidade de Tagore, com o nome da sua peça de teatro Lipika, uma representação teatral duma peça de Budhodev Bosu, baseada numa história do Mahabharata, a grande e milenar epopeia Indiana. O amor dos bengalis pelo teatro é proverbial e certamente exemplar. A sua imaginação portentosa para, com muito poucos recursos, desenhar espaços e cenários. Com telas de cores e cubos esculturais de madeira, que movem em cada ato, configurando novas formas e novos espaços. Todos os atores dominam o movimento e a palavra e o resultado é sempre magnífico. Tenho a experiência de ir a uma povoação chamada Gobordanga, a norte de Kolkata, na fronteira com o Bangladesh, nas minhas primeiras viagens a este formoso país, de admirar a montagem teatral, verdadeiramente fantástica, de Ninguém Escreve ao Coronel de Garcia Marquez. Aquele dia eu tivera que falar do escritor colombiano, atuando como intérprete meu Prosun Chatterjee. Depois vimos a peça e, ainda entendendo pouco naquela altura o idioma bangla, não perdemos nada do conteúdo da peça. Por isso proponho que todos aqueles que se dedicam a dirigir teatro na Galiza, venham quanto antes aqui para colher ideias ao vivo e em direto, de como fazer teatro magnífico com poucos recursos. Sem gastar aquelas somas astronómicas das montagens do IGAEM. Que eu bem sei, e não gostava nada, quando fui secretário do Conselho do mesmo. Aqui existe uma escola aberta teatral, sem custo algum para os que queiram aprender esta bela arte. Que na Índia é milenar, como outras muitas artes, desde os Vedas.

O meu admirado Tagore foi um grande autor teatral e ele mesmo interveio em muitas montagens das suas peças como ator. Há poucos dias fui ver no grandioso centro cultural Guitam-ioli, anexo ao campus, a sua peça O Reino das Cartas (em Bangla “Taser Desh”), espécie de obra teatral e operística, com canções, musica e dança. Que gostaria de editar alguma vez no meu idioma galego internacional. Eu mesmo representei na minha primeira escola de Marinha Mansa (Ourense), em 1969, e na do colégio Virgem de Covadonga, em 1971, a maravilhosa obra tagoreana O Carteiro do Rei (em Bangla “Dakghor”). Conservo, como um tesouro, as fotos de ambas representações. Aqui admiram-me ao vê-las, por ser já um pioneiro tagoreano e da dramaturgia escolar.

Quero lembrar hoje aqueles galegos e galegas, desaparecidos e os felizmente ainda vivos, que como os bengalis, amaram e amam o teatro. Tanto atores, como autores e diretores. Castelão, Rafael Dieste (quanto gostara eu na Mostra de Riba d’Avia, no seu dia, de A Fiestra Valdeira!), Manuel Maria, Bodanho, Marinhas del Valhe, Fernandez Mazas, Lauro Olmo, Varela Buxam, Manolo Vidal e , embora não galego, Alejandro Casona. Vai a minha carinhosa lembrança para Segundo Alvarado que tão bom labor realizou em Ourense durante décadas pela arte dramática. Entre os vivos quero lembrar esse grande diretor, ator e autor que é Manuel Lourenzo. Marisa Calvo, Pilhado Maior, Guede, Fernando Gavelo, Gabriel, Blanco Gil, Guadalupe e Dora Espinar, Alberto Fernández, Ramos, Sampaio, Modesto Vázquez… Naturalmente quero lembrar também o magnífico trabalho dos atuais jovens dos grupos ourensanos Sarabela, Maria Castanha, o de Luz Vilhar e Maranhão. Do que é membro a minha sobrinha Beatriz Iglesias. Que me perdoem aqueles que ficaram no tinteiro. Mas que bela é a arte dramática que em Bengala e na Índia todos tanto amam! E, quão importante é que se fomente desde as aulas entre os escolares o amor pelo teatro, organizando já desde a escola infantil dramatizações, jogos dramáticos, teatro lido, teatro de fantoches, teatro escolar e representações teatrais, adaptando contos, lendas e relatos, ou pondo em cena muitas das nossas obras, como as farsas de Blanco Amor, as farsas francesas, o teatro infantil de Manuel Maria, os contos e lendas lusófonas para crianças, o teatro para fantoches de Dieste, de Pura e Dora Vázquez, de Marinhas, de Olmo, e as obras de teatro infantil brasileiras e portuguesas.

Para falar de tão importante tema, e promover entre os escolares de todos os níveis o teatro e a expressão dramática, ao redor da data do Dia Mundial do Teatro (27 de março), escolhi um grande autor teatral, que dedicou toda a sua vida ao teatro, foi o diretor nas Missões Pedagógicas republicanas do denominado “Teatro do Povo”, e muitas das suas obras foram levadas ao cinema, sendo ele ademais um importante roteirista de filmes. Este foi o asturiano Alejandro Casona (1903-1965). O qual desenvolveu o seu maravilhoso labor no nosso país até a guerra civil, e depois, já exilado, na Argentina. Num labor muito similar ao do nosso Rafael Dieste, que também esteve exilado na Argentina, e também participara nas Missões Pedagógicas, dirigindo aquela tão formosa por toda a Galiza no verão de 1933.

FILMOGRAFIA AO REDOR DE ALEJANDRO CASONA:

A. Na Argentina (como Roteirista de Filmes): T.: Título; O.: Original; D.: Diretor:

1. Casona Foto 5T.O.: Veinte años y una noche (Vinte anos e uma noite). D.: Alberto de Zavalia (1941, 93 min., a preto e branco).

2. T.O.: La maestrita de los obreros (A mestrinha dos operários). D.: Alberto de Zavalia (1942, 97 min., a preto e branco). Baseado na obra de Edmondo de Amicis.

3. T.O.: Concierto de almas (Concerto de almas). D.: Alberto de Zavalia (1942, 73 min., a preto e branco).

4. T.O.: En el viejo Buenos Aires (No velho Buenos Aires). D.: Antonio Momplet (1942, 90 min., a preto e branco). Roteiro de Casona em colaboração com Pedro Miguel Obligado.

5. T.O.: Casa de muñecas (Casa de bonecas). D.: Ernesto Arancibia (1943, 95 min., a preto e branco). Baseado na peça de Henrik Ibsen do mesmo título.

6. T.O.: Cuando florezca el naranjo (Quando floresça a laranjeira). D.: Alberto de Zavalia (1943, 75 min., a preto e branco).

7. T.O.: Nuestra Natacha (A nossa Natacha). D.: Julio Saraceni (1944, 95 min., a preto e branco). Baseado na peça de teatro do mesmo título de Casona.

8. T.O.: La pródiga (A pródiga). D.: Mario Soffici (1945, 67 min., a preto e branco). Baseado na peça de Pedro Antonio de Alarcón, e com Eva Perón de atriz.

9. T.O.: Maria Celeste. D.: Julio Saraceni (1945, 82 min., a preto e branco). Baseado na peça de Casona e Hernández Catá.

10. T.O.: Milagro de amor (Milagre de amor). D.: Francisco Múgica (1946, 84 min., a preto e branco).

Casona Foto 011. T.O.: El que recibe las bofetadas (O que recebe as bofetadas). D.: Boris H. Hardy (1947, 96 min., a preto e branco). Baseado na peça de Leónidas Andreieff.

12. T.O.: El extraño caso de la mujer asesinada (O estranho caso da mulher assassinada). D.: Boris H. Hardy (1949, 80 min., a preto e branco). Baseado na peça de Álvaro de la Iglesia e Miguel Mihura.

13. T.O.: Romance en tres noches (Romance em três noites). D.: Ernesto Arancibia (1950, 92 min., a preto e branco). Baseado na peça Romance de Adán e Elsa, de Casona.

14. T.O.: La barca sin pescador (A barca sem pescador). D.: Mario Soffici (1950, 85 min., a preto e branco). Baseado na peça do mesmo título de Casona.

15. T.O.: Los árboles mueren de pie (As árvores morrem de pé). D.: Carlos Schlieper (1951, 86 min., a preto e branco). Baseado na peça do mesmo título de Casona.

16. T.O.: Si muero antes de despertar (Se morrer antes de acordar). D.: Carlos Hugo Christensen (1952, 73 min., a preto e branco). Baseado no conto de N. Irish.

17. T.O.: No abras nunca esa puerta (Não abras nunca essa porta). D.: Carlos Hugo Christensen (1952, 85 min., a preto e branco). Baseado nos contos de William Irish.

18. T.O.: Un ángel sin pudor (Um anjo sem pudor). D.: Carlos Hugo Christensen (1953, 100 min., a preto e branco). Baseado na peça de teatro do mesmo título de Claude-André Puget.

19. T.O.: Siete gritos en el mar (Sete gritos no mar). D.: Enrique Carreras (1954, 74 min., a preto e branco). Baseado na peça de teatro do mesmo título de Casona.

20. T.O.: La cigüeña dijo Sí! (A cegonha disse Sim!). D.: Enrique Carreras (1955, 72 min., a preto e branco). Baseado na obra de Carlos Llopis.

B. No México:

1. T.O.: La dama del alba (A dama da alva). D.: Emilio Gómez Muriel (1949, 88 min., a preto e branco). Baseado na peça de teatro do mesmo título de Casona.

2. T.O.: La tercera palabra (A terceira palavra). D.: Julián Soler (1956, 110 min., a preto e branco). Roteiro de Casona. Argumento: Duas tias contratam Margarida como professora para seu sobrinho Pablo. Ela ensina-o a ler e escrever, a caçar e a montar a cavalo. Dado que seus parentes querem declarar Pablo como louco para ficar com sua herança, Margarida decide ajudá-lo, conseguindo que o médico determine que não está demente.

C. Em Espanha:

1. T.O.: La dama del alba (A dama da alva). D.: Francisco Rovira Beleta (1965, 106 min., a preto e branco). Baseado na peça de teatro do mesmo título de Casona. Argumento: Muitos problemas sucedem na Casona de Narcés, quando se cumprem três anos desde que Angélica, a mulher de Martim, desapareceu misteriosamente nas águas do rio. Apesar do mau tempo, e não atendendo aos conselhos da mãe de Angélica, Martim sai da casa para ir dar de comer ao gado. Nesse momento chega uma estranha peregrina à procura de pousada. Só pode deter-se uns minutos pois tem que encontrar-se na ponte com Adela, uma moça que anda à procura da Morte.

D. Outros Filmes:

1. T.O.: Ceniza al viento (Cinza ao vento). D.: Luis Saslavsky (Rca. Argentina, 1942, 98 min., a preto e branco). Roteiro de Carlos Adén sobre histórias de Casona e também de outros autores.

2. T.O.: Las abejas (As abelhas). Curta-metragem realizada por Guillermo Zúñiga em 1951, apoiado em textos de Casona.

CASONA E O TEATRO DO POVO DAS MISSÕES PEDAGÓGICAS:

Casona Obras completasAlejandro Rodríguez Álvarez, mais conhecido como Alejandro Casona, nasceu a 23 de março de 1903 em Besullo (Astúrias), e faleceu em Madrid a 17 de setembro de 1965, dois anos depois de regressar do seu longo exílio na Argentina. Era filho de mãe e de pai ambos mestres, e ele foi ao final também mestre. Passou os seus primeiros cinco anos de vida na sua aldeia natal, deslocando-se mais tarde com a sua família para Villaviciosa. Fez os seus estudos universitários em Oviedo e em Múrcia, e na Escola Superior do Magistério de Madrid. Iniciou-se no mundo teatral dirigindo uma companhia de teatro de amadores e de teatro infantil, sob o nome de “El pájaro pinto” (“O pássaro pinto”), quando esteve no seu primeiro destino de mestre na pequena povoação de Les no Vale de Arão (Lleida), entre os anos 1928 e 1931. O ensino constituiu para Casona uma faceta importante na primeira fase de sua frutífera vida, já que pouco tempo depois foi nomeado inspetor de primeiro ensino durante a República, e publicou uma primeira peça de teatro infantil. Foi comediógrafo, autor dum teatro de engenho e humor que misturou com sabedoria, fantasia e realidade. Depois de uma breve incursão no campo da poesia, com o livro A flauta do sapo (1930), em 1932 publicou um formoso livro intitulado “Flor de leyendas” (Flor de lendas), escolma de lendas clássicas e medievais, pelo qual conseguiu o Prémio Nacional de Literatura e, em 1934, ano em que tomou a decisão de dedicar-se por completo à dramaturgia, publicou “La sirena varada” (A sereia varada), pelo que recebeu o Prémio Lope de Vega. A sua maneira de fazer teatro rompeu os esquemas estilísticos estabelecidos no teatro naturalista preponderante da época, e introduz materiais novos para conformar suas personagens, tais como a investigação psicológica e a fantasia. A sua grande preocupação foi proporcionar em todo o momento uma grande dimensão prática ao seu teatro.

O grande pedagogo Cossío, pertencente à Instituição Livre do Ensino (ILE), foi o criador das chamadas “Missões Pedagógicas”, para levar as artes e a cultura aos povos mais apartados do nosso país. O seu lindo projeto, elaborado décadas antes, pôde levar-se felizmente à prática com a chegada da Segunda República, por um diploma publicado a 29 de maio de 1931, que cria o Padroado das mesmas. O nome de Casona logo aparece fazendo parte do entusiasta grupo de missionários. Casona conheceu Cossío quando este já tinha 71 anos de idade. Este faz-lhe o encargo de dirigir o teatro popular das Missões Pedagógicas, recentemente criadas, pois sabia da valia do asturiano e do amor deste pelo teatro. Cumprindo o desejo de Cossío, as Missões incorporam em 15 de maio de 1932 o denominado Teatro e Coral do Povo, sob a direção dos asturianos Alejandro Casona e Eduardo Martínez Torner. Sobre a linda experiência e o estupendo labor educativo e cultural que realizou Casona dentro das Missões Pedagógicas republicanas, quero deixar que fale ele, com as suas próprias e formosas palavras, que esclarecem e resumem de forma magnífica, o grande valor educativo do teatro e o importante que foi este projeto republicano, em que também participara o galego Rafael Dieste. O qual chegou a dirigir uma Missão Pedagógica pela Galiza em 1933 e incorporou também à mesma o Teatro de Fantoches, com a colaboração do ourensano Cándido Fernádez Mazas. Acertadamente Casona diz: “Para achegar o teatro ao povo faz falta o desenvolvimento da farsa no meio das gentes e em pleno ar livre. Para isto é necessário construir um tabuado de quatro metros de largura por seis de fundo, dividido na sua metade pela embocadura, o que permite o livre jogo cénico de pano afora, com acesso a partir do público, quando os corais, movimentos e conjuntos assim o requerem. O conjunto é transportado numa camionete e armado por uma dúzia de rapazes durante uma meia hora. Uns fundos de palco de tecido, sumariamente decorativos e uns trajos resolvidos sobre figurinos graciosos e estilizados completam a cenografia. A inteligente jovialidade dos estudantes não tarda em contagiar-se. Por acaso, mais que nada, o espetáculo dum trabalho material realizado ágil e alegremente desperta entre os camponeses uma simpatia não isenta de certa ingénua admiração. Talvez, criam que os “Senhoritos de Madrid não sabiam usar um martelo”. As atuações do Teatro e do Coral, pela sua brevidade, só dão motivo a um relacionamento de duas ou três horas com cada povoação visitada, embora é tal a alegria que obtêm, a adesão que conseguem, o interesse que suscitam os entremeses apresentados, as canções e a afanosa tarefa de levantar e desmontar o tabuado, que a intensidade da missão e a lembrança que deixam vale seguramente o esforço dos estudantes, moços e moças, desta grande companhia ambulante”. Já em 1962 Casona ainda lembra a sua experiência quando diz: “Aqueles moços faziam o seu trabalho um pouco missionariamente, evangelicamente, artisticamente, sem nenhuma pretensão nem ambição mais. Não havia intenção de tipo social, nem nada de prédica política. O teatro das Missões Pedagógicas, o Teatro do Povo, teatro e coral, o formavam uns 50 moços e moças, estudantes das distintas universidades, faculdades e escolas. Não cobravam nada e, ademais, levavam a comida da sua casa. Muita gente, equivocadamente, acreditava que só iam para divertir-se. Durante os cinco anos em que eu tive a sorte de dirigir aquela rapaziada estudantil, mais de 300 vilas e aldeias (da Seabra à Mancha e do Aragão à Estremadura, com o seu centro no páramo castelhano), viram-nos chegar aos seus arrabaldes, praças e alpendres, montar o nosso equipamento ao ar livre e representar o formoso repertório perante o feliz assombro da aldeia. Se alguma obra bela posso eu orgulhar-me de ter feito na minha vida, foi aquela; se alguma coisa séria aprendi sobre povo e teatro, foi ali onde a aprendi. Trezentas atuações à frente dum quadro estudantil e perante públicos de sabedoria, emoção e linguagem primitivos são uma educadora experiência”.

Casona Teatro do Povo das MissõesCasona falou extensamente sobre esta sua linda experiência, especialmente ao seu regresso do exílio na Argentina, onde viveu e desenvolveu um excelente labor teatral, escreveu obras dramáticas e redigiu muitos roteiros cinematográficos, de 1936 a 1963. Pelo seu interesse quero reproduzir agora outras suas palavras: “Eu levei o Teatro do Povo, fazendo parte das Missões Pedagógicas, por mais de 300 povos e aldeias rurais. Lembro quando chegamos à Seabra. Íamos médicos, engenheiros, peritos agrícolas… Pintámos e decorámos a escola. Construímos caminhos adequados; ainda lembro que pedimos trigo do Canadá e que os resultados foram magníficos. O meu trabalho fundamental era dirigir uma companhia de teatro popular. Creio que as representações surpreendiam as gentes mais que tudo o resto. Lembro-me como se agora fosse, que uma tarde montámos “O dragãozinho” de Calderón. Um labrego, com atitude despectiva, tirava os grumos do tabaco quando se levantou o pano. Tinha colado aos seus lábios o papel de cigarro e passaram-lhe os 40 minutos num segundo. Quando terminou a representação sentiu um sobressalto especial. Eu creio que cada qual cumpria uma função; a minha era o teatro; a de outro, dizer-lhe ao camponês a melhor época para a sementeira… (…). Na realidade daqueles anos, o importante é que, de repente, dois teatros ambulantes, peregrinos, autênticos representantes dos ideais da ILE, fizeram aparição nos cenários do país: “A Barraca”, sob a direção de Garcia Lorca, e o “Teatro das Missões”, ambos de parecido significado, embora o segundo com uma finalidade mais pedagógica que artística. “A Barraca” ia a povoações que tinham um teatro um pouco decente, um pouco sem cultivar ou de repertórios maus. Ali davam Lope bem apresentado, modernamente feito. Nós íamos levar o teatro aos labregos iletrados que não sabiam o que o teatro era e que, portanto, o viam pela primeira vez. Por esta razão o nosso repertório tinha que ser forçosamente mais simples, peças curtas com música e pequenas danças. O difícil era criar este repertório, que não existia”.

Escrito em plena guerra mundial e publicado num jornal de Buenos Aires, temos um lindo documento de Casona, sob o título de “El pueblo español y la cultura” (O povo espanhol e a cultura), em que lembra as críticas de muitos por querer levar a arte aos cidadãos das aldeias mais afastadas, considerando que as obras artísticas eram alimentos demasiado requintados para um povo sem livros. Casona responde-lhes que o povo espanhol tem um senhorio natural capaz de suprir muitas lacunas de educação, e uma maravilhosa intuição artística, nutrida pela tradição oral com toda a herança poética do velho Romanceiro. E Casona, sobre o particular, comenta: “Lembro uma tarde de primavera em 1936 em que o grande dramaturgo galo Lenormand acompanhou-me a presenciar uma atuação ao ar livre do Teatro das Missões numa aldeia do Guadarrama, próxima ao Escorial, Zarzalejo de la Sierra. O dramaturgo francês, cuja alma de criança curiosa contrasta inesperadamente com a amargura de seu teatro, contemplava assombrado o espetáculo dum povo camponês que sublinhava com a sua alegria inteligente e o seu aplauso oportuno as passagens mais felizes de uma farsa de Molière, dum entremês de Cervantes e uma xácara de Calderón. Este público – comentava-me – é o melhor do espetáculo. Os estudantes franceses, os “Theofiliens” da Sorbona, também trataram de ressuscitar o velho teatro, mas com um senso puramente áulico e de erudição, de costas ao povo. Aquilo é a arte pela arte; vocês, porém, empreenderam o verdadeiro caminho: a arte ao serviço da vida pública. Eis a grande palavra de ordem” (…). Episódio sobre o qual Casona tende, implacável, o mau augúrio da iminente guerra civil: “E enquanto Lenormand falava assim, no fundo longínquo da tarde projetava-se sobre o barrocal serrano a sombra de El Escorial: o símbolo oposto da velha Espanha filipina em cujo seio começava já a fermentar a sublevação teocrático-militar de julho. Meses depois a aldeia de Zarzalejo contemplava aterrada o fuzilamento de operários e camponeses na mesma praça onde uma tarde recente de primavera se tinha escuitado, de lábios estudantis, o donaire imortal da prosa cervantina. A sombra fatídica de El escorial tinha triunfado contra a luz da república popular. (…). Agora estamos a viver na sua máxima intensidade a tragédia iniciada em terra espanhola, que logo havia de incendiar toda a Europa. Os jovens mestres da República pagaram em carne e sangue o delito de educar a nova infância para uma cidadania de liberdade e de cultura. Uns caíram perante o pelotão, outros no novo amanhecer na desolada fadiga dos campos de concentração ou no hospitalar desterro da América. E os programas escolares de Espanha voltaram a reduzir-se à estúpida estreiteza das “quatro regras”, os silabários e o catecismo cantados a coro, e a história nacional “a partir do glorioso Movimento”. Mais tarde, noutros depoimentos voltaria a falar sobre o valor educativo do teatro, e de que, seguindo Jean Vilar, tinha que ser socialmente considerado como um serviço público, nem mais nem menos que a higiene ou a educação. Ademais de que tinha que ser para a totalidade dos cidadãos, pelo que muito gostava dos espetáculos teatrais multitudináriosorganizados por Margarita Xirgú e praças públicas, encenando O alcaide de Zalamea, Fuenteovejuna ou Medea. Ou o de Garcia Lorca com A Barraca transumante de cidade em cidade, e o seu Teatro do Povo de aldeia em aldeia. Pois Casona, igual que Romain Rolland e Tagore, tinha muito claro que era necessário “democratizar a Beleza”.

É muito importante conhecer também o labor de Casona como criador de peças de teatro e dramáticas, tema que ocuparia muito espaço neste meu depoimento. Por tal motivo aconselho a leitura, embora esteja em castelhano, do artigo da gaditana Mª Jesús Ruiz titulado “Alejandro Casona, Director del Teatro del Pueblo”, que pode ser lido entrando aqui.

TEMAS PARA REFLETIR E ELABORAR:

Organizar nos estabelecimentos de ensino um ciclo de cinema com filmes baseados em peças de teatro de Casona e de filmes de que foi roteirista. Por meio da técnica do Cinema-fórum, analisar depois a forma e linguagem fílmica e o fundo e conteúdo de cada um dos filmes. Muitos podem ser descarregados do Youtube.

Desenvolver em todos os níveis do ensino atividades dramáticas: jogos dramáticos, dramatizações de histórias, contos e lendas, teatro de fantoches, teatro lido, teatro escolar… Entre obras interessantes para serem representadas temos: as farsas francesas, as farsas para títeres de Blanco Amor, Berenguela, uma espinha de tojo e Barriga verde de Manuel Maria, O carteiro do rei de Tagore, de que existe tradução na nossa língua, as peças de Dieste, Marinhas del Valhe, Carvalho Calero, Cecília Meireles e dos autores lusófonos.

Ao redor da grande figura de Alejando Casona, organizar nas escolas uma amostra com murais, fotos, textos, esquemas, frases, capas dos seus livros, biografia e o seu labor com o Teatro do Povo das Missões Pedagógicas. Podem aproveitar-se também os documentos elaborados e encontrados para redigir uma monografia ou caderno que pode ser editado ou policopiado.

Nota:

Relacionados com este tema podem ser lidos outros artigos meus da série publicados no PGL, entrando aqui, aqui e aqui.

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