Entrevistamos, Tiago Salazar (Lisboa, 1972) que será o relator da primeira jornada do aPorto Plus 2016, dedicada à Literatura Contemporânea Lusófona, como anunciávamos há umas semanas no PGL.
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– Tiago, a maioria das pessoas que vão assistir ao aPorto Plus são da Galiza. A Galiza tem feito parte das tuas viagens?
Quando era um menino e moço disto das Viagens e da literatura de Viagens fiz uma viagem memorável a uma ínfima parte da Galiza, dada a sua grandeza e beleza. Falo de Vigo, Muros, Santiago e Fisterra. Muros ficou-me gravada como das terras mais lindas do mundo. Por pouco, de tanto enamorado pela terra e uma paixão efervescente, não perdia a vida numa encosta de Fisterra, pois decidimos fazer amor no banco detrás do carro, numa ribanceira, e com os solavancos o travão de mão cedeu… teria sido uma morte épica.
– És um viajante antes do que um escritor? ou, será que é possível escrever boas histórias sem levantar as nádegas do assento?
Não dissocio. Tudo na vida é uma viagem, e não importa se a escrevemos ou a contamos ou apenas a guardamos no íntimo, como agora, aqui, de Balvenie em cima da mesa, a recordar os prados escoceses e as miragens etílicas do Loch Ness.
– O coordenador local dos aPorto escolheu-te para falar e conversar sobre Literatura Contemporânea Lusófona. Que nos vais oferecer?
Falarei de amores e autores como Raquel Ochoa, Manuel da Silva Ramos, Hugo Gonçalves, Luis Brito, Pedro Teixeira Neves, Cristina Carvalho… e outros nomes que guardo surpresa.
– A literatura lusófona não portuguesa faz parte das leituras dos leitores e leitoras de Portugal?
Sim, há mais do que mera curiosidade e vários autores, como Olinda Beja ou Kalaf, são acarinhados, além do rei Mia Couto.
– Deixarias 3 dicas de leituras lusófonas para os leitores do PGL e um porquê para cada uma delas?
Manuel da Silva Ramos e Miguel Real, acabados de lançar O Deputado da Nação (ed. Parsifal)
(um post que escrevi)
-O Deputado da Nação
Eis um momento de frescura revivalista nas letras lusitanas, o lançamento deste novo livro da novel dupla de veteranos Manuel da Silva Ramos & Miguel Real. Num tempo de acagaçados e amesendados, de tanas, badanas e sacanas, de escassos riscos editoriais, a editora Parsifal, onde pontua o mexicanista e panchovilista Marcelo Teixeira, arrisca um livro de sátira sem a compostura das ironias subtis ou o sarcasmo de cafetaria. Para quem aprecia o género sem género da Grande Literatura, para quem se revê na linhagem de Cervantes, Bocage e de todos os ilustres pícaros anarquistas, eis uma leitura muito recomendável. Todas as semelhanças do impostor Umbelino com o defunto elegante Passos Coelho são meras coincidências próprias da ficção que sempre ultrapassa a realidade.-
E Samuel Pimenta
(uma crítica que escrevi)
Samuel Pimenta, originário de Alcanhões, Santarém, é um jovem autor, se considerarmos a sua idade biológica (26 de Fevereiro de 1990) e à luz dos padrões contemporâneos, onde a afirmação de um autor tende a ser tardia ou adiada para o “grande romance”. Escrever desde os dez anos e assumi-lo como uma decisão de vida em todos os seus currículos (onde surge isolada a menção à licenciatura em Ciências da Comunicação na Universidade Nova de Lisboa) diz muito do querer profissional deste autor, a quem é justo chamar-se Escritor de pleno ofício. Venceu em 2012, o Prémio Jovens Criadores na vertente de Literatura (promovido pelo Governo de Portugal e pelo Clube Português de Artes e Ideias) e dois anos depois foi-lhe atribuída no Brasil, pela Literarte – Associação Internacional de Escritores e Artistas, a Comenda Luís Vaz de Camões, a par, também no outro lado do Atlântico, do Prémio Liberdade de Expressão 2014, votado em unanimidade pela Associação de Escritores de Angra dos Reis. O reconhecimento público do trabalho é apenas a consequência desta conclusão: Samuel é um escritor de plaina séria, dono precoce de uma voz própria, amadurecida, onde se descobrem simpatias intensas pela escrita distópica e utópica de grandes autores universais como Aldous Huxley, Ray Bradbury ou George Orwell. No romance “Os Números que Venceram os Nomes”, edição Marcador, o seu ponto alto de efabulação, Samuel inventa uma sociedade dominada pelos números. Estamos num futuro longínquo (ou talvez não), numa sociedade de uma só religião, onde é comprovada a existência matemática de Deus, descoberta espantosa anulada pela total descaracterização do indivíduo enquanto nome. A ditadura do algarismo leva os indivíduos à alienação e ao medo, aprisionados por uma quase absoluta falta de esperança na salvação. Um Nove Um Seis, o jovem protagonista, comete o crime de resistir, depois de ser vítima de um surto psicótico fruto de um encontro inesperado com um gato vadio. Internado num hospício e dopado, numa viagem por estados alterados de consciência é levado a procurar respostas para quem é e qual o seu papel de indivíduo num mundo dominado pelas máquinas e o Sistema (de dados). A questão de fundo – a esterilidade do ser espiritual – é posta em causa por resistentes como Um Nove Um Seis e por um grupo de dissidentes que escreve poesia, recolhe animais tresmalhados e se atrevem a contrariar a ditadura dos números atribuindo-se nomes inauditos como Adão ou Eurídice. A prosa de Samuel é fresca, rápida, pertinente, com tanto de terna com de corrosiva e sempre de belo efeito, sem que o aparente tom moralista lhe tolde o fabuloso engenho criador. –