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Sónia Engroba: ‘Não somos conscientes nem conhecedores do poder da nossa própria língua’

Sónia Engroba nasceu numa aldeia de Cospeito, ao norte da cidade de Lugo. Na sua infância escolar, o castelhano era uma teima dos docentes. A Universidade, por seu lado, implicou mudanças linguísticas. Estudou História da Arte e o seu trabalho está ligado aos museus. No mestrado de arquitetura conheceu três colegas brasileiras que visitaram a sua morada familiar várias vezes. Tornou-se agálica porque gosta da sua proposta otimista, motivadora, inclusiva e construtiva.

A Sónia nasceu em Roás, concelho de Cospeito. Fala-nos da ecologia linguística da tua infância. Mudou muito quando foste estudar para o liceu em Castro de Rei?

Na verdade, não mudou nada. O mapa linguístico tinha apenas como protagonista o galego. Eu nasci na minha aldeia, onde aprendi a falar em galego e todos à minha volta falavam galego. Por acaso, o castelhano era usado apenas na escola, mas simplesmente pelo/a professor/a. A primeira escola à qual fui, foi a escola unitária da aldeia e a nossa professora falava-nos sempre em castelhano. Escrevíamos em castelhano, mas entre nós falávamos em galego. Depois da unitária estudei no colégio da Feira do Monte e era a mesma coisa. Só falávamos castelhano nas aulas de castelhano e ainda assim com muito suor por parte do professor porque sempre tornávamos ao galego. E ainda dava para fazer alguma brincadeira por parte de algum espertalhão pelo acento castelhano que não ficava muito natural em nós.

Na altura do liceu em Castro de Rei a cousa não mudou muito. O terreno castelhano era apenas dos professores ainda que cada vez mais alunos/as alinhassem com essa língua.

No caso das pessoas neofalantes, a Universidade costuma ser o espaço de mudança. Surge um espaço onde nadar no galego é mais simples. No entanto, no teu caso o processo foi diverso, não foi?

Foi, sim. Não me sinto muito orgulhosa disso, mas foi assim. Na faculdade comecei a falar castelhano porque repentinamente o meu círculo tornou-se castelhano-falante e eu queria ser aceite ou quando menos igual. É dizer, dum dia para outro, eu mudei de morada e de idioma. Para mim foi mesmo traumático ir-me embora da minha casa e ainda por cima mudar também de idioma. Nessa altura, primeiro ano de licenciatura, compartilhava quarto numa residência de estudantes com uma colega de Iowa, ela quase não sabia castelhano e o meu inglês também não era muito bom. Esta situação foi mesmo um desafio para as duas. Assim sendo, quase todas as pessoas, professores, alunos/as, colegas, amigas…, tornaram-se, de repente, castelhano-falantes. Então eu também comecei a falar castelhano no quotidiano com estas pessoas. Esta mudança do galego ao castelhano foi temporária e inclusive posso dizer que local, porque continuava a falar galego com a minha família e amigos da Terra Chá e em castelhano em Santiago com os professores, colegas da faculdade e da residência.

Na faculdade comecei a falar castelhano porque repentinamente o meu círculo tornou-se castelhano-falante e eu queria ser aceite ou quando menos igual.

Sónia estudou História da Arte e a seguir um mestrado de arquitetura e reabilitação urbana (USC-Consórcio de Santiago). O teu trabalho está muito ligado aos museus. Estamos numa boa era, a digital que estamos a viver, para os objetos?

Sim, é boa era, porque longe de ser um desafio para a assistência de público aos museus, o digital tornou-se num aliado. Muitas pessoas fazem pesquisas na rede antes de visitar os museus para planificarem a sua visita. Mas além deste primeiro uso, os museus já estão a trabalhar muito bem a sua estratégia digital. Assim sendo, a página web e/ou o blogue são duas ferramentas muito cuidadas. Um ótimo exemplo é o Museu de Arte Contemporânea de Barcelona -MACBA-, com Conxa Rodá à cabeça. Por outra parte, o foco digital atual está no multicanal com uma programação específica para Instagram, Facebook, tick-tock…, tudo pensado para esse público digital que já é um número muito importante em museus como o Museu Nacional do Prado -MNP- com projetos tão interessantes como os diretos que fão todos os dias dez minutos antes da abertura do museu ou a iniciativa #10yearchallenge# que recebeu o premio Webby. Assim sendo, é importante a co-criação, jogos como o “puzzle” do Museu Arqueológico Nacional -MAN- ou o “Massomakion” do Museu Massó de Bueu, também concursos como “Versiona Thyssen”, “Arte em casa” do Museu de Belas Artes da Corunha -MBAC- ou do Rijksmuseum, por citar alguns exemplos bem interessantes. Todas estas interações tornam os usuários geradores de conteúdos e eles próprios marcam as tendências e ações futuras de interesse, portanto, convertem-se em parte integrante da governança do museu. E ainda podemos falar dos museus que nascem no meio digital como o Museu online de cinema autobiográfico -MOCA- ou Museu Virtual -MUV- da Fundação María José Jove, ambos criados na Galiza.

Na altura do estudo do mestrado de arquitetura conheceste três colegas brasileiras com as quais moraste todo o ano letivo. Que lembras daquela experiência?

Lembro um monte de coisas. Sobretudo lembro que chegamos a nos sentir muito pertinho as umas das outras. De facto, desse convívio nasceu uma amizade sólida que ainda continua hoje. Elas gostavam de ir à minha aldeia porque diziam que se sentiam em casa, o qual era recíproco. A minha família adorava-as. Se calhar não é muito bom compararmos experiências, mas acho que é pertinente nesta ocasião. Como já indiquei, eu já tinha morado com outras colegas doutras nacionalidades, por exemplo dos EUA, e também foram à minha aldeia. Neste caso, as colegas norte-americanas também ficaram muito contentes, parece ser que Iowa e Roás não são muito diferentes quanto à paisagem. Elas também tinham vacas, ovelhas, cabras, coelhos… Mas, havia qualquer coisa que nos fazia sentir distantes. Na verdade, a comunicação não era muito boa por causa do idioma. Por outro lado, com as colegas do Brasil o idioma não se tornou nenhum impedimento comunicativo, tudo correu muito bem, com o galego e o português. A minha família adorava falar com as miúdas alegres que enchiam a casa de felicidade e de coisas novas e exóticas que elas contavam de Minas Gerais. Gostei muito dessa interconexão. Eram mundos tão diferentes, tão distantes e ao mesmo tempo tão compreensíveis.

Nos últimos anos tens estado a estudar as provas públicas para Facultativa de Museus e… aprovaste. Em breve terás um destino. Quais as tuas expetativas?

Sim, estou muito contente! 😊 Simplesmente ser feliz no trabalho do qual mais gosto. Trabalhar e comunicar-me no nosso idioma, quer com os colegas do museu quer com os visitantes e utentes. Contribuir a que a língua ambiental e veicular do centro seja o galego. Fazer projetos bonitos e construtivos, desses dos quais te enchem de felicidade e energia positiva. Os museus são instituições culturais com um forte potencial na medida em que, por um lado, entesouram o nosso património cultural e por outra é o ponto de união entre a coleção e os cidadãos. É por isso que devem ser instituições atuais e integradas no âmbito social e cultural no qual se encontram. Além disso, uma parte fundamental desse tesouro cultural é o nosso próprio idioma. Neste senso, o melhor que podemos fazer é usar o idioma e difundi-lo ao igual que estudamos e difundimos o património cultural.

Se tivesses de explicar às tuas amigas e amigos de Cospeito, porque vives o galego como sendo a mesma língua de Portugal e do Brasil, o que lhes dirias?

Dir-lhes-ia que não somos conscientes nem conhecedores do poder da nossa própria língua. Na verdade, temos um tesouro que nos permite comunicar internacionalmente. Isso torna o nosso idioma numa ferramenta comunicativa muito valiosa. Além da comunicação, também nos permite sentir-nos próximos a outras pessoas, a priori distantes, mas com as quais temos na fala muitas coisas em comum. Um exemplo claro está nos meus avós que se comunicaram muito bem com as minhas amigas brasileiras. Uma experiência que por acaso resultou com muito sucesso para todos, quer para os meus avós que ficaram muito cosmopolitas 😊, quer para as minhas amigas que sentiam os meus avós como seus próprios cá na Galiza.

Na verdade, temos um tesouro que nos permite comunicar internacionalmente. Isso torna o nosso idioma numa ferramenta comunicativa muito valiosa.

Porque decidiste fazer parte da tripulação agálica? O que esperas do trabalho da associação?

Há já um tempo que me sinto atraída pelo trabalho da AGAL mas, só foi agora, nesta altura que me decidi, porque, na verdade, o estudo das provas públicas consumia todo o meu tempo e energia. Finalmente, decidi aderir-me porque gosto dessa proposta otimista, motivadora, inclusiva e construtiva que a AGAL tem para o galego. Gosto dessa tripulação envolvida no trabalho a favor da língua.

Além disto, sou consciente de que o estudo do português fai que melhore o meu galego e também compreender bem a evolução natural do nosso idioma, como uma língua própria que não está isolada no noroeste peninsular senão que está conectada com o mundo.

Do trabalho da associação espero o que vem fazendo até agora, projetos tão integradores como as leituras continuadas, os documentários ou as diferentes publicações, por dizer alguma coisa. Mas também o papel de educação e difusão do binormativismo em todos os campos, além da filologia. É por isso que gosto da AGAL pela sua visão integradora, pois o idioma é falado por todos então somos todos a defendê-lo, a entendê-lo e a usá-lo.

Do trabalho da associação espero o que vem fazendo até agora, projetos tão integradores como as leituras continuadas, os documentários ou as diferentes publicações, por dizer alguma coisa. Mas também o papel de educação e difusão do binormativismo em todos os campos, além da filologia.

O tempo passa rápido como uma flecha e em 2021 somamos 40 anos de oficialidade do galego. Como valorarias esse processo? Que foi o melhor e que foi o pior?

A oficialidade foi um pontapé importante, ter um status legal sem dúvida foi definitivo. De facto, o ensino do galego também foi imprescindível para dignificá-lo. Mas não estou muito certa de se a norma a ensinar ou o ensino foi o correto. Quero dizer, existe esse preconceito das pessoas galego-falantes que não tiveram acesso ao estudo do galego que dizem que não falam bem galego porque não o estudaram, por exemplo meus pais. Mas, o galego manteve-se vivo durante a ditadura nos espaços íntimos e informais por pessoas que também não o estudaram, mas sim o falavam, por exemplo meus avós. Então, como pode ser que de repente umas pessoas que sempre usaram o galego no seu dia a dia, sintam que não o falam bem? Eu tive um professor de língua galega que sempre dizia que a sua enciclopédia quer para o idioma, quer para outras muitas coisas, eram seus avós e eu sempre acreditei nisso. Nessas palavras e expressões que se calhar não estavam no dicionário Xerais da língua galega, mas si era habitual no dia a dia da casa. Portanto, a partir da norma existe um critério de correto e incorreto, mas fica um monte de coisas no bando incorreto que se calhar não são tão incorretas ao meu ver. Eu não sou filóloga e acho que este assunto é grande demais para mim. É por isso que estas são simples reflexões com uma ótica de galego-falante preocupada pela saúde do idioma, mas não de especialista.

Noutra ordem de coisas, o galego continua a tendência de ser ritualizado ou folclorizado nos meios. Mas, é esse o caminho que queremos para o galego? ou queremos um galego do qual nos orgulhecer, o galego cantado pelas Tanxugueiras ou Ataque Escampe, entre outros? Temos referentes, temos ideias, temos intenção e vontade de sentir o galego como idioma próprio, identitário e internacional.

Afortunadamente, o idioma está vivo, mas a realidade é adversa, por isso acho que é importante mudar a estratégia por uma mais internacional, mais global com o objeto de blindar a sua supervivência e desfrute.

Indiscutivelmente, o pior está a ser a perda continuada de falantes do galego e a constante depreciação do idioma. É por isso que urge que o galego seja ensinado, aprendido, usado e sentido como uma língua internacional que comunica com 250 milhões de pessoas no mundo sem precisar do espanhol. É importante desligar uma e outra língua. Além disto, ver o galego como uma língua internacional favorece a autoestima linguística o qual é bom para a saúde do idioma.

Como gostarias que fosse a “fotografia linguística” da Galiza em 2050?

Se calhar o meu desejo e o pronóstico mais real não coincidem muito. A situação linguística piora ano a ano e o horizonte não é muito animador. Seria fantástico encontrarmos uma sociedade consequente com o esforço de tantas pessoas envolvidas atualmente no trabalho a favor da língua. Quer dizer, uma sociedade galego falante, consciente da sua riqueza cultural e orgulhosa da sua fala. Uma sociedade integradora, acordada e coerente.

Mas a imagem que desenhei é mais sonhada do que possível é por isso que estamos na altura de trabalharmos, de consciencializar os jovens para traçarmos um horizonte que se aproxime mais a esse fim sonhado.

Conhecendo Sónia Engroba:

Um sítio web: Instagram

Um invento: a Internet (além de ser também uma arma perigosa)

Uma música: Muitas, tenho um gosto muito díspar. Por dizer só uma, gosto muito da Deolinda, por exemplo “Corzinha de verão”.

Um livro: vários! Mas o livro de Galván em Saor sempre vai ser especial para mim, e se calhar para todas as pessoas de Roás. É a história do rei Arthur no cenário de Roás que é Saor escrito do revés. É assim como o Darío Xohán Cabana nos tornou em protagonistas (ele apanhou o nome de alguns vizinhos) e em leitores privilegiados.

Um facto histórico: a performance coletiva de Las Tesis “Um violador no teu caminho”.

Um prato na mesa: Muitos, adoro comer! Mas como tenho de escolher apenas um…, a tortilha.

Um desporto: adoro os trilhos na natureza, faz-me sentir muito bem, nomeadamente no outono quando começa a chover e já se sente o cheiro dos cogumelos.

Um filme: Muitos também! Mas um que sempre adorei: Amanece que no es poco, de José Luís Cuerda

Uma maravilha: passeio em bicicleta num dia calmo.

Além de galego/a: mulher

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