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Promover desde a escola o valor social da mulher, com o filme “A Quermesse heroica”

José Paz Rodrigues (*) – Todos sabem que o preconceito é um marco presente na vida da humanidade e a mulher não ficou de fora, em razão dele sofreu grandes perdas. Ao longo da história, as mulheres estiveram sempre subjugadas às vontades dos homens, a trabalhar como serviçais, sem receber nada pelo seu trabalho ou então ganhavam um salário injusto, que não dava para sustentar a sua família.

Em razão desses e tantos outros modos de discriminação, as mulheres uniram-se para buscar maior respeito aos seus direitos, ao seu trabalho e à sua vida. A discriminação era tão grande e séria que chegou ao ponto de operárias de uma fábrica têxtil serem queimadas vivas, presas à fábrica em que trabalhavam (em Nova Iorque) após uma manifestação onde reivindicavam melhores condições de trabalho, diminuição da carga horária de 16 para 10 horas diárias, salários iguais aos dos homens, os quais chegavam a ganhar três vezes mais no exercício da mesma função. Porém, em 8 de março de 1910, aconteceu na Dinamarca uma conferência internacional feminina, onde assuntos de interesse das mulheres foram discutidos, além de decidirem que a data seria uma homenagem àquelas mortas carbonizadas.

Mas a mulher não desiste de lutar pelo seu crescimento, o dia 8 de março não é apenas marcado como uma data comemorativa, mas um dia para se firmarem discussões que visem à diminuição do preconceito, onde são discutidos assuntos que tratam da importância do papel da mulher diante da sociedade, trazendo a sua importância para uma vida mais justa em todo o mundo. Enfrentando diversas discriminações e adaptações em relação aos “afazeres puramente femininos”, como cuidar da casa e da família, a mulher conseguiu superar as suas dificuldades e ainda administrar o seu tempo a favor das suas atividades, para que as questões familiares não entrem em conflito com questões profissionais e sociais. A mulher ainda é alvo de grande discriminação por aqueles que ainda acreditam que “lugar de mulher é no fogão” e por isso enfrenta o grande desafio de mostrar que apesar de frágil é ainda forte, ousada e firme na tomada de decisões, quando necessário.

A mulher tem marcado as últimas décadas mostrando que competência no trabalho também é um grande marco feminino. Apesar de ser taxada como sexo frágil, a mulher tem-se mostrado forte o bastante para encarar os desafios propostos pelo mercado de trabalho com convicção e disposição. A fragilidade da mulher, ou melhor, a sensibilidade da mulher, tem grande colaboração nas influências humanas que se tenta propagar na atualidade, pois, como se sabe, o mundo passa por transformações rápidas e desastrosas que precisam de mudanças imediatas. A mulher consegue transmitir a importante e dura tarefa de mudar hábitos com a clareza e a delicadeza necessária para despertar o envolvimento de cada indivíduo e a importância da mudança de cada um. O avanço feminino frente à política e à economia ainda mostra a força da mulher em perceber e apontar os problemas tendo sempre boas formas de resolvê-los assim como os indivíduos do sexo masculino, o que evidencia o erro de descriminar e diminuir o sexo feminino privando-o a apenas poucas tarefas (domésticas). A realidade do crescimento do espaço feminino tem sido percebida pela participação da mulher em diferentes áreas da sociedade que lhe conferem direitos sociais, políticos e económicos, assim como os indivíduos do sexo oposto.

Por tudo isto, é enormemente positivo promover desde as aulas de todos os níveis educativos, a valorização social da mulher e o reconhecimento da importância do seu labor e participação na nossa sociedade. Um tema importante sobre o que temos que refletir, aproveitando também a data do 8 de março, em que desde há umas décadas se vem celebrando o denominado “Dia Internacional da Mulher Trabalhadora”. Para levar para a frente este belo projeto escolhi um lindo filme, uma verdadeira obra de arte cinematográfica, realizada em 1935 pelo diretor galo Jacques Feyder, sob o título de “A Quermesse Heroica”.

 

Ficha técnica do filme:

Título original: La Kermesse Héroique (A Quermesse heroica).

Diretor: Jacques Feyder ( França, 1935, 115 min., Preto e Branco).

Roteiro: Bernard Zimmer e Charles Spaak.

Música: Louis Beydts. Fotografia: Harry Stradling, Louis Page e André Thomas.

Prémios: 1936 : Festival de Veneza: Melhor diretor e no National Board of Review (NBR): Melhor filme estrangeiro.

Atores: Alexander D’Arcy (O capitão), Alfred Adam (Josef Van Meulen, o talhante), André Alerme (Korbus de Witte, o burgomestre), Arthur Devère (o pescadeiro), Bernard Lancret (O pintor Julien Brueghel), Claude Sainval (o Lugartenente), Delphin (I) (O anão), Françoise Rosay (Cornelia de Witte, A Senhora do Burgomestre), Ginette Gaubert (A Pousadeira), Jean Murat (O Conde Duque de Olivares), Louis Jouvet (O Padre Capelão), Lyne Clevers (A esposa do pescadeiro), Marcel Carpentier (O padeiro), Marguerite Ducouret (A esposa do cervejeiro), Maryse Wendling (A esposa do padeiro), Micheline Cheirel (Siska) e Pierre Labry (O Pousadeiro).

Argumento: Talvez seja o melhor filme de Jacques Feyder. Filme sobre a ocupação espanhola na Flandres, magnificamente reconstituída pelos prodigiosos cenários de Lazare Meerson, Alexandre Trauner e Georges Wakhevitch. “La Kermesse Héroique” encena os jogos políticos que então se travavam numa aldeia flamenga com a chegada dos espanhóis e reflete os que tinham por palco a Sociedade das Nações nos anos 30. Divertida farsa sobre a dominação espanhola em Flandres. A iminente chegada a uma pequena cidade de tropas espanholas provoca o pânico entre os homens. As mulheres, em troca, decidem preparar uma esplêndida festa de boas-vindas aos temíveis soldados espanhóis.

 

 

Uma homenagem às mulheres:

A Quermesse heroica” foi rodada em 1935, faz agora setenta e nove anos. Para mim está entre as dez obras-mestras da história da sétima arte chamada cinema. A virulência da sua sátira, amostrando a cobardia dos esposos adormecidos no conforto do matrimónio burguês, faz deste filme uma obra artística que ninguém deveria perder de ver, e que não deve ser ignorada pelos amantes do cinema de qualidade. Ademais o seu tema mantém mesmo hoje a sua grande atualidade, embora a história que se conta suceda no Flandres do ano 1616, terra que vive sob o domínio do rei de Espanha Filipe II, naquela altura. Numa importante povoação, o burgomestre promete a sua filha Siska para casar com o talhante da aldeia, no entanto esta está apaixonada pelo jovem pintor Jan Brueghel. Ela tem o apoio da sua mãe neste namoro, que não simpatiza para nada com o talhante. Três mensageiros espanhóis chegam à aldeia anunciando que o Conde-Duque de Olivares, com todo o seu séquito, passará uma noite na povoação, durante a sua viagem. Os habitantes sentem um pânico terrível, lembrando as piores atrocidades da ocupação (mesmo às crianças, para meter-lhes medo, diziam-lhes que “Aí vem o “Duque de Alva”, no lugar de “Aí vem o homem do saco”).

O burgomestre acha que a melhor solução é passar por estar morto num cadaleito. Para isto, declara-se na aldeia esse dia uma jornada de luto nacional. Prepara-se a cama mortuória, mas as mulheres, indignadas com a cobardia de seus esposos, decidem auto-organizar-se, sob a direção de Cornélia, a burgomestra, ocupando o posto de seu esposo, e acolhendo dignamente aos espanhóis que chegam. Ao redor do falso morto e de todos os homens assustados, celebra-se uma grande festa. A burgomestra aproveita a impotência a que ficou reduzido o seu marido para obter do duque a autorização do matrimónio de sua filha com o pintor Jan Brueghel. Na manhã seguinte, os espanhóis continuam o seu caminho. Mais de uma mulher entregou-lhes o seu coração… ou a sua virtude.

Estamos perante uma formosa comédia, infelizmente muito desconhecida pelos que amam o bom cinema, pois eu não sei o porquê, mas durante uma época figurou entre as obras-mestras fílmicas e depois passou a ser esquecida pelos críticos cinematográficos. O que resulta certamente incompreensível, dado que ainda hoje mantém plenamente a sua vigência artística, o seu sentido do humor feroz, a sua crítica profunda a toda figura heroica, instituição militar e religiosa, com uma frescura certamente esplêndida. E com uma defesa do papel da mulher, que fazem desta obra-mestra um dos primeiros filmes feministas da história. A mulher protagonista, Cornélia, é uma mulher enérgica e inteligente, com esse sexto sentido que têm as mulheres, que em muitas atuações as fazem muito superiores aos homens. Ela e as outras mulheres da aldeia, decidem receber os colonizadores espanhóis com um grande festim ou quermesse, do que nem elas nem os soldados invasores se vão arrepender. Este acontecimento, uma noite de festa, com vinho, brincadeiras e paixão, é a base central do filme, uma “quermesse heroica” que o diretor do filme converte num majestoso divertimento, com uns diálogos engenhosos, planeados ao milímetro e cheios de graça. Além disso a encenação é soberba, onde Feyder rende toda uma homenagem às escolas pictóricas barrocas holandesas e espanholas (Brueghel, Vermeer, Hals, Velázquez, Ribera, Rubens…), criando possivelmente o filme mais extraordinário, onde se assimilam duas artes como a pintura e o cinema, como em nenhum outro filme.

Os movimentos de câmara são tremendamente modernos, com “travellings” espetaculares inusuais na época da rodagem. O ritmo é exato e a temática é audaz, sem cair em nenhum momento no vulgarismo, fazendo deste filme a mais linda comédia da história do cinema. Nela todos os estamentos saem malparados. Só se salvam as mulheres, num formoso canto feminista, e o sexo como um são divertimento, que não faz dano a ninguém, o qual, no ano 1935, este filme tem um grande valor como elemento transgressor, antecipando-se 25 anos à palavra de ordem dos sessenta “Faz o amor e não a guerra”. Todas as protagonistas femininas saem muito bem representadas pelas estupendas atuações das atrizes que as dramatizam. Pelo contrário, os atores, encarregados de apresentar os papéis dos homens, têm que subordinar-se por uma vez às mulheres, e ser caricaturados sem piedade num mundo onde se supõe que eles, e não as mulheres, são os que levam as rédeas. Em muitos países este filme foi proibido, por governos de todo o tipo, pelos nazis e até por parlamentos democráticos. No Estado Espanhol não se pôde estrear até depois de mais de trinta anos da sua realização, tendo no entanto um grande sucesso, quando em junho de 1968 foi projetado em Madrid e Barcelona.

 

 

Temas para refletir e elaborar:

Depois de ver o filme, utilizando a técnica de dinâmica de grupos do “cinema-fórum” , debater sobre os aspetos fílmicos do mesmo, o roteiro e a linguagem cinematográfica utilizada por Jacques Feyder , os planos, os movimentos de câmara, os “travellings”, o uso do tempo e do espaço e outros recursos fílmicos que aparecem nesta interessante obra cinematográfica, uma verdadeira obra-mestra, na qual ademais, de forma magistral, se combinam as artes pictórica e fílmica, fazendo uma homenagem aos pintores flamencos do século XXVII . Também sobre as interpretações dos diferentes protagonistas, femininos e masculinos, as cenas mais conseguidas e o uso dos recursos fílmicos em cada momento.

Utilizando a técnica freinetiana da Biblioteca do Trabalho, que os estudantes, com a orientação dos seus professores, elaborem monografias que depois podem ser editadas e/ou policopiadas sobre a importância das mulheres na sociedade, muitas vezes injustamente marginalizadas. Para elaborá-las, procurar informação em bibliotecas, revistas e na Internet. Convém fazer um esquema sobre os aspetos positivos do labor social da mulher, as suas importantes funções, o seu papel, os problemas da igualdade com o homem, os países que consideram que a mulher é fundamental e os que a têm em segundo ou terceiro plano, aqueles que desgraçadamente promovem o tráfico clandestino de mulheres ou a sua exploração sexual. Também a presença da mulher no trabalho, os tipos de trabalhos mais comuns da mulher, a presença em cargos diretivos e na universidade, a sua escolarização e a sua consideração pública. Os trabalhos devem levar fotos, textos da autoria dos alunos, poemas, canções, aforismos e frases e retalhos da imprensa. As monografias, uma vez terminadas e editadas ou policopiadas, podem ser expostas nos estabelecimentos de ensino, especialmente nos dias anteriores e posteriores a 8 de março.

O presente filme pode ser aproveitado também para aprofundar sobre dous temas essencialmente: o reino de Espanha na época dos Áustrias, em especial na de Filipe II, filho de Carlos I, e os países que tinham na Europa ocupados, como eram os Países Baixos, e ademais os sistemas de repressão que utilizavam. O segundo tema seria o de estudar a pintura da época, as escolas flamenga e espanhola, os grandes pintores de ambas as escolas, e ver como esta pintura está tratada no filme do belga Feyder. O material que se recolha sobre ambos os aspetos pode servir para elaborar uma revista ou um caderno alusivo, e mesmo um “Diário de Bordo”. O filme é muito rico e deve ser explorado em todos os seus aspetos, nomeadamente no feminista.

 

 

(*) Académico da AGLP, Didata e Pedagogo Tagoreano.

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