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O valor de educar a sensibilidade das crianças, segundo o filme “O Sol É para todos”

José Paz Rodrigues (*) – Já o tenho comentado muitas vezes em numerosos artigos e depoimentos. Temos que preocupar-nos muito mais com promover entre as crianças e os estudantes de todos os níveis as aprendizagens apreciativas.

Aquelas que se relacionam com os sentimentos, a afetividade, a sensibilidade, as atitudes positivas, o amor, o respeito, a tolerância e a solidariedade. Das aulas dos nossos estabelecimentos de ensino podemos e devemos trabalhar estas aprendizagens. E, naturalmente, também da primeira escola que é a casa ou lar familiar, e da terceira escola, também muito importante, que é a dos meios de comunicação, nomeadamente, o cinema, a televisão, a rádio e a imprensa. Ao redor da data de 21 de março, que é quando dá começo a primavera, celebram-se os dias da árvore, da Terra, da poesia e a semana contra o racismo, e poucos dias mais tarde o dia do teatro. Atividades todas elas muito adequadas para desenvolver em crianças e jovens a sensibilidade. Que no mundo atual tão necessária é, e tanta ausência dela existe. O que explica a grande crise social que estamos a padecer. Que não é só económica, pois também existe muita falta de valores humanos e muita falta de apreço e solidariedade com os semelhantes, com a natureza e com a paz e o amor pela não-violência.

Devemos aproveitar estas datas para realizar atividades artísticas, literárias e lúdicas que favoreçam a aquisição das aprendizagens apreciativas de que estou a falar. Pois nas escolas e aulas de outros níveis educativos, ademais das aprendizagens associativas, racionais e psicomotoras, é necessário dar um espaço e tempo adequados às aprendizagens apreciativas, que estão muito em relação com o que nos últimos tempos se vem denominando como inteligência emocional.

Coincidimos com o educador brasileiro João Alfredo Carrara quando escreve sobre o importante que é educar para a sensibilidade no nosso ensino atual. Cabe ao educador ter a sensibilidade para amar aquele cuja inteligência está nas entranhas do coração. Encontrar o novo nas diferenças físicas, psíquicas e sociais. Falta, infelizmente, por parte de muitos educadores a arte da sedução pedagógica, não adianta saber se o corpo não tem capacidade de sentir; falta o reencontro consigo mesmo; falta sonhar e possibilitar que o aprendiz sonhe, pois o sonho é sempre alguma cousa que dá prazer; falta despertar (-se) para o desejo de aprender e ensinar; falta invadir o mundo da imaginação e da magia, é da magia da educação que criaremos pessoas com sentimentos diferentes; crianças mais dóceis, menos violentas, mais mansas, capazes de construir um mundo melhor, com mais prazer. Adultos, mas sempre crianças. Por isto Carrara diz: “Então, voltemos às nossas indagações iniciais. E, novamente, nos vêm mais questionamentos: A nossa Educação é movida pelo afeto? Onde buscá-lo? Não estariam escondidos nos contos infantis, na expressão das crianças que pedem a repetição das mesmas histórias… Não estariam elas resgatando o homem bárbaro ou a doçura e o encanto da mocinha? Não estariam, portanto, construindo um mundo a partir da afetividade? Das emoções? Dos sentimentos?

Extremamente importante essa questão dos contos de fada em função da sua natureza simbólica. É por meio deles que a criança coloca-se na posição de cada personagem, percebendo-se enquanto agente, sentindo-se num mundo real, mesmo que simbolicamente”.

Faz-se importante, então, resgatar o gosto pela leitura, ler para as crianças, abrir as portas da biblioteca, fazer o aluno sentir felicidade ao encontrar-se com um livro. Cabe, a nós educadores, oferecer-lhes o melhor cardápio, uma vez que a criança está faminta para aprender e tem uma capacidade enorme de assimilação. Para que a escola se renove e oportunize o encontro com o novo é preciso armar-se de beleza e arte, abrindo as janelas ao aprendizado íntegro, conciso, sólido. Cabe à Escola lembrar-se de que o que fica é o residual, a essência. Na maioria das vezes ela é invadida pela burocracia e se esquece desses elementos emocionais. É preciso emoção para que o aprendiz dê conta dos conteúdos acadêmicos. É preciso colocar-se no lugar dele, sentir como ele, raciocinar como ele. Importante tema refletido no poema seguinte: “E quando estiveres perto eu arrancarei teus olhos e os colocarei no lugar dos meus. E tu arrancarás meus olhos e os colocarás no lugar dos teus; então, eu te olharei com teus olhos e tu me olharás com os meus”. Será que não é isso que falta para nós educadores, além da criatividade e do entusiasmo? Exigimos sempre dos nossos alunos aquilo que nem sempre temos a capacidade de exigir de nós mesmos, porque esquecemos que a mente inteligente aprende a esquecer aquilo que aprendeu; ela guarda a vivência, a essência, a experiência. O aprendizado não colocado nos livros não se escreve, mas é o que fica guardado para sempre. O que é importante reter na vida são as trocas e as relações que estabelecemos entre as cousas, os fenômenos e as pessoas, tal como já em 1997 escreveu o psicopedagogo brasileiro Brandão.

Vemos, então, que o papel do educador enquanto facilitador e mediador das relações que o aprendiz estabelece está no criar situações para que os alunos consolidem essas trocas, servindo-se da competência intelectual responsável; de um conhecimento fluido, instável e renovador; do despertar para criticidade, partilha e capacidade de ouvir; do aprender a tolerar; do compromisso com a simplicidade voluntária e com a paz e do resgate dos valores humanizadores, éticos e morais. É fazer emergir nos alunos aquilo que deve ser atingido através da nossa prática docente e, para isso, precisamos assumir, de fato, que o empenho político do educador é educar. Sabemos que o educador não tem que ser um campeão, mas deve esforçar-se para ver seu aluno no pódio. Somente chegará lá se der condições para o aprendizado, se ouvir o que lhe tem a dizer, se deixar colocar para fora suas experiências vividas.

Somente com esse novo olhar para o que é novo, com sensibilidade e prazer fará com que nós educadores, pequenas nascentes do saber, cheguemos aos grandes mananciais das aprendizagens apreciativas, em íntima relação com as emoções dos seres humanos.

Para apoiar tudo isto que venho de escrever não encontrei melhor filme que “O sol é para todos”, realizado por Robert Mulligan em 1962, uma verdadeira joia cinematográfica, uma obra de arte autêntica, uma fita que em Portugal recebeu o título de “Na sombra e no silêncio”. Em castelhano foi titulado como “Matar um ruiseñor”.

 

Ficha técnica do filme:

Título original: To Kill a Mockingbird (O sol é para todos / Na sombra e no silêncio / Matar un ruiseñor).

Diretor: Robert Mulligan (EUA, 1962, 129 min., Preto e Branco).

Roteiro: Horton Foote, baseado no livro de Harper Lee.

Música: Elmer Bernstein. Fotografia: Russell Harlan. Direção de Arte: Henry Bumstead.

Figurino: Rosemary Odell. Edição: Aaron Stell. Efeitos Visuais: Carole Cowley.

Produção: Alan J. Pakula. Distribuição: Universal-International.

Atores: Gregory Peck (Atticus Finch), John Megna (Dill Harris), Frank Overton (Xerife Heck Tate), Rosemary Murphy (Sra. Maudie Atkinson), Ruth White (Sra. Dubose), Brock Peters (Tom Robinson), Estelle Evans (Calpurnia), Paul Fix (Juiz Taylor), Robert Duvall (Arthur Radley), Collin Wilcox Paxton (Mayella Violet Ewell), James Anderson (Bob Ewell), Alice Ghostley (Stephanie Crawford), Mary Badham (Louise Finch), Phillip Alford (Jem Finch), William Windom (Promotor Gilmer), Richard Hale (Nathan Radley), Crahan Denton (Walter Cunningham Sr.), David Crawford (David Robinson), Kim Hamilton (Helen Robinson), William Walker ( Reverendo Sykes), Guy Wilkerson (Primeiro jurado).

Prémios: Óscares 1962: de melhor ator (Gregory Peck), de Melhor Roteiro Adaptado, de Melhor Direção de Arte em P e B; Indicação aos Óscares: de Melhor Filme, de Melhor Direção, de Melhor Fotografia, de Melhor Trilha Sonora, de Melhor Atriz Coadjuvante (Mary Badham). Na Academia Britânica: Prémio de Melhor Filme, Melhor Ator Estrangeiro (Gregory Peck), e Indicação ao Prémio Academia Britânica de Melhor Filme. Globos de Ouro: Prémio de Melhor Ator-Drama (Gregory Peck), de Melhor Filme promovendo a compreensão internacional, de Melhor Trilha Sonora e Indicação ao Globo de Ouro de Melhor Filme-Drama. Festival de Cannes: Prémio Gary Cooper (Robert Mulligan). American Film Institute: O Sol é Para Todos foi eleito pelo American Film Institute, em 1998, como um dos 100 melhores filmes (34 º lugar). Em 2006, o mesmo American Film Institute, elegeu-o em 2ª lugar entre os 100 filmes americanos mais inspiradores. Em 2007, eleito entre os 100 melhores filmes americanos, dessa vez em 25º lugar pelo American Film Institute. Em 2008, eleito pelo AFI no topo (1º lugar) dos 10 melhores filmes sobre tribunais. O personagem Atticus Finch, vivido por Gregory Peck, foi eleito em 2003, através de pesquisa do American Film Institute como o maior herói do cinema americano de todos os tempos.

Argumento: Alabama, anos 1930. A América enfrenta e Depressão. A pequena Jean (Mary Badham) é uma menina inteligente que tem no seu pai o grande herói. Atticus Finch (Gregory Peck) é um advogado viúvo que cuida de seu casal de filhos pequenos. Idealista e honesto, ele será o defensor de Tom, um negro acusado de estuprar uma mulher branca. Num júri composto apenas de brancos, todos sabem qual será o veredito. Mas o advogado não desistirá de tentar provar que Tom é inocente. Além desse julgamento, a amizade de Jean com Boo Radley (Robert Duval), um deficiente mental que vive encarcerado em sua casa, vai fazer com que a menina passe a ver o mundo sob uma nova ótica e descobrir que o mundo dos adultos é mais cruel do que parece. Baseado no romance To Kill a Mockingbird de Harper Lee, é este um filme de tribunal que apresenta, sob a ótica de duas crianças, preceitos básicos como a ética e a dignidade. Mockingbird é um pássaro americano. Após a Crise de 1929, os habitantes da pacata Maycomb, no Alabama, são na grande maioria pequenos agricultores. Em 1932, vivem ali os irmãos Jem e Scout Finch, órfãos de mãe criados pela babá negra Calpurnia e o pai Atticus Finch, advogado íntegro e respeitado na cidade, que atende gratuitamente aos mais pobres. A infância dividida entre a escola e as fantasias acerca do vizinho, o “malvado” Sr. Radley, cede espaço ao contato com a discriminação quando seu pai resolve defender o negro Tom Robinson, acusado de ter estuprado uma moça branca. A conservadora cidade se volta contra ele, apesar da inocência do rapaz ser evidente.

 

 

Um pai modelar, que dá o exemplo aos seus filhos:

A narração em off é feita pela Scout, já adulta, que relembra aqueles dias que marcaram a sua infância: as brincadeiras de férias com o irmão, Jem, e com o amigo, Dill, e o julgamento que parou a cidade de Maycomb, com o caso do negro Tom Robinson, acusado de ter estuprado uma moça branca.

Já o livro em que se baseia o filme, merecedor do prémio Pulitzer, é apaixonante. E a adaptação fílmica de Mulligan muito acertada. A essência da história foi transferida perfeitamente para a tela. Algumas tramas paralelas, como o castigo de Jem e Scout que envolvia horas semanais de leitura para a vizinha rabugenta, a ida das crianças à igreja da comunidade negra com a sua empregada, Calpurnia, a visita da tia e as tardes de chá com as damas da sociedade de Maycomb, foram eliminadas, mas não diminuem em nada o brilhantismo da história. Lógico que de cada uma dessas situações as crianças tirassem lições valiosas, mas, como se sabe, nos filmes é impossível incluir todos os detalhes das obras impressas.

Quanto aos personagens, no começo estranha um pouco a figura meio masculinizada da Scout, mas depois achamos que é muito apropriada e bem mais condizente com seu estilo de acordo com o livro. O advogado Atticus interpretado por Gregory Peck é simplesmente a versão em carne e osso do advogado que aparece na obra de Harper Lee. Não tinha como ser melhor. O amigo Dill consegue cativar ainda mais nas telas, com o seu corpo franzino e dentes de coelho. É possível que Calpúrnia tivesse que aparecer mais, já que no livro a sua presença é marcante. As cenas do tribunal são maravilhosas e conseguiram manter a tensão até o fim, mesmo que se saiba o final. E quando Boo finalmente dá as caras… é toda uma surpresa. Um filme magnífico. Vale a pena tanto para quem já leu o livro, quanto para quem não faz questão de leitura prévia. Clássico imperdível!

Baseado em um dos grandes best-sellers da época, “O sol é para todos” é um filme que foca no seu ambiente de cidadezinha pacata e o convívio dos seus moradores através do ponto de vista de uma criança que aprende que o seu mundo não é feito apenas de cousas boas. Um dos seus personagens mais ilustres é o advogado Atticus Finch, interpretado otimamente por Gregory Pack, o qual além de simbolizar uma pessoa segura de si e determinada dos seus deveres perante a sua sociedade, também é um grande exemplo de educação para os seus filhos. Além da sua atuação, as crianças também causam boa impressão nos seus primeiros trabalhos de uma infância sulista cheia de ingenuidade e aventuras.

Um pouco diferente do retrato familiar idealista americano, boa parte do que nos é mostrado tem a possibilidade de criar vários questionamentos sobre qual é a situação da família contemporânea independente de onde ela está localizada no mundo afora. Mesmo que a cada cinco minutos de filme se tenha um tema abordado, o mais enfatizado é o preconceito racial que hoje tentamos eliminar. Nele é possível perceber que mesmo que as pessoas tenham as mesmas condições financeiras e culturais, elas sempre tentam encontrar algo para classificá-las como superiores agindo de forma egoísta e sem respeito. Bom para adoradores de clássicos pós-crise americana.

Este lindíssimo filme poderia servir de matéria educativa em qualquer escola do mundo, pelos seus valores puramente humanos. No mesmo tocam-se muitos temas de interesse social, mas sobretudo, estamos perante uma obra de arte cinematográfica que fala da inocência. Por isto mesmo, o seu olhar é sempre o da sua personagem central Scout, e de como lhe afetam os factos que vão sucedendo. Estamos perante um grande filme, maravilhoso para ver com os estudantes, pois o seu olhar vai para além do que são as lembranças infantis que rememoram as noites longínquas do verão, adentrando-se nelas com uma pasmosa facilidade, tratando por tu a focagem de uma criança perante as incompreensíveis atitudes dos adultos. Um exemplo temo-lo quando vários habitantes acodem ao cárcere para linchar Tom Robinson e as perguntas inocentes da menina Scout fazem que se avergonhem do que iam fazer, deixando no advogado Atticus um sabor de orgulho nos seus lábios. Na história da filmografia mundial existem bastantes filmes poéticos, com sensibilidade, que cativam o espetador, mas, a meu modesto entender, este ocuparia um dos primeiros lugares da lista. Junto com A vida é bela, A harpa de Birmâniwra e Cinema Paradiso.

 

 

Temas para refletir e elaborar:

Depois de ver o filme, utilizando a técnica de dinâmica de grupos do “cinema-fórum”, debater sobre os aspetos fílmicos do mesmo, o roteiro e a linguagem cinematográfica utilizada pelo grande diretor americano Robert Mulligan, os planos, os movimentos de câmara, os “travellings”, os “flashbacks”, o uso do tempo e do espaço e outros recursos fílmicos que aparecem nesta obra-mestra cinematográfica. Também sobre as interpretações dos diferentes protagonistas, femininos e masculinos, as suas atitudes e a psicologia dos mesmos, as cenas mais conseguidas e o uso dos recursos fílmicos em cada momento.

Elaborar um Plano de Atividades Circum-escolares para organizar nos estabelecimentos de ensino de todos os níveis educativos. A finalidade essencial destas atividades tem que ser a consecução de aprendizagens apreciativas nos estudantes e a criação de sensibilidade nos mesmos, incidindo no que hoje se conhece como inteligência emocional. No Plano não poderiam faltar os seguintes obradoiros: trabalhos manuais variados, modelagem, tear, fantoches, astronomia, reciclagem, recortáveis, fotografia, desenho, origâmi, esculturas com balões e elaboração de brinquedos. E também os seguintes clubes: teatral, cinema-clube, musical, jogos tradicionais, desportivo, colecionismo (filatelia e postais), literário, excursionista e de solidariedade social.

Criar em cada estabelecimento educativo uma “Escola de mães-pais”. Com atividades dinâmicas e não aborrecidas: debates-papo (tertúlias), dramatizações, técnicas de dinâmica de grupos variadas, cinema-fórum, conta-fábulas, livro-fórum, convite para dar palestras amenas por pedagogos e psicopedagogos. Deveria funcionar no mínimo com uma atividade por semana. Teria também que preocupar-se com que se levasse à prática o plano de atividades circum-escolares do ponto anterior.

 

 

(*) Académico da AGLP, Didata e Pedagogo Tagoreano.

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