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O mestre que deixava as crianças sonhar, no filme sobre a vida de C. Freinet

Freinet Mestre Informação imprensa2Durante os anos da minha formação como mestre na Escola Normal de Ourense, e nos anos posteriores exercendo já como mestre nas minhas primeiras escolas primárias da cidade das Burgas, em 1969 e 1971, dos bairros de Marinha Mansa e Covadonga, o dia 27 de novembro de cada ano era uma data muito significativa, porque era aquela que se dedicava a homenagear os mestres. Era na realidade o “Dia do/a Mestre/a”, que todos aproveitavam para fazer ver aos cidadãos a importância do labor social que realizam os mestres no seu ofício diário com as crianças. Naturalmente, eram outros tempos, mas não está demais lembrá-los. Eu, à minha idade, já reformado, lembro-os com nostalgia. Estou a escrever este depoimento da minha série no campus da Escola-Universidade de Robindronath Tagore em Santiniketon (“Morada da Paz”) na Bengala da Índia. Considero Tagore o maior educador da história da pedagogia, por isso moro aqui a maior parte do ano. Embora também considere que foram grandes pedagogos e educadores Geheeb, com as suas escolas de Odenwald e Escola da Humanidade, Cossío com a ILE, Milani com a sua Barbiana, e, especialmente, Célestin Freinet na França, com as suas escolas de Bar-sur-Loup e Saint Paul-de-Vence. Precisamente, para este meu depoimento, escolhi um lindo filme, realizado em 2006, em que se apresenta a vida deste grande pedagogo e educador com verdadeira projeção mundial. Tanta, que ainda está vivo na maior parte dos países o “Movimento Cooperativo da Escola Moderna ou Popular”, continuador dos princípios teórico-práticos da Pedagogia de Freinet. E são muitos os mestres e mestras que no dia-a-dia levam à prática nas suas aulas as famosas e variadas técnicas didáticas freinetianas como o texto e desenho livres, a correspondência interescolar motivada, as técnicas de impressão, o cálculo vivo, o jornal escolar, o livro da vida, a biblioteca do trabalho, os coutos e passeios escolares e os métodos naturais para aprender aritmética, ciências e história.

Com ser enormemente interessante o pensamento ideológico-educativo de Freinet, que teve que criar a sua própria escola privada em Vence, pois na pública não podia pôr plenamente em prática as suas ideias, as suas técnicas didáticas nas nossas escolas de hoje mesmo, de grande valor prático, deveriam ser conhecidas e aplicadas nas suas aulas por todos os docentes, experimentando-as a diário nas classes dos diferentes níveis educativos (inclusive na escola infantil). Não devemos esquecer que estamos perante um grande pedagogo que tirou todas as suas ideias e princípios pedagógico-didáticos da sua própria prática educativa com os seus estudantes, nas suas aulas das escolas francesas em que foi mestre, e que ainda funcionam hoje. Em Freinet, primeiro foi a prática e depois a teoria. Nos seus livros, nomeadamente As invariantes pedagógicas, Os ditos de Mateu (Parábolas para uma pedagogia popular), Conselhos aos mestres jovens, Pedagogia do bom senso e Técnicas Freinet da Escola Moderna, recolhem-se verdadeiros e interessantes princípios educativo-didáticos, resultado da sua experiência pessoal como mestre. Eis um dos mais importantes valores de Freinet como pedagogo, que ainda no século atual tem muito que dizer-nos para levar seu método às nossas aulas de forma atrativa e motivadora para crianças e jovens. Todos os seus princípios educativos não têm desperdício, embora queiramos destacar entre eles os que se referem à importância que tem que os estudantes estejam motivados para o trabalho escolar, tendo em conta prioritariamente os seus interesses. Também o valor relativo dos livros, dado que a disciplina fundamental é a própria vida (que ele denominava “Livro da Vida”), e o meio socionatural o verdadeiro livro. Freinet estava a favor de suprimir os denominados manuais escolares, embora escrevesse que existiam alguns bem elaborados com atividades motivadoras. Por último, o valor didático de que sejam os próprios alunos os que, servindo-se do método científico de investigação, procurassem tudo aquilo que existe no seu meio circundante, expressando-o depois por meio da escrita, o desenho e/ou os audiovisuais. Acho que as técnicas didáticas freinetianas, com o seu grande valor pedagógico, são muito apropriadas para levá-las à prática nas aulas dos nossos estabelecimentos de ensino, sem dificuldade alguma para desenvolvê-las em todas as escolas. Não encontramos impedimentos, do ponto de vista didático, para as experimentar com os nossos estudantes, desde que os nossos docentes as conheçam bem e as saibam pôr em prática. Os únicos impedimentos poderiam vir por parte de alguns pais e dos administradores educativos, mais proclives a uma pedagogia tradicional, memorística, não criativa e não inovadora. E não queria deixar de assinalar que a meta educativa fundamental para Freinet era conseguir em crianças e jovens uma esperança otimista da vida. Toda a sua didática prática ia nessa formosa direção.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

  • Freinet Mestre CartazTítulo original: Le maître qui laissait les enfants rêver (O mestre que deixava as crianças sonhar).
  • Diretor: Daniel Losset (França, 2006, 90 min., a cores).
  • Roteiro: Sylvie Marjolaine Encrevé e Pierre Naudon, livremente inspirado na vida de Freinet.
  • Adaptação e diálogos: D. Losset, Sylvie Marjolaine e Pierre Naudon.
  • Fotografia: Dominique Bravant. Música: Stéphane Moucha.
  • Chefe de decorados: Ramora. Chefe de vestiário: Emmanuelle Corbeau.
  • Produtores: Marie-Françoise Mascaro e François Luccioni.
  • Diretora da unidade de ficção: Nicole Patin. Conselheira de programas: Anne Holmes.
  • Produtoras: MFP, France 3 e CNC (Marseille).
  • Atores: Alexandre Thibault (Célestin Freinet), Nina Gabalda (Elise, esposa de Freinet), Mermoz Melchior (Titin, entre 6 e 8 anos), Basile Melchior (Titin, com 14 anos), Robin Causse (Titin, com 18 anos), Martin Gamus (Lulu, com 7 anos), Douglas Boisson (Lulu, com 14 anos), Cédric Maruani (Lulu, com 18 anos), Lorenzo Ausilia-Foret (Ninio), Frédéric Gérard (Muffat), Jean-Pierre de Tugny (Raulet), Dominick Breuil (Eugène), Cécilia Hornus, (Anna), Marie Albe (Nénette), Guillaume Lanson (Pai de Lulu), Florian Pascal (César), Grégory Asfez (Napoléon), Davy Sanna (Domenico), Tom Ouviere (Boulard) e Léo Pascal (Ribero).
  • Nota: Este formoso filme pode ver-se na sua íntegra em Youtube.
  • Argumento: Saint-Paul-de-Vence, abril de 1933. Parte dos cidadãos reacionários manifestam-se perante a escola da aldeia com gritos de “Abaixo o professor.” Este é Célestin Freinet (1886-1966), que vem trabalhando há anos para implementar métodos inovadores de educação nas escolas públicas, que são emulados na França e no estrangeiro. Mas, o prefeito de Saint Paul, junto com os mais conservadores dos seus cidadãos dão muito bem se livrar dele, que o veem como um agitador perigoso. Mais tarde, na vizinha aldeia de Bar-sur-Loup, ficamos a saber que o professor está ameaçado com ainda mais consternação do que ali. Freinet experimentou em 1920, nestes pequenos lugares do sul da França, métodos de ensino rapidamente apreciados por todos, que alcançaram uma grande difusão por todo o mundo. O filme evoca a grande figura histórica e pedagógica deste excelente educador francês do século XX.

A VOZ DE FREINET, “NÃO SE DEVE SEPARAR A ESCOLA DA VIDA”:

Atores representando Celestin e Elise
Atores representando Celestin e Elise

Por sorte, com a ajuda da sua esposa Elise, Freinet deixou-nos uma abundante bibliografia, com livros didáticos por ele escritos formosíssimos, que todos os docentes deveriam ler. E depois aplicar as técnicas freinetianas nas suas aulas, adaptando-as, como é natural, aos diferentes contextos escolares. Prefiro que fale Freinet com as suas lindas palavras. Sob o título de “Não se deve separar a escola da vida”, no seu livro As técnicas Freinet da escola moderna, escreve:

Com muita frequência, no decurso das minhas atividades pedagógicas, a escola que conheci na infância impõe-se à minha lembrança. Percorríamos as ruas e os caminhos, embriagados pelo ar livre, nutridos por um labor que tinha para nós um sentido profundo, ligados à nossa vida presente e futura, com jogos naturais e os cantos dos pássaros. As preocupações? Só raramente nos acompanhavam. A criança em liberdade no meio dos seus camaradas jamais se encontra preocupada, salvo se está doente ou se problemas insuperáveis a dominam. A vida chama-a a si e impele-a para a frente com um otimismo confiante e prometedor.

Aproximávamo-nos da escola. As ideias não nos faltavam certamente, e ideias bem originais; as falas surgiam rapidamente, com subtileza e humor; as iniciativas abundavam, boas ou más. E depois, bruscamente, ouvia-se a sineta; produzia-se imediatamente como que um vazio no nosso ser. A vida detinha-se ali, a escola começava: um mundo novo, totalmente diferente daquele em que vivíamos, com outras regras, outras obrigações, outros interesses, ou, o que é mais grave, com uma ausência por vezes dramática de interesse. Contávamos pela última vez os berlindes nos bolsos, escondíamos uma bela amonite descoberta no caminho e que iríamos buscar depois de sairmos; era-nos preciso afastar o cão que nos seguira e que se mostrava surpreendido por ver que nos tornáramos seres anónimos, sem alma, que desapareciam naquele lugar retirado do mundo no qual a vida não contava. A porta fechava-se.

Antigamente, rezava-se. Agora canta-se, o que é menos rigoroso mas não impede que um mundo se tenha encerrado, e que se tenha imposto um meio que não nos é familiar, que não se preocupa em nos ser familiar, porque pretende dar-nos “riquezas” em que nunca pensámos e que não poderíamos encontrar noutro lado: a instrução e a ciência. Em certas aulas, atenuou-se talvez essa separação entre a vida e a escola, por meio de um estímulo que constitui efetivamente um progresso, mas que é sempre excecional; não se inscreve no quadro da classe, que retomará bem depressa os seus direitos, ao impor as suas técnicas especiais: as lições e as obrigações, acompanhadas dos manuais escolares, como principais utensílios.

Freinet Mestre Foto 00Ora, o defeito principal da lição é ser dada pelo professor que sabe, ou pretende saber, a alunos que se supõe que nada sabem. Não entra na cabeça de ninguém a ideia de que a criança, com as suas próprias experiências e os seus conhecimentos diversos e difusos, tem também alguma cousa para ensinar ao professor. Verifica-se aqui um erro pedagógico que alguns poderão dissimular com uma engenhosidade peculiar, mas que não deixa de imprimir poderosamente a sua marca em todos os sistemas escolares. Acrescentaremos, de resto, que ninguém – professor ou aluno – gosta de ser considerado ignorante; todo o ser humano quer conhecer e progredir, mas através de vias mais eficazes e que lhe são próprias.

O manual escolar tem outro defeito suplementar: determina rigorosamente, e para todas as regiões, o que as crianças devem aprender ou fazer. Contêm a ciência fria – mesmo que se tente aquecê-la artificialmente através de processos que só enganarão os educadores e mais ninguém –, impessoal, anónima. Dirige-se não ao homem criança, mas ao aluno, que é já como um ser descarnado, que não reage como criança, mas como aluno. Qualquer que seja o interesse dos textos apresentados ou dos exercícios propostos, não deixa de ser verdade que só acidentalmente estão relacionados com o ser íntimo, opondo deste modo um obstáculo à vida cujas necessidades educativas afirmamos. Devemos dizer, por fim, para evitar todos os mal-entendidos, que a nossa condenação não visa os livros, cujas virtudes jamais seremos capazes de enaltecer suficientemente, mas os livros que se usam como “Manuais Escolares” para o estudo e o trabalho na escola, “súmulas” sem horizonte, especialmente escritas tendo em conta os programas e os exames. Não dizemos, no entanto, que o manual escolar, encarado em si mesmo, seja forçosamente condenável e mal feito. Há atualmente manuais bem apresentados, de leitura agradável e cujo conteúdo é apresentado sob uma forma por vezes atraente. Porém, criticamos o uso que se faz dele, a obrigação de propor ao aluno, a cada aluno, apenas esta matéria única contida nas mesmas páginas, dada da mesma forma, enquanto as capacidades pessoais, a inteligência, a compreensão das crianças são muito diversas e matizadas.

Consideremos estes manuais. Em lugar de equipar os alunos com trinta livros semelhantes para cada disciplina, coloquemos estes livros – um exemplar de cada – e outros ainda, na nossa Biblioteca de Trabalho, de maneira a termos uma mais vasta documentação apresentada com pontos de vista diferente e modifiquemos a técnica de utilização dos livros. Isto será mais racional e mais proveitoso. Associemos o manual a toda a documentação que podemos pôr à disposição da criança e o manual desempenhará um papel humano e pedagógico.

TEMAS PARA REFLETIR E REALIZAR:

Utilizando a técnica do Cinema-fórum, podemos analisar o filme do realizador galo, do ponto de vista formal (linguagem fílmica, planos, movimentos de câmara, etc.) e de fundo (mensagem que tenta transmitir e atitudes que manifestam as diferentes personagens do mesmo, nomeadamente o mestre Freinet e seus alunos). Analisando também o roteiro no qual se nos apresenta parte da vida do grande pedagogo Freinet.

Por parte dos nossos docentes, tratar de levar à prática as técnicas didáticas que utilizava Freinet: desenho e texto livres, correspondência escolar, passeios escolares, cálculo vivo, imprensa e jornal escolar, horto escolar, ficheiro cooperativo, livro da vida e biblioteca do trabalho. Depois de um tempo seria lindo expor nos estabelecimentos de ensino os trabalhos realizados pelos estudantes, resultado da aplicação destas técnicas.

Utilizando a técnica do Livro-fórum, depois de ler todos, mestres e alunos, uma obra pedagógica de Freinet, das muitas que há publicadas na nossa língua, debater sobre as propostas didáticas apresentadas na mesma por Freinet, e sobre a forma de como as levar à prática.

Usando alguma das técnicas de dinâmica de grupos, debater entre todos o formoso texto escrito por Freinet intitulado “Então mudem a água do tanque!”, que se encontra no seu livro Pedagogia do bom senso. Em dito texto Freinet escreve:

Esquecemo-nos de um capítulo, na história do cavalo que não tem sede. No momento preciso em que o jovem caseiro mergulhava, na água do tanque, o focinho do cavalo-que-não-tem-sede, e que, puf!, o sopro obstinado do animal esparrinhava a água, em cascata, à volta da fonte, surge um homem que declara sentenciosamente: – Mas… então, mudem a água do tanque!

O que se faz imediatamente, pois – ordem das autoridades – devia obrigar-se a beber àquele cavalo-que-não-tem-sede. Trabalho perdido. O cavalo não tinha sede nem de água turva, nem de água limpa. Ele… não tinha… sede! E mostrou-o bem, ao arrancar a rédea das mãos do jovem caseiro, e partindo a trote para o campo de luzerna.

E, assim, o problema essencial da nossa educação não é de modo algum – como hoje no-lo pretendem fazer crer – o “conteúdo” do ensino, mas a preocupação essencial que devemos ter de dar sede à criança. Então a qualidade do conteúdo seria indiferente? Só é indiferente para os alunos que – na antiga escola – foram treinados a beber, sem sede, qualquer bebida. Habituámos os nossos a considerar primeiro toda a bebida como suspeita, a experimentá-la e a verificá-la, a elaborar eles mesmos o seu próprio juízo e a exigir, em toda a parte, uma verdade que não está nas palavras, mas na consciência de justas relações entre os factos, os indivíduos e os elementos. Não preparamos os homens que aceitarão passivamente um conteúdo – ortodoxo ou não -, mas os cidadãos que, amanhã, saberão enfrentar a vida com eficiência e heroísmo, e poderão exigir que corra, no tanque, a água clara e pura da verdade.

Nota importante:

Na minha série de “As Aulas no Cinema” dediquei antes já a Freinet dous depoimentos ou capítulos. Um em 23 de maio de 2012 e o outro em 18 de setembro de 2013, baseando-me nos respetivos filmes, um de ficção sob o título de “A Escola Buissonnière” e o outro um documentário realizado no Brasil. Nos mesmos, recolhem-se a biografia do pedagogo galo, as suas invariantes pedagógicas e as suas técnicas didáticas. Podem ser consultados entrando em:

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