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Nove perguntas a Sara F. Costa

Vitorino Coragem
Vitorino Coragem

Sara F. Costa nasceu na Vila de Cucujães, concelho de Oliveira de Azeméis, em 1987. A sua poesia tem vindo a ser galardoada com diversos prémios literários. A Transfiguração da Fome, o seu último livro, obteve em 2018 o Prémio Literário Internacional Glória de Sant’Anna para melhor obra de poesia publicada em países de língua portuguesa. Tem poemas traduzidos e publicados em mais de sete línguas em publicações literárias um pouco por todo o mundo. Tem participado em vários festivais literários internacionais em países como Turquia, Índia e China e coordena eventos literários no coletivo artístico internacional sediado em Pequim, “Spittoon”.

É mestre em Estudos Interculturais: Português/Chinês pela Universidade do Minho em parceria com a Universidade de Línguas Estrangeiras de Tianjin, China. Faz crítica literária e traduz poesia chinesa para português, é cronista no jornal Hoje Macau e membro da Asia Pacific Writers & Translators (APWT). Em 2021, obteve uma bolsa de criação literária da DGLAB. Convidámo-la a responder a nove perguntas.

1 – O mundo de hoje, assoberbado pela tecnologia e pelo ruído, ainda tem lugar para o ritmo da poesia? Porquê?

O mundo precisa urgentemente de poesia. De momento, o ruído é parte de existir em sociedade, mas é importante aprender a parar. A poesia é uma ferramenta muito útil para se aprender a suspender a nossa existência externa, frenética e dar valor à existência interior. Enquanto nos esquecemos de cuidar de nós mesmos, da nossa saúde física, mental e emocional, há uma série de problemas que se vão acumulando em forma de ansiedade, stress, insatisfação. Não somos a expectativa que temos de nós próprios, somos nós quando paramos e entramos em diálogo connosco. A poesia tem esse poder e a sua função ainda está para ficar.

Não somos a expectativa que temos de nós próprios, somos nós quando paramos e entramos em diálogo connosco. A poesia tem esse poder e a sua função ainda está para ficar.

2 – Quanto ao lugar da poeta no espaço público, como é encarado por ti?

Essa é uma boa questão. A poeta existe pela sua arte. Não tem a função de apregoar um determinado ensinamento no espaço público. Contudo, ela é, na sua forma de ser e de estar, alguém que de certa forma inspira os outros. Não é que ela o faça com essa intenção, mas os outros acabam por compreender que se rege por valores tão livres como os valores da poesia.

3 – Como foi o teu processo de despertar para a criação literária?

Sempre fui muito introspetiva. Sempre achei que a minha própria consciência merecia atenção e exploração. Fi-lo recorrendo à poesia, desde muito nova. Também o faço de outras formas, pela leitura, pela meditação, pela tentativa de escancarar todo o tipo de hábitos involuntários que me prendem a automatismos.

4 – Fala-nos um pouco das tuas motivações criativas. O que te impele?

Eu poderia dizer que o que me impele é o valor terapêutico da escrita. Mas é mais do que isso. É um fascínio, uma possibilidade de encontrar a forma exata de transportar uma experiência subjetiva. A mesma que sinto quando leio outros poetas e outros escritores. Por vezes é o desafio que me guia. O desafio de tentar reproduzir dimensões e realidades que só se alcançam pela literatura. A literatura é uma paixão e um fascínio. Talvez com um toque inevitável de obsessão.

5 – Com que outros/as artistas – desde escritores, pintores, músicos, cineastas, etc. – procuras dialogar nas tuas obras, quais são as tuas grandes referências?

Nesta área sou extremamente eclética e dialogo com outras formas de arte – as tradicionais para uma poeta – outros poetas. Tento aqui albergar a minha relação com o surrealismo português de Cesariny, a modernidade de Daniel Faria, Herberto Helder, Al Berto, António Ramos Rosa, Ana Luísa Amaral (entre tantos outros), mas também tento dialogar com outras expressões e outras geografias. Os haikus de Bashô, a poesia tradicional chinesa, a poesia contemporânea chinesa. Outros nomes como Ocean Vuong, Jennifer Chang e a lista podia continuar.

Mas os poetas não são a única referência. Sou uma amante de arte contemporânea. Quando estava na China, por exemplo, via como os artistas visuais contemporâneos dialogavam com a audiência explorando as suas formas de aparente conforto. Obras de arte que convidavam a uma ‘selfie’, religião imbuída em neons, objetos artísticos ao estilo do absurdismo, etc. E algo que me fascina muito é a incorporação de uma realidade digital distópica na minha poesia. Não é fácil com uma matéria-prima tão antiga como a palavra tentar incorporar-lhe tecnologia, metrópoles digitais. Mas é com o ruído ao qual te referias. É importante que a poesia se integre na realidade contemporânea. É importante que procure nesse ruído um significado.

Algo que me fascina muito é a incorporação de uma realidade digital distópica na minha poesia. Não é fácil com uma matéria-prima tão antiga como a palavra tentar incorporar-lhe tecnologia, metrópoles digitais. Mas é importante que a poesia se integre na realidade contemporânea. É importante que procure nesse ruído um significado.

6 – O teu último livro é A Transfiguração da Fome, pela Labirinto. O que gostarias de partilhar sobre ele connosco?

A palavra “transfiguração” está comumente associada a um episódio bíblico mencionado no primeiro testamento, e que ocorre numa montanha conhecida como Monte da Transfiguração, onde Jesus aparece em forma de brilho. Na doutrina cristã, o facto de a transfiguração se dar no alto de uma montanha representa o ponto onde a natureza humana se encontra com Deus: o encontro do temporal com o eterno, com Jesus a fazer o papel de ponte entre o céu e a terra. Na mitologia chinesa taoista, é o homem que faz a ponte entre a terra e o céu, deslocando a divindade para o humano. Seja como for, o livro não é propriamente uma reflexão de pendor religioso, apenas se aproveita deste sentido para logo acrescentar uma viragem com a introdução da “Fome”. A “fome” pode ser a fome dos mais fracos, pode ser a fome mundana da ambição, pode ser o desejo. Transfigurar a fome em poesia é apenas uma tentativa de atribuir um sentido divino a tantos sentimentos mundanos que tenho.

Diria que o meu instinto, ao utilizar estes termos, foi mais irónico. Ao longo do livro os poemas abordam certos valores tidos como religiosos como o nascimento, a verdade, a fé e a esperança, acho que se quisermos interpretar algo timidamente religioso aqui, é possível, mas é possível interpretar exactamente o oposto, o mundano e existencialista, o estado de coisas em que se espera para sempre por uma ausência infinita.

7 – Como poeta que escreve em português, consideras importante manter o diálogo com autores de outros países e regiões de língua portuguesa? Porquê?

Claro que sim. Existimos de uma forma quase transnacional, já não estamos limitados ao que se cria no nosso espaço geográfico. Com os países e regiões de língua portuguesa ainda mais interessante é o diálogo porque nos servimos desta matéria-prima que é uma linguagem comum.

8 – O que conheces da cultura galega, tens alguma referência que gostasses de destacar?

Estou a recordar-me, por exemplo, da grande escritora Rosália de Castro.

9 – Por fim, como encaras a relação entre a Galiza e os países e regiões de língua portuguesa e como pensas que poderia evoluir?

A existência de uma identidade galaico-portuguesa é incontornável e devemos valorizar esse enriquecimento. Vejo cada vez mais projetos culturais que nascem desta convivência da Galiza com a língua portuguesa e com os países e regiões de expressão portuguesa. Estamos cada vez mais íntimos e temos motivos históricos para estar.

A Galiza tem direito à sua autodeterminação, tem o direito à língua, à cultura, à sua autogestão e autoadministração.

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